Luanda - No último escrito perguntava ao Presidente José Eduardo dos Santos e ao MPLA, se depois de tudo o que nos têm dado a assistir, ainda nos reservavam surpresas. Já foi um "escorreganço". As cabeças não param de aquecer. Desde que o Presidente dos Santos decidiu alterar a nossa “constituição histórica” de modo a mantê-lo com tantos poderes e por tantos anos mais (estando já a preparar o filho) mesmo não sendo eleito por mérito pessoal, que digo que o MLA também é uma presa do Presidente. Não tinha ainda razões para dizer diferente. Os que nunca viveram o que eu vivi e ainda vivo sobre os ideários do MPLA, nunca me vão entender. Em nem há aqui espaço para explicá-lo como mo pede um comentador jovem do Club-K, “instituição” que felicito por ser agora um dos últimos estritos redutos de debate contraditório, onde todos tem oportunidade de dialogar com pessoas de posições diferentes.

Fonte: Marcolinomoco.com

Outro jovem comentador do Club-K lamentava o facto de eu não me apresentar na política activa. Também é difícil, em poucas linhas explicar tudo. Mas, teria entendido as minhas razões, se tomasse contacto com mais algumas coisas que já escrevi ou disse à imprensa falada, que cada vez mais se fecha para mim e para todos os que têm ideias diferentes do Presidente Dos Santos e do seu comportamento surpreendente, em pleno tempo duma paz que seus fãs não se cansam de dizer que é o arquitecto (e sê-lo-ia para mim também, se não fizesse o que faz hoje, depois da simulação de 4 de Abril de 2002).


Mas penso que depois dos acontecimentos do 23 de Novembro e de tudo quanto aconteceu um pouco antes, os meus amigos se aproximem mais do entendimento de que para contribuir socialmente, perante os problemas que de forma absolutamente artificial o Presidente e muito pouca gente que o apoia nisso com alguma convicção, estão a criar, não é necessário que todas as personalidades visíveis e interessadas em harmonizar o país se enquadrem na vida político-partidária. Isto é um mito que também ajuda os que querem que se pense que quem não está enquadrado numa organização política não tem direito à palavra. Querem que todos nos queimemos na fogueira da exaltação político-partidária. Vejam se eles respeitaram os líderes dos dois maiores partidos da oposição?

Se respeitaram deputados nas suas imunidades?

Se se detiveram a mobilizar intelectuais e religiosos “presos” de consciência, como o meu brilhante antigo aluno Luvualu a comparar o incomparável?

Aproveito para felicitar o António pelo seu brilhantismo mas que ganhe coragem para recusar missões desta natureza. E dizer-lhe que eu já estive a ser recebido por Mandela no Palácio Presidencial, em Pretória, e vinham cidadãos sul-africanos de todas as cores espreitar pelas janelas porque aí morava a verdadeira Paz. Aquela comparação com a senhora dos Estados Unidos não faz absolutamente nenhum sentido. Angola tem que chegar ao dia em que não nos apresentem os aparentemente maus exemplos de fora como a regra.


Mas o que quero dizer só, na minha revolta desconsolada, perante a morte de um pacífico militante de um partido, é que as surpresas aconteceram mesmo. O senhor Presidente tem tropa preparada para atirar contra pessoas desarmadas numa situação de tanta visibilidade? Depois de tantas lições no mundo, em pleno século XXI!


Mas desta vez um Bispo falou a partir de Cabinda: “isso não se faz!”. Chama-se D. Filomeno Vieira Dias, a quem rendemos homenagem pela coragem de vir transmitir esta mensagem de Deus que deve estar horrorizado.


Aqui em Lisboa onde me encontro, pedem-me para me pronunciar em meios falados de comunicação. Recuso-me por enquanto. Quem sabe vão deturpar as palavras com truques técnicos? Aguardarei.


Vejam que a um comentador português são atribuídas palavras como essas: " a situação do dia 23, com mortes e feridos pelo meio, demonstra que Dos Santos é o único factor de estabilidade"; como quem diz, se ele não estivesse em Barcelona, ninguém teria sido morto ou ferido. Este senhor com certeza não estava ainda vivo quando Kassule e Kamulingui foram raptados e depois mortos ou quando pessoas conhecidas como o Dr Filomeno Secretário Geral do BD e jovens autodenominados revolucionários foram torturados com o Presidente em Luanda, e seus carrascos a gabarem-se na rádio e na televisão públicas.


Quando regressar, dentro de dias, tentarei contactar todos os mais velhos conhecidos no país, para reflectirmos se é possível continuarmos assim a ver nossos mais novos a serem mortos por um entusiasmo que ontem também tivemos, e que a Razão e o Direito lhes concede, para poderem participar na construção do Futuro que querem, legitimamente, ver diferente. Como perguntam muitos angolanos a que a propaganda destilada na nossa comunicação social pública e não só, ainda não virou a cabeça, não seria mais interessante que todo aquele aparato policial fosse mobilizado para proteger os manifestantes, que actuavam de acordo com a Constituição (o Ministério do Interior e nossa polícia, não são a Constituição, devem guiar-se pela Constituição), do que virá-lo que contra o povo que acredita ainda que somos um país democrático? Ou pelo menos tenham a coragem de decretar um estado de sítio, para que as pessoas não continuem a ser atraídas para a morte e a tortura, quando eventualmente não estejam disponível para isso.


Atribui-se a D. Filomeno uma afirmação muito importante e oportuna: “Reforme-se este governo”. Entendo que este reformar coincide justamente com as minhas propostas de revisão do regime material que vivemos, de forma pacífica, porque os que detêm o poder ou estão assustados com o seu passado ou pensam que a arrogância e o cinismo estabelece um poder eterno.


Se essa reforma não se resumir em mais um espetáculo de remodelação governamental, estaremos muito perto de uma saída em que ninguém poderá perder grande coisa. Será a melhor homenagem à vida e aos assassinados que até este momento não têm direito a ser reclamados.