Luanda - Integra do Texto da Conferência de Imprensa que promovida na manhã desta terça-feira por Sua Excelência Senhor Presidente da UNITA, Dr. Isaías Samakuva, sobre o balanço da Manifestação de 23 de Novembro de 2013.

Fonte: UNITA

Senhoras e senhores jornalistas:

Como sabem, a UNITA havia convocado uma manifestação para o dia 23 do corrente mês, para todo o país. Esta manifestação pacífica era pela Vida, pela Paz e pela Democracia e era uma expressão de repúdio aos assassinatos que têm sido cometidos nos últimos tempos. O Executivo Angolano, através do Ministro do Interior, utilizou a Polícia Nacional para impedir a realização da manifestação convocada nos termos da Lei e segundo a Lei.

 

Numa nota que o senhor Ministro do Interior nos remeteu, fez-nos saber que - passo a citar - “informações, documentos e materiais de propaganda, entre outros elementos, em posse do Ministério do Interior, indicam a existência de orientações e outras manifestções expressas de incitamento à violência e alguma pré disposição velada de alteração deliberada da ordem pública, com vista à criação de um estado de desobediência civil generalizado, susceptível de abalar as estruturas e instituições do poder político e subverter a ordem democrática e constitucional, bem como ofensas à honra e consideração devidas às pessoas e aos órgãos de soberania, violando o estabelecido no artigo 4o da Lei no. 16/91, Lei sobre o Direito de Reunião e das Manifestações”, fim de citação.

 

Analisado o conteúdo dos argumentos esgrimidos pelo senhor Ministro do Interior à luz da Constituição da República de Angola e ponderados os argumentos nele aduzidos, concluimos o seguinte:

 

Relativamente à manifestação que estava prevista para a província de Luanda, remetemos à entidade competente a comunicação prévia para os efeitos estabelecidos por lei; a expressão «efeitos estabelecidos por lei» refere-se aos prazos e objectivos da comunicação. Um dos objectivos é evitar que se faça outra manifestação na mesma data e no mesmo local.

 

O Governo Provincial de Luanda não cumpriu os termos estabelecidos por lei ao não manifestar a sua opinião, no prazo e forma previstos pela Lei no 16/91, de 11 de Maio, Lei sobre o direito de reunião e de manifestação.

A não notificação do GPL à UNITA no prazo indicado no no 1 do artigo 7o da lei no 16/ 91 é considerada como não objecção à realização da manifestação, nos termos do no 2 do artigo 7o da Lei no 16/91.

Estando a decisão do GPL desprovida de validade jurídica e, como tal não produzindo quaisquer efeitos jurídicos, afigurou-se uma decisão ineficaz para os efeitos do disposto na Lei no 16/91.

Nesta base, comunicamos estes factos ao Governo Provincial de Luanda e ao Ministro do Interior, por carta que, entretanto, os funcionários do Ministro se recusaram receber.

Também informamos ao senhor Ministro do Interior que a correspondência que lhe havíamos enviado visava, tão só, a solicitação de uma audiência para acerto de questões práticas ligadas às responsabilidades constitucionais da Policia Nacional.

 

Ao decidir impedir a realização da manifestação, o Ministério do Interior não circunscreveu a sua decisão restritiva aos limites das suas competências, porquanto esta instituição não só baseou a sua análise em documentos falsos e probabilidades infundadas, mas também porque tal atitude pretendia limitar o exercício de direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos através de formas não previstas nem conformes com a Constituição.

 

A intenção do departamento ministerial de impedir o exercício do direito de manifestação no dia 23 de Novembro, viola a Constituição, em virtude de a lei suprema do Estado angolano delimitar de modo muito preciso as situações em que um direito, liberdade e garantia pode ser restringido, limitado ou suspenso.

 

Não há qualquer mecanismo constitucional que permita o Ministério do Interior limitar ou suspender o exercício do direito de manifestação, excepto em caso de declaração de um qualquer estado de anormalidade constiucional, nos termos do artigo 58o da Constituição. De acordo com este artigo o exercício dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos apenas pode ser limitado ou suspenso em caso de estado de guerra, de estado de sítio ou de estado de emergência. Só o Presidente da República, nos termos do artigo 119o, alínea o), pode declarar o estado de sítio, ouvida a Assembleia Nacional.

 

Também, a notificação do Ministério do Interior ao Ministério da Administração do Território no sentido deste orientar os Governos Provinciais a proibirem a realização das manifestações solicitadas igualmente nas datas indicadas e nos mesmos moldes, para além de ser ilegal, é acima de tudo inconstitucional. Ilegal porque, qualquer cidadão, sendo particular interessado deve ser notificado dos actos administrativos, na forma prevista por lei, os quais carecem de fundamentação expressa quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos (artigo 200o, no 3 da CRA).

 

A forma e o prazo previstos por lei (Lei no 16/91 - Lei sobre o direito de reunião e manifestação) para a notificação do acto administrativo de impedimento de uma manifestação, neste caso não foram cumpridos. Inconstitucional porque, a limitação ou suspensão de direitos, liberdades e garantias só pode acontecer em caso de guerra, estado de sítio ou estado de emergência, nos termos da Constituição e da lei. Ora, o direito de manifestação enquadra-se na categoria de direitos, liberdades e garantias e a sua limitação ou suspensão, apenas poderá acontecer em caso de estados de anormalidade constitucional.

 

Não tendo sido declarado, nenhum estado de anormalidade constitucional pelo Presidente da República, nos termos das alíneas m), o), e p) do artigo 119o da CRA, nenhum auxiliar do Titular do Poder Executivo tem competência para limitar ou suspender o exercício do direito de manifestação, daí a inconstitucionalidade do acto de notificação do Ministério do Interior. A verificação do carácter pacífico faz-se aquando das reuniões e manifestações concretas e actuais, e não com base em qualquer previsão ou prognose de violência ou tumulto que venha a ocorrer.

Quanto às outras razões evocadas pelo Ministro do Interior no comunicado difundido no final do dia 22 de Novembro, fazendo alusão à existência de outras manifestações no mesmo local e à mesma hora que a UNITA havia anunciado, cumpre-nos dizer o seguinte:


Sabendo que a UNITA tinha convocado a sua manifestação para o dia 23 de Novembro para certo lugar e em certa hora, cabia à autoridade competente garantir que não houvesse no mesmo local e à mesma hora uma contra-manifestação. Outrossim, o MININT não pode demitir-se das suas competências constitucionalmente consagradas, enquanto órgão que tutela a Polícia Nacional, sendo responsável pela segurança e vida dos manifestantes, sob pena de o órgão e seus agentes serem responsabilizados, nos termos do artigo 75o da Constituição.

 

Ademais, a informação na posse do senhor Ministro do Interior segundo a qual, “existiam orientações expressas de incitamento à violência e alguma pré disposição velada da parte da UNITA para subverter a ordem democrática e constitucional, não corresponde a realidade. De igual modo, o documento referido como em posse do MININT atribuído ao Gabinete do Presidente da UNITA e que circula nas redes sociais com a referência “Orientação no 247/GAB/PRES./2013”, datado de 15 do corrente, é uma peça forjada, uma invenção e uma fraude, cuja origem a UNITA desconhece.

 

Foi em conformidade com estes factos, que a UNITA reafirmou e confirmou aqui, na conferência de imprensa realizada nesta sala, no dia 22, a sua inicial intenção de cumprir a lei, prosseguindo com a manifestação pela vida, pela paz e pela democracia, na data, local e trajecto inicialmente escolhidos como primeira opção, esperando que as autoridades competentes da República cumprissem igualmente a Constituição e a lei.

 

Hoje, estamos em condições de vos informar o seguinte: Como já nos habituaram os nossos governantes, mais uma vez subverteram pura e simplesmente a Lei, esta mesma Lei que eles próprios aprovaram. Como sempre, colocaram-se mais uma vez acima da Lei, confirmando o que temos afirmado repetidas vezes. Angola ainda não é um estado democrático de direito. Isto ficou mesmo patente no comunicado que o Ministério do Interior difundiu no dia 22 de Novembro como também através dos actos que protagonizou através da Polícia Nacional no próprio dia da manifestação.

Na maioria das províncias do País, contingentes da Polícia Nacional começaram a cercar as instalações partidárias da UNITA logo pela madrugada do sábado dia 23 de Novembro, ao mesmo tempo que montava barreiras ao longo das vias rodoviárias com acesso às capitais provinciais, proibindo o acesso de viaturas com mais de um passageiro. Nas Províncias do Bié e do Huambo, por exemplo, várias foram as pessoas que foram retiradas das viaturas onde se faziam transportar, ficando impossibilitados de continuar viagem. Nas províncias de Benguela e do Kuando Kubango, efectivos da Polícia Nacional alvejaram com armas de fogo e com canhões de água as nossas instalações partidárias, causando danos materiais e ferimentos aos membros que aí se encontravam.

 

Houve, agressões e espancamentos de pacatos cidadãos e detenção de mais de trezentos membros da UNITA em todo o País, que só foram soltos no fim do dia. Mais de cem cidadãos tiveram de procurar unidades hospitalares para tratamento devido aos efeitos de gases tóxicos utilizados pela Polícia Nacional. Em Luanda, ainda ontem continuavam com naúseas e dores de cabeça.

 

A Polícia Nacional comportou-se claramente como uma força partidária e não como uma Polícia Republicana que cumpre a Lei e só a Lei. Ao contrário deste comportamento da polícia nacional queremos deixar aqui a nossa profunda gratidão à todos os cidadãos, quer sejam da sociedade civil, quer sejam membros da UNITA, do PRS, da FNLA, do Bloco Democrático, da CASA CE e de outros partidos políticos que, apesar do aparatoso dispositivo da Polícia Nacional e de todos os mecanismos utilizados para aterrorizar a população, não se deixaram intimidar, fazendo-se presentes à manifestação pacífica que mais não visava senão exprimir, pacificamente, o seu repúdio pelas constantes e repetidas violações dos direitos e liberdades individuais consagrados na Constituição da República de Angola.

 

Queremos também realçar a disciplina e o civismo demonstrados por todos os manifestantes que, apesar do comportamento de efectivos da Polícia, resistiram à tentação de responder aos actos provocatórios a que foram submetidos durante à manifestação.

 

A partir desta plataforma, queremos render a nossa homenagem ao jovem Manuel Hilberto de Carvalho Ganga que perdeu a sua vida quando procurava exercer o seu direito de cidadania. Aos seus familiares, amigos e colegas bem assim como a CASA CE, os nossos sentimentos de profundo pesar. Não há nada nem ninguém capaz de calar para sempre a vontade de um povo.

Luanda, aos 26 de Novembro de 2013.

- Isaías Samakuva
Presidente da UNITA