Joanesburgo – As autoridades angolanas devem investigar a fundo o assassinato de um ativista da oposição por guardas presidenciais em Luanda, no dia 23 de novembro de 2013, disse hoje a Human Rights Watch. As autoridades devem também investigar as prisões arbitrárias e o alegado uso de força excessiva usada para dispersar uma manifestação organizada por um partido da oposição no mesmo dia, e os maus-tratos infligidos a um advogado defensor de direitos humanos.

Fonte: HRW

A 22 de novembro, citando razões de segurança, o Ministério do Interior proibiu uma manifestação convocada pela União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) para dia 23 de novembro, que havia sido anunciada a 15 de novembro. A manifestação foi organizada para exigir justiça para António Alves Kamulingue e Isaías Cassule, dois ativistas raptados em maio de 2012. Um relatório interno do governo, recentemente tornado público, indica que os dois homens foram torturados e executados por agentes das forças de segurança angolanas.


"O assassinato de um ativista por parte de forças governamentais, assim como as prisões em massa e a dispersão com gás lacrimogêneo de manifestantes pacíficos está apenas a aumentar o descontentamento público", disse Leslie Lefkow, diretora-adjunta de África da Human Rights Watch. "Os partidos da oposição e os ativistas têm todo o direito de protestar pacificamente contra alegados assassinatos pelas forças de segurança e de exigir justiça".


No dia da manifestação a polícia prendeu centenas de ativistas da oposição, incluindo um deputado da coligação da oposição Convergência Ampla de Salvação de Angola (CASA-CE) e outros líderes. Em alguns casos, as pessoas detidas foram agredidas. Em Luanda, a capital do país, por volta da 01h30 da madrugada, guardas presidenciais detiveram ativistas da coligação da oposição que colavam cartazes nas paredes, e mataram a tiro Manuel de Carvalho, de 28 anos de idade, um ativista da oposição conhecido como "Ganga", depois do grupo ter sido levado sob custódia.


Desde março de 2011, as autoridades angolanas têm repetidamente usado força desnecessária e excessiva, prisões arbitrárias, perseguição e intimidação de organizadores, participantes e observadores de protestos antigovernamentais.


Nos dias que antecederam a manifestação de 23 de novembro, a imprensa estatal caracterizou os recentes protestos da oposição como uma ameaça para a paz. Essa retórica está a alimentar a incerteza, a intimidação e o medo junto da população, disse a Human Rights Watch. O Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), no poder desde 1975, e os meios de comunicação controlados pelo Estado acusaram a UNITA de tentar "criar o caos" e de "preparar uma nova guerra civil".


As autoridades autorizaram uma "marcha pela estabilidade", em Luanda, organizada por um grupo denominado "Amigos do Bem e da Paz", a ter lugar dia 23 de novembro. Em outubro, o grupo organizou uma marcha em apoio ao presidente José Eduardo dos Santos.


A UNITA anunciou que a manifestação planeada para 23 de novembro iria realizar-se, apesar da proibição, e a coligação da oposição CASA-CE juntou-se aos preparativos de protesto. Os meios de comunicação angolanos informaram que, nas primeiras horas de 23 de novembro, em diversas cidades das províncias e em Luanda, a polícia invadiu e em alguns casos saqueou os escritórios da UNITA e da CASA-CE e apreendeu materiais de propaganda partidária.


A polícia afirmou a 24 de novembro que 292 militantes da oposição foram detidos em todo o país e posteriormente postos em liberdade. A polícia justificou a prisão dos ativistas da CASA-CE, a 23 de novembro, alegando que os ativistas estavam a distribuir “cartazes de propaganda subversiva de carácter ofensivo e injurioso” e em “violação do perímetro de segurança do Palácio Presidencial”. A polícia lamentou a morte de Ganga como um “infausto incidente” dizendo que isso aconteceu quando ele tentou fugir.


"Não há justificação possível para o assassinato de um homem desarmado e sob custódia", disse Lefkow. "O presidente deve proceder a uma investigação completa da sua guarda devido a este assassinato e levar à justiça todos os responsáveis, incluindo os oficiais”.


Assassinato de um Ativista

Human Rights Watch falou com dois ativistas que testemunharam o assassinato de Ganga. Ambos disseram que faziam parte de um grupo de oito ativistas que estavam a colar cartazes da CASA-CE pedindo justiça para Cassule e Kamulingue na parede do estádio desportivo "Coqueiros", numa rua lateral, perto do palácio presidencial, quando uma patrulha de guardas presidenciais os prendeu. As testemunhas disseram que os guardas presidenciais apontaram as suas armas e lhes confiscaram os telefones, ordenando-lhes que esperassem. Em seguida levaram-nos num veículo militar para uma unidade da guarda presidencial junto do palácio presidencial. Um dos ativistas disse à Human Rights Watch:


Explicamos que estávamos a colar cartazes na parede e que estávamos a fazer isso de forma pacífica. Os guardas presidenciais disseram que isto não era um lugar para colar cartazes durante a noite e que havia uma nota da polícia proibindo isso. Eles deveriam ter chamado a polícia, mas em vez disso levaram-nos para a unidade da guarda presidencial. Eles disseram: "Vocês vão ver!" Os rapazes estavam cheios de medo e pensei que íamos ser todos mortos. Quando chegamos à unidade, Ganga saltou precipitadamente para fora do carro. Eles imediatamente dispararam contra ele duas vezes. Em seguida, o carro entrou [na unidade de guarda presidencial], eles fotografaram-nos e depois entregaram-nos à polícia.


Outro dos ativistas detidos confirmou, de forma independente, as circunstâncias da morte de Ganga:

O Ganga estava com medo. Estávamos todos com medo. Eles disseram-nos: "Vocês vão ver!" Quando chegamos à unidade, um guarda entrou e o Ganga saltou da carrinha. Eles disparam imediatamente contra ele e ele caiu. Nós entrámos na unidade. Os guardas deram-nos chapadas na cara. Eles perguntaram-nos se nós tinha recebido dinheiro para fazer isto e avisaram que fazer política é arriscado e é possível ser morto.

Esforços para Bloquear Manifestantes


Na manhã do dia 23 de novembro, as autoridades fizeram deslocar um grande contingente de efetivos armados de policias regulares e de intervenção rápida, unidades a cavalo e brigadas caninas, assim como helicópteros militares e da polícia, para o local de início da manifestação, no cemitério de Santana. Mais tarde, a polícia disparou gás lacrimogêneo contra a multidão para dispersar centenas de manifestantes que gritavam "Violência Não!” ferindo alguns manifestantes e fazendo com que outros desmaiassem, e bloquearam a rua para impedir a multidão de prosseguir. Por volta do meio-dia, o líder da UNITA, Isaías Samakuva, ele próprio afetado por gás lacrimogêneo, cancelou a manifestação.


Um jornalista presente no local disse à Human Rights Watch:

O ambiente era totalmentmente hostil. Havia cães, cavalos, polícia antimotim, carros de jacto de água, policias normais e dois helicópteros... O helicóptero da polícia tinha dois homens armados fora apontando armas às pessoas. Foi um ambiente de terror, intimidação, medo e pressão direta da polícia que impediu a concentração de pessoas.

Agressões a um Advogado

A Human Rights Watch não conseguiu confirmar relatos de feridos graves e mais mortes resultantes de uso excessivo da força durante o protesto. No entanto, a Human Rights Watch confirmou que a polícia parou, maltratou e ameaçou de morte Zola Bambi, um advogado que trabalha para a organização de assistência jurídica Mãos Livres.


Bambi disse à Human Rights Watch que ele tinha ido para perto do cemitério de Santana para contatar um dos seus clientes e foi espancado pela primeira vez por quatro agentes da polícia perto do cemitério às 10h30. Ele disse que os agentes o deixaram prosseguir quando souberam que ele era advogado. Ele disse que apresentou de imediato uma queixa na esquadra da polícia, foi para casa e, em seguida, voltou ao local de manifestação cerca das 14h00 a fim de ir buscar o seu telefone, que havia deixado com um colega. Ele disse que os agentes da polícia de intervenção rápida o prenderam e o colocaram numa carrinha da polícia, onde o maltrataram e ameaçaram:


Depois de ter ido buscar o meu telefone atravessei a rua para chegar ao meu carro. Um grupo de mais de 15 agentes da Polícia de Intervenção Rápida cercou-me, detiveram-me a mim e ao meu sobrinho e mandaram-me entregar o meu telefone. Eu expliquei que era advogado e que não tinha qualquer obrigação de lhes entregar o meu telefone. Cada vez mais pessoas se juntaram a assistiram à cena.


Depois de algum tempo eles forçaram-nos a entrar na carrinha deles. Dentro da carrinha, eles deram-me pontapés e dois agentes bateram-me na cabeça com porrete e outros objetos. Havia garrafas de gás lacrimogêneo, barras de ferro e outras armas no carro. Eles disseram: "Vocês, os advogados que defendem aqueles que querem desestabilizar o país, merecem ser punidos!" O carro estava em movimento enquanto eles me batiam. O líder do grupo algemou as minhas mãos por detrás das costas, de forma muito apertada, e disse-me para manter a cabeça em baixo.


Eu não sabia se eu ia sair dali vivo. Eles ameaçaram: "A tua família vai sentir a tua falta! Estás a brincar com a tua vida". O líder do grupo, disse: “Aqui em Angola nós não falamos sobre leis, seguimos ordens”. Depois de cerca de 45 minutos, o carro parou e eles mandaram-nos embora. "Desta vez saiste, da próxima vez vais ver", disse o agente.