Os quartos são abafados, quentes e sórdidos – um colchão de espuma imundo, um pano estampado africano faz as vezes de lençol, embalagens vazias de preservativos debaixo da cama.

Durante a visita do PlusNews, as prostitutas eram jovens congolesas em busca de dinheiro rápido em Cabinda, enclave angolana rica em petróleo.

Desde 2001, quando a longa guerra civil angolana terminou, muitas pessoas dos vizinhos instáveis e pobres – a República Democrática do Congo (RDC) e o Congo-Brazzaville – cruzam as fronteiras porosas para Cabinda, diz Evaristo Lucas Kanica, coordenador de um projeto de prevenção da SIDA da Cruz Vermelha na cidade até o ano passado.

Dinheiro e homens é o que não falta em Cabinda – trabalhadores da indústria petrolífera, camionistas, comerciantes e cerca de 60 mil soldados e policiais baseados no enclave, que abriga um movimento rebelde pela autonomia.

Com uma população de 350 mil, a seroprevalência em Cabinda é de pouco menos de três por cento, mas a segunda maior do país.

Cervejas e pedicures

São duas da tarde. O sol bate sobre um depósito de lixo enorme e fétido nos arredores de Belinda, mas o bar está escuro e fresco.

Com os olhos vermelhos, sonolentas, em diversos graus de bebedeira e consumo de maconha, as prostitutas conversam com o PlusNews.

Elas falam em Lingala e Kikongo, línguas faladas nos Congos, um pouco de francês se tiverem ido à escola em seus países, e palavras em português aprendidas no trabalho.

“As prostitutas angolanas fingem que não trabalham nos bordéis; elas enviam as raparigas congolesas para conversar conosco. Elas são mais abertas e falam sem problemas. Elas sabem pouco sobre SIDA e preservativos, mas têm vontade de aprender”, diz Kanika.

O movimento é fraco no começo da tarde. As mulheres jogam cartas, bebem cerveja Primus, fazem penteados, manicures e pedicures no pátio.

O Belita, batizado com o nome de sua falecida proprietária, uma antiga prostituta que enriqueceu e casou, é básico – pintura turquesa descascada nas paredes, chão sujo, cheiro de cerveja velha e suor – mas vibrante.

Stephanie*, 28 anos, explica que paga 200 kwanzas (US$ 1.3) por dia para usar um quarto e tem de 10 a 15 clientes por dia, a mil kwanzas (US$ 13) cada. Em um dia bom, ela ganha até US$ 180. Seu objectivo é economizar e abrir um comércio. Ela não faz sexo sem preservativo.

A prostituta mais popular, segundo Manel*, gerente do Belita, é Yvette*, 19 anos, chegada há três meses. Ela pode cobrar cinco vezes mais que as colegas, e consegue enviar, diz, até US$ 100 por mês a família na RDC.

Em lugares frequentados por homens de negócios e da indústria petroleira, uma profissional de sexo pode cobrar US$ 80 por cliente. Em outros lugares, diz Kanika, o sexo sem preservativo custa mil kwanzas (US$ 13); sem preservativo, 2 mil (US$ 26).

“Os homens vêm de dia e de noite, em todas as horas, entram e saem”, diz Kanika. “Soldados ficam baseados por dois meses; eles saem de férias para aproveitar a vida, eles vão aos bares e apenas saem de lá quando acaba o dinheiro.”

Em três meses, uma rapariga pode economizar até US$ 500 – uma quantia enorme nos seus países. Elas são recrutadas informalmente através de amigas. A maioria é autônoma, mas geralmente arruma um namorado angolano para ajudá-las a gastar dinheiro.

A polícia também as faz gastar dinheiro, assediando-as por causa de vistos vencidos. Durante a visita do PlusNews, a chegada de uma mulher foi calorosamente comemorada. Ela havia sido presa na véspera numa batida, pagou uma propina de 5 mil kwanzas (US$ 66) e voltou ao trabalho.

...Soldados saem de férias para aproveitar a vida, eles vão aos bares e apenas saem de lá quando acaba o dinheiro... 
Nova pesquisa

Um estudo feito em 2001 entre 750 profissionais em Luanda revelou uma seroprevalência nesse grupo de 33 por cento, contra uma média nacional de menos de três por cento.

Uma nova pesquisa de seroprevalência, conhecimento sobre infecções e o grau de utilização de camisinhas entre trabalhadoras do sexo nas províncias de Luanda e Cabinda em 2005 será divulgado este ano pelo Instituto Nacional de Luta contra a SIDA (INLS).

O novo estudo ouviu 998 profissionais em Luanda e 367 em Cabinda. As que autorizavam eram testadas para HIV, sífilis e hepatite, explicou Marques Gomes, chefe do Departamento de Vigilância Epidemiológica do INLS.

Vender sexo em Luanda

A 480 km de Cabinda, na capital, Luanda, no prostíbulo do bairro periférico de Kilamba Kiaxi, o expediente começa cedo de manhã, às oito horas. As mulheres que trabalham ali em geral vêm de bairros distantes, para evitar ser reconhecidas.

Quando chega um cliente, paga-se no caixa e retira-se uma ficha que dá direito a um quarto com uma cama de casal e uma bacia de água. O programa custa 1000 kwanzas (US$ 13,5) sem preservativo, e 500 kwanzas (US$ 6,7) com preservativo. Metade do valor é para o prostíbulo, e a outra metade para a mulher.

O prostíbulo fecha às 17 horas. As mulheres casadas, que dizem ao marido que trabalham no mercado, vão para casa. Outras continuam o trabalho em pensões, bares e discotecas.

Uma vez por semana, a rotina é quebrada com a visita de activistas da organização não-governamental SCAM, para falar sobre saúde sexual com as profissionais e seus clientes.

A conversa não pode demorar mais do que meia hora porque as mulheres precisam trabalhar. A visita é esperada porque os visitantes levam camisinhas – 50 por semana para cada profissional, que atende, em média, sete clientes por dia.

“Quando não levamos, elas cobram”, conta António Maquiadi, activista na SCAM.

Mas para Luinda Isabel, conselheira no centro de testagem de HIV no Sanatório de Luanda, que fica nas proximidades, a resistência das vendedoras de sexo ao teste ainda é muito grande. Segundo Isabel, as trabalhadoras têm medo do resultado positivo, de ser discriminadas e perder clientes.

A conselheira conta que já houve casos de mulheres a tentarem comprar um resultado negativo por US$ 300.

Armas e camisinhas

De volta ao Belita, Manel diz que apóia o programa da Cruz Vermelha: “Aqui, armas são proibidas e camisinhas obrigatórias”.

Manel senta perto da porta que leva do bar aos quartos, a dar camisinhas da Cruz Vermelha, e a receber dinheiro.

O sol ainda está alto lá fora, mas os clientes em uniforme já começam a chegar.

Três mulheres vão para a pista de dança. Outras vão buscar baldes de água para suas toilettes. Stephanie está a fazer uma pedicure no quintal. Nana traz seu filho de 10 anos para tirar uma foto.

Estoura uma briga por causa de uma dívida: trocam-se tapas, gritos e palavrões. As mulheres que estão assando frango e peixe no ingresso do Belita observam sem interesse.

Um soldado com roupa camuflada paga Manel e vai para um quarto com Yvette. Dez minutos depois ele sai, fechando o zíper da calça. Uma hora e várias cervejas depois, ele escolhe outra mulher, paga Manel e desaparece dentro de um dos quartos.

Uma tarde como qualquer outra no Belita.

Fonte: Plusnews