C/c: Exma. Sra. Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos – GENEBRA
Exma. Sra. Presidente da Comissão Africana dos Direitos do Homem e dos Povos – BANJUL

À Exma. Sra.
Presidente do Brasil
Att: Dilma Roussef

CARTA ABERTA: UTILIZAÇÃO EM ANGOLA DE BOMBAS DE GÁS LACRIMOGÉNEO DO BRASIL COM EFEITO REDOBRADO DE GÁS LACRIMOGÉNEO PERMITIDO?

Os nossos melhores cumprimentos.

A associação OMUNGA é uma entidade não governamental angolana, apartidária, laica, sem fins lucrativos, que promove e protege os Direitos Humanos. Tem o estatuto de Observador da Comissão Africana dos Direitos do Homem e dos Povos e faz parte de várias redes nacionais e internacionais de Direitos Humanos.


É com imensa preocupação que acompanhou pela internet o facto do Brasil ter vendido a Angola “bombas com efeito redobrado de gás lacrimogéneo para serem utilizadas em repressão contra manifestações.”


Tal notícia veio a público através do facto do Ministério Público Federal (do Brasil) ter aberto uma investigação para averiguar a veracidade da Polícia Militar do Rio de Janeiro[1] ter utilizado tais engenhos contra manifestantes naquela cidade[2].


De acordo às informações, tais engenhos são proíbidos por lei no Brasil. “A informação é que a polícia teria usado bombas com o dobro de gás permitido em território nacional.

Em vez de 10%, o artefato destinado à África teria 20% de gás lacrimogêneo. Essa quantidade é permitida em Angola, mas aqui não", disse o procurador responsável pelo caso, Alexandre Chaves.”

Ao mesmo tempo, circulam rumores de que tais engenhos (ou o produto que os compõe) tenham sido utilizados de forma criminosa e silenciosa pelo Estado de Angola, como testagem[3], contra jovens inocentes em estabelecimentos escolares por várias regiões de Angola. Esta situação relaciona-se com os nunca investigados e nunca esclarecidos “famosos desmaios”[4].


A confirmar-se tal facto, dever-se-á concluir que estamos perante um grave e hediondo crime de guerra, onde milhares de cidadãos foram expostos a experiências militares com armas químicas sem seu livre consentimento e sem sequer se ter tomado posteriores medidas de esclarecimento, de acompanhamento médico, podendo ser comparado a crime de guerra.


Ao confirmar-se tal facto, envolve assim o Brasil como cúmplice de tal crime e responsabiliza-o pelas consequências, podendo vir a ser chamado internacionalmente a responder por tal acto.


Circula ainda informações de que tal armamento possa estar a ser utilizado contra cidadãos em manifestações de contestação e mesmo actos funebres, conforme referencia o Club K de 24 de Novembro, com o título “Governo angolano usou gás lacrimogéneo proibido internacionalmente contra população”[5].


Pelo exposto, somos a exigir esclarecimentos públicos da Sra. Presidente no que se refere à confirmação da informação sobre o facto do Estado do Brasil ter vendido tal armamento a Angola:


1 – Qual a ética que envolve tal venda, considerando que a utilização de tal armamento é proibida por lei no Brasil, a um país que em vossos discursos se coloca como “historicamente irmão”, “estratégicamente importante”?

2 – Disponibilizar publicamente toda a informação no que se refere à letacidade de tal armamento como composição e efeitos comprovados;

3 – Disponibilizar toda a informação sobre quantidades e compromissos negociais de entrega, uso e manutenção de tal armamento em território angolano;


A confirmar-se o aqui exposto, somos obrigados a exigir à Sra. Presidente o cancelamento imediato de tal acordo e negociação e. a restituição imediata ao Brasil, de todo e qualquer armamento com esta descrição que possa já ter sido entregue a Angola.


Ao mesmo tempo, e não menos importante, a confirmar-se o aqui exposto, exigimos da Sra. Presidente os obrigatórios pedidos de desculpa a toda esta população que construiu o Brasil e que a vossa política, a do Brasil, tem tão cinicamente continuado a espezinhar nos adornados discursos que festejam os ganhos de milhões pelas empresas privadas ou públicas sem que resulte em real estreitamento de laços entre povos, ou melhor, entre nós, de cá e de lá, o povo!


Ao mesmo tempo solicita a intervenção da Exma. Sra. Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos e da Exma. Sra. Presidente da Comissão Africana dos Direitos do Homem e dos Povos para que acompanhem o aqui exposto e tomem todas as medidas necessárias e ao seu alcance em prol da protecção dos princípios internacionais de protecção da Vida e da Dignidade Humana.


Apenas lembramos que a presidência da República de Angola criou uma comissão multisectorial, a 4 de Agosto de 2011. “O ministro do Interior dirige a comissão hoje criada por José Eduardo dos Santos, e será composta também pelos ministros da Educação, Saúde, Ambiente, da Assistência e Reinserção Social e Comunicação Social. Na terça-feira, a Polícia Nacional de Angola chamou os jornalistas para uma conferência de imprensa e reconheceu não terem sido ainda determinadas as origens de substâncias tóxicas que estarão na origem dos desmaios.


O segundo comandante da Polícia Nacional de Angola, comissário-chefe Paulo de Almeida, considerou o caso um "fenómeno estranho", que está a preocupar a polícia devido ao seu efeito multiplicador”[6]. Infelizmente, passados mais de 2 anos, esta designada comissão multissetorial nunca trouxe a público qualquer informação sobre o andamento do referido processo investigativo. Pior, a presidência da república de Angola, nunca se dirigiu aos cidadãos para acalentar, solidarizar-se, esclarecer, sendo esta sua obrigação explícita na própria constituição.


Por último, a OMUNGA declina-se perante as milhares de pessoas que de forma directa foram alvo do uso de tal armamento, em Angola e no Brasil e exige que haja um acompanhamento directo a todas as vítimas a nível de saúde física e psicológica.


Sem outro assunto, aceitem as nossas estimáveis saudações, deixando a nossa disponibilidade de toda e qualquer colaboração que considerarem necessária e importante.

José António M. Patrocínio

Coordenador