Lisboa - O ditador José Eduardo dos Santos, na mensagem de fim de ano de 2013, que endereçou ontem à nação angolana, revelou à plena luz o cinismo com que se conduz pessoalmente e aos assuntos da sociedade e do Estado de Angola.

Fonte:Luiz Araujo

Angolanos foram assassinados por agentes que agiram em defesa do seu regime. No caso de Cassule e Kamulingue agentes de nível hierárquico inferior da polícia e da segurança (sem capacidade de decisão sobre a vida de ninguém) foram apontados como seus executores e estão detidos. Entre esses agentes e as suas vítimas não havia qualquer relação pessoal que os pude-se ter levado a mata-los. Foi em defesa da ditadura de José Eduardo dos Santos que esses agentes assassinaram friamente esses dois compatriotas depois de os terem raptado. Quem ordenou e ou autorizou a sua captura e eliminação física? Não sabemos, queremos saber.


Durante cerca de dois anos, os serviços de inteligência e da investigação criminal ocultaram esse crime à sociedade angolana e ao mundo. Só podem ter ocultado, ninguém acredita que tanto o destino dado aos dois como a identidade os seus executores não fosse conhecido há muito por esses serviços de polícia e informação. Trata-se de serviços que têm como reputação uma grande capacidade para deslindar esse tipo de casos e, além disso, trata-se especialmente dum crime cometido pelos seus agentes. Agentes que esses serviços sabiam terem sido os operativos que agiram para barrar uma manifestação de protesto visando a exigência de direitos de ex militares da Unidade da Guarda Presidencial, aliás exactamente como sistematicamente têm sido barradas todas as manifestações de protesto contra a ditadura de José Eduardo dos Santos. Quem ao mais alto nível sustentou a ocultação desse crime?


Mais recentemente, antes da manifestação de protesto contra esse crime, foi assassinado o jovem Ganga por militares da Unidade da Guarda Presidencial depois de o deterem com outros companheiros quando colavam cartazes (um acto pacífico) relacionados com o assassinato de Cassule e Kamulingue. Não se conhecem os nomes do e ou dos autores dos disparos que mataram o Ganga. Não se sabe se estão detidos nem de qualquer outro destino que, eventualmente, lhes tenha sido dado. Considero que a ocultação dos nomes dos autores desses disparos mortais, além da barrar o passo à justiça, coloca as suas vidas em risco. A possibilidade de também serem apagados é muito elevada porque, eventualmente, o seu testemunho em tribunal poderá trazer revelações incómodas à ditadura.


Antes desses crimes contra a vida muitos outros angolanos incómodos à ditadura foram assassinados. Quem matou e quem mandou matar Ricardo de Melo, Mfulupinga Lando Victor e outros tantos compatriotas angolanos? Não sabem? Certamente que sabem e não querem que se saiba e sejam entregues à justiça como a lei determina?


Eu próprio (autor deste texto) fui alvo duma tentativa de homicídio após ter denunciado em Angola e ao mundo os desalojamentos forçados do povo que vivia nos bairros Iraque e Bagdad no Município do Kilamba Kiaxi. O caso foi comunicado à polícia e nunca foi resolvido. É assim que o caso ficou mesmo se foram fornecidos números de telefone móvel e fixo usados por quem estava a preparar o meu assassinato, além de outros dados fornecidos à polícia que facilitam a identificação e captura desse criminoso que continua à solta.


A eliminação física de opositores internos e externos ao MPLA é uma marca da prática da sua ditadura desde a época da luta anti colonial. Prática que foi continuada ao longo dos tempos até aos dias que correm como nos demonstram esses casos mais recentes. Nunca nos foi explicada/descrita a forma como foi assassinado Matias Migueis pelos seus camaradas nos anos 60, como nunca foram formalmente acusados e responsabilizados os assassinos da DISA que massacraram milhares de angolanos após o 27 de Maio de 1977, um crime contra a humanidade que, como sabemos, nunca precreve.


Com esse registo histórico da prática criminosa dos agentes do seu partido (MPLA) vem agora o ditador José Eduardo dos Santos numa mensagem de fim de ano de 2013 divertir a sociedade com "lágrimas de crocodilo" dizer que (cito-o):


"O ano de 2013 foi marcado por grandes acontecimentos. Alguns deles, infelizmente, de natureza dramática que causaram enormes prejuízos e retiraram do nosso convívio cidadãos que muito ainda tinham para dar à Nação.


Que as suas almas descansem em paz e que os seus bons exemplos sejam seguidos pelas novas gerações." Fim de citação.


Ora, de entre as percas do país em vidas humanas, tendo em consideração as vitimas dos agentes da defesa da sua ditadura, como aquelas que o ditador cinicamente também "lamenta" dessa forma demagógica no seu discurso, só posso concluir que esse homem, o ditador José Eduardo dos Santos, se revela cada vez mais como um tirano sem quaisquer escrúpulos.


Pasme-se, chegou ao extremo de, como é óbvio, recomendar também que as novas gerações sigam o exemplo das vitimas dos agentes de defesa do seu regime quando o exemplo delas é o da luta contra a sua ditadura.


Esse será certamente o exemplo que (sem necessidade da recomendação do ditador) algum dia milhões de todas as gerações vão reproduzir até o retirarem do poder, custe o que custar. E agora até por recomendação do próprio ditador. É um espanto essa manobra cínica de diversão.


É como na história do ladrão que em fuga, correndo em frente da turba que o persegue, para não ser agarrado por aqueles por quem vai passando, também grita: "agarra o ladrão".