O escândalo revelou pagamentos suspeitos a consultores na Líbia no início desta década feitos por uma empresa actualmente controlada pela StatoilHydro, bem como pagamentos semelhantes feitos pela espanhola Repsol YPF e pela francesa Total. Foi também revelado que em Angola a StatoilHydro tem parceria com uma empresa petrolífera local apesar de suspeitas que os seus accionistas incógnitos possam incluir oficiais do governo, num país considerado como um dos mais corruptos do mundo.

Obscuridade e secretismo têm servido de cobertura para a profunda corrupção que traz pobreza, má governação e sofrimento humano a muitos países produtores de petróleo, pelo que a StatoilHydro deu um exemplo bem vindo de abertura na forma como tem lidado com este escândalo, exemplo que não tem sido seguido para já pela Repsol ou pela Total.

Mas o escândalo demonstra que não se pode necessariamente confiar em que as empresas petrolíferas sejam claras acerca da forma como ganham acesso às reservas petrolíferas, mesmo onde existam sérios riscos de corrupção. De forma a evitar uma corrida destrutiva às restantes reservas de petróleo e minérios no mundo, é necessária regulamentação mais rígida de forma a revelar pagamentos e acordos secretos.

Parceiro secretivo da StatoilHydro em Angola

Angola é considerada como um dos países mais corruptos do mundo: o Índice de Percepção de Corrupção de 2008 da Transparency International coloca-o em 158º lugar num total de 180 países.  Há mais de uma década que a Global Witness tem vindo a publicar relatórios que documentam o saque a grosso de receitas estatais em Angola e a opacidade contínua do seu sector petrolífero.


O governo angolano ganhou muitos biliões de dólares provenientes do petróleo desde o final da guerra civil há 6 anos atrás, no entanto a maior parte da sua população continua a padecer de uma pobreza desesperada. A população Angolana tem uma esperança de vida de apenas 40 anos de idade, uma das mais baixas do mundo.  O acesso a água potável e condições sanitárias é das piores em África.  Tal como a mortalidade infantil: uma em cada quatro crianças nascidas em Angola espera-se que morra antes dos cinco anos de idade de malária, diarreia ou de outras doenças preveníveis.


Em Julho de 2005 a Norsk Hydro foi seleccionada com 20% de participação numa licença petrolífera em Angola, o bloco 4/05. O operador do bloco, com 50% de participação, é a Sonangol P&P, uma das unidades da empresa petrolífera estatal Angolana. Os restantes 30% foram divididos em partes iguais entre duas empresas privadas Angolanas, a Somoil e a Angola Consultancy Resources (ACR).  O envolvimento destas duas empresas “não foi benvindo pela Hydro”, segundo o relatório da Norsk Hydro.  A Global Witness questionou a StatoilHydro acerca do porquê deste caso mas a empresa não fez quaisquer comentários.

Uma destas duas empresas privadas Angolanas foi descrita no relatório da StatoilHydro como uma “sociedade anónima”, um tipo de empresa que a lei Angolana não obriga a revelação dos seus accionistas. A Norsk Hydro solicitou a identificação dos seus proprietários junto desta empresa mas viu o seu pedido recusado.  O nome da empresa não se encontra identificado em nenhum dos relatórios e a StatoilHydro também não a identificou em esclarecimentos prestados à Global Witness tendo no entanto confirmado que o bloco petrolífero em questão é o bloco 4/05. Isto torna claro que a empresa em questão é a Somoil.

A Somoil, cuja designação completa é ‘Sociedade Petrolífera Angolana’, encontra-se registada em Angola como uma “Sociedade Anónima de Responsabilidade Limitada (S.A.R.L.). Esta deverá ser a “sociedade anónima” referida no relatório da StatoilHydro uma vez que a outra empresa privada envolvida no bloco, a Angola Consulting Resources, não é uma S.A.R.L. e revela quais são os seus accionistas.

A Norsk Hydro encontrava-se “preocupada em manter parceria com uma empresa cujos accionistas são desconhecidos” pelo que avançou com “medidas de mitigação” que incluíram uma investigação de diligência apropriada sobre a empresa e aconselhamento junto de advogados em Angola, Noruega e Estados Unidos. A Norsk Hydro decidiram então, com base nestas “medidas de mitigação”, assinar o contrato.

Riscos de Corrupção

A Norsk Hydro também “tentou incorporar certas cláusulas de protecção no Acordo de Operações Conjuntas (Joint Operating Agreement)”, de acordo com o relatório da StatoilHydro. Estas cláusulas incluíram “uma garantia em que as partes não iriam fazer pagamentos corruptos e um requisito em que nenhum oficial do estado com participações em alguma das empresas parceiras iria participar em decisões governamentais que afectassem “ao negócio da associação de empresas (de acordo com o já previsto na lei Angolana)”. A empresa também implementou um plano de supervisão minucioso sobre a parceria e suas actividades de adjudicação. 

A implicação é clara: a Norsk Hydro não tinha conhecimento de quem detinha a Somoil e suspeitou que os seus accionistas pudessem incluir oficiais do governo angolano que poderiam abusar das suas posições no estado para conceder beneficios a esta empresa privada e seus parceiros. A empresa Norueguesa também receou que um ou outro dos seus parceiros pudesse fazer “pagamentos corruptos”.

Não existe outra explicação aceitável para que, havendo tomado as devidas diligências perante a Somoil, a Norsk Hydro tenha decidido que estas “claúsulas de protecção” seriam necessárias. Mas não é claro se estas medidas de mitigação tenham sido efectivamente adoptadas uma vez que o relatório menciona a palavra “tentou”.

A Global Witness questionou a StatoilHydro, empresa que agora controla a participação da Norsk Hydro no licenciamento, no sentido de confirmar se existem ou não tais cláusulas nos seus acordos com os parceiros no bloco 4/05. Ao que a StatoilHydro respondeu que “devido a cláusulas de confidencialidade nos nossos acordos, não nos encontramos em posição para responder a essas questões’.  Por outras palavras, a StatoilHydro não irá dizer se estas cláusulas de salvaguarda foram de facto incluídas nalgum dos acordos relacionados com o bloco.

Mesmo que estas cláusulas tenham vindo a ser incluídas em tais acordos, não é claro como a empresa Norueguesa poderá saber ou não se tais cláusulas se encontram em vigor, já que não tem conhecimento acerca de quem são os proprietários da Somoil. A Global Witness colocou esta questão a um executivo da StatoilHydro o qual respondeu que “quando (o acordo de operações conjuntas) o diz muito claramente, esperamos que todos os nossos parceiros o respeitem”.

Em suma, a StatoilHydro não irá revelar se os seus acordos com os seus parceiros Angolanos no bloco incluem ou não cláusulas que prevejam quaisquer pagamentos corruptos ou conflitos de interesse da parte de membros do governo. Mesmo que tais cláusulas de facto existam, não é claro se estas se apoiem em algo mais consistente que uma esperança não verificável da parte da empresa Norueguesa em que os seus parceiros as respeitem.

O investimento da StatoilHydro no bloco 4/05 não é de uma parceria passiva. Apesar de não ser propriamente o operador do bloco, a empresa Norueguesa “encontra-se altamente envolvida através de pessoal que tem destacado para a organização do projecto na Sonangol P&P”, segundo o seu próprio website.  O custo de desenvolvimento do bloco, e de qualquer produção petrolífera realizada a partir deste, será dividida entre os parceiros de acordo com as suas participações.

Portanto, a Statoil encontra-se a apoiar activamente o desenvolvimento do bloco e os seus parceiros incluem uma empresa privada da qual a Norsk Hydro suspeitou incluir membros do governo angolano entre os seus sócios desconhecidos. No caso de se encontrar petróleo então esta mesma empresa irá receber 15% dos benefícios, o que poderá ser altamente lucrativo para esta.

A 15 de Outubro de 2008 foi publicado na Africa Energy Intelligence, boletim sobre o sector extractivo, um artigo intitulado “Angola: a StatoilHydro é Surda e Cega”. Neste artigo dizia-se que:

“A questão de quem está por detrás da Somoil é bastante mais estranha. Não que estes sejam desconhecidos, como a StatoilHydro alega, de acordo com [o relatório encomendado pela Norsk Hydro]. A Somoil é simplesmente controlada por interesses muito próximos do governo Angolano e, em particular, tal como a Africa Energy Intelligence tem vindo a mencionar em diversas ocasiões... do Ministro dos Petróleos Desidério da Costa e do Presidente da Sonangol, Manuel Vicente.”

A Global Witness solicitou que a StatoilHydro comentasse este artigo ao que a empresa respondeu: “Não temos mais comentários relacionados com isto para além dos que constam do relatório de investigação.”

Alegações semelhantes acerca da propriedade da Somoil têm vindo a ser publicados num outro boletim, a African Energy, e numa série de artigos publicados pelo menos desde há dois anos no jornal Angolano Semanário Angolense.

A Fundação Eduardo dos Santos

O relatório da StatoilHydro também relata que a Norsk Hydro fez pagamentos anuais à Fundação Eduardo dos Santos (FESA) desde o ano 2000. Esta é uma organização de caridade fundada em 1996 pelo Presidente Angolano Eduardo dos Santos, do qual recebeu o seu nome.  O relatório da Norsk Hydro menciona que estes pagamentos foram de 100.000 dólares por ano e que terminaram em 2003/2004.

A StatoilHydro confirmou à GlobalWitness que a Norsk Hydro era membro da FESA mas que esta relação terminou em 2003, tendo então decidido optar por apoiar outros projectos sociais, como abastecimento de água e escolas, junto com uma organização religiosa Norueguesa em Angola. A empresa diz que a StatoilHydro não contribui para a FESA.

Contudo a StatoiHydro não comentou como e porquê a Norsk Hydro fez estes pagamentos à FESA e por que razão estes pararam em 2003. Redireccionou a Global Witness ao relatório original encomendado pela própria Norsk Hydro, o qual não aborda estas questões.

O relatório da Norsk Hydro diz: “não identificámos provas de que os pagamentos da Hydro à FESA tenham sido feitos como pagamentos impróprios a um membro do governo”.  A Global Witness questionou a StatoilHydro acerca de que em que evidências esta declaração se baseava e se os investigadores que elaboraram o relatório da Norsk Hydro tiveram acesso às contas da própria FESA. A empresa não respondeu a esta questão.

A Global Witness colocou um total de quarenta questões à StatoilHydro relativas ao investimento no Bloco 4/05 em Angola e às contribuições da Norsk Hydro à FESA. A StatoilHydro não respondeu à maior parte destas baseando-se em que as provas mais relevantes para o seu próprio relatório, e para o relatório encomendado pela Norsk Hydro, foram submetidas às autoridades (Norueguesas) e que eram consequentemente “informação legal” que não podia ser revelada.

Três das questões estavam relacionadas com os acordos contratuais da StatoilHydro para o bloco 4/05, e não com os próprios relatórios. A empresa recusou responder a estas questões “devido a cláusulas de confidencialidade nos nossos acordos.”

Conclusão

As autoridades Norueguesas agora necessitam investigar a fundo a informação que lhes foi fornecida pela StatoilHydro. As autoridades Francesas e Espanholas deverão investigar os papéis da Repsol YPF e da Total no âmbito destes assuntos na Líbia. 

A StatoilHydro merece crédito pela sua abertura ao publicar a avaliação sobre as operações da Norsk Hydro. Os relatórios publicados pela StatoilHydro e pela Norsk Hydro revelam debates internos dentro da Norsk Hydro acerca da legitimidade de pagamentos a consultores na Líbia. Em alguns casos a empresa recusou-se claramente a fazer tais pagamentos devido a receios de corrupção.

Mas os relatórios tornam claro que a Norsk Hydro não alertou a Statoil quanto a pagamentos duvidosos feitos na Líbia aquando as negociações de fusão. A própria StatoilHydro falhou em explicar os seus negócios com uma empresa petrolífera em Angola cujos proprietários desconhece, num país que tem uma imagem de extremamente corrupto no qual o seu povo tem pouco beneficiado da riqueza proveniente do seu petróleo.

Quanto à Repsol YPF e à Total, estas terão de se explicar a fundo em relação aos seus negócios com consultores na Líbia. A Total parece ter feito um pagamento a um consultor mesmo sendo que, de acordo com o mencionado atrás, a Norsk Hydro se encontrava preocupada quanto ao pagamento não ser um “custo legítimo”. Ainda mais preocupante é que a Repsol YPF tenha aparentemente avançado com tal pagamento, mesmo não obstante a recusa explícita da Norsk Hydro quanto a contribuir para tal devido a preocupações relacionadas com corrupção.

Mesmo quando estas questões específicas e preocupantes estejam resolvidas, ainda resta uma questão maior. Os relatórios da Statoil e da NorskHydro demonstram que as empresas petrolíferas não podem ser necessariamente consideradas como confiáveis no policiamento dos seus negócios quando se encontrem longe da vista do público em países onde a corrupção é um risco.

Porque acções voluntárias de revelação de informações por parte de empresas extractivas não são suficientes

Acções voluntárias no sentido de maior abertura da parte de empresas petrolíferas deverão ser bem vindas. Tal como muitos outros grupos da sociedade civil que trabalham contra a corrupção, a Global Witness apoia a Iniciativa de Transparência das Indústrias Extractivas (EITI). Esta é uma iniciativa voluntária global que ambiciona assegurar que os pagamentos realizados por empresas petrolíferas e mineiras aos governos dos países produtores desses recursos sejam completamente reveladas ao público de forma a que os cidadãos possam assegurar que o dinheiro é gerido e aplicado para o bem público. A StatoilHydro, a Repsol YPF e a Total aderiram à EITI.

Mas a adesão à EITI é voluntária e nem Angola nem a Líbia fazem parte desta, nem muitos dos maiores países produtores de petróleo a nível mundial. A EITI não exige que as empresas petrolíferas revelem os seus pagamentos a países que não façam parte desta iniciativa. A StatoilHydro é única de entre as maiores empresas petrolíferas a optar por fazê-lo.

Devido a estas limitações, a EITI por si só não pode carregar o fardo de assegurar aos cidadãos de países produtores de petróleo que tenham a informação que necessitam para vigiar as suas indústrias petrolíferas e assegurar que os benefícios da riqueza petrolífera sejam aplicados para o bem comum. Daí que os princípios da EITI necessitem ser apoiados por uma legislação eficiente e posta em práctica.

O Acto de Transparência das Indústrias Extractivas, que se encontrava a passar pelo Congresso Norte-Americano em Novembro de 2008, seria um exemplo de tal legislação. A proposta de lei, se passada para Lei, obrigará a que as empresas petrolíferas e mineiras reguladas pelos Estados Unidos revelem os seus pagamentos a países onde operem, numa base de país a país.

Esta lei aplicar-se-ia a 27 das 30 maiores empresas petrolíferas no mundo, incluindo as maiores empresas Europeias e Asiáticas bem como as Americanas, o que seria um grande passo em frente para a uma maior transparência da indústria petrolífera. Assegurando a completa divulgação dos pagamentos legítimos feitos pelas empresas aos países para acesso às reservas petrolíferas, a lei também removeria o véu de opacidade através do qual a corrupção se pode esconder.

Apesar da crise económica global ter levado a quedas vertiginosas nos preços elevados das matérias-primas, a tendência a longo prazo parece levar a uma competição cada vez mais renhida entre empresas para acesso a petróleo e minérios, uma competição que irá ser frequentemente ter lugar em países autocráticos e instáveis por todo o mundo.

Sem uma maior abertura, e uma participação muito maior da parte dos cidadãos de tais países relativamente à forma com a sua própria riqueza proveniente do petróleo e minérios é gerida, o risco é uma luta feia por recursos naturais que alimenta a corrupção, insegurança no fornecimento e uma miséria humana evitável.


Global Witness, 3 de Dezembro de 2008
Fonte: Club-k.net