Luanda - Acho que todos os países/cidades ganharam o direito a possuir dentro dos seus limites geográficos, o seu próprio absurdistão, que acaba por ser sempre uma conquista do (mau) relacionamento entre os vários protagonistas do nosso quotidiano nas suas diferentes facetas.

Fonte: Morrodamaianga

No meu conceito, aplicado ao único país que conheço suficientemente bem para poder falar dele sem ter de pedir autorização a ninguém e que se chama Angola, o absurdistão está sobretudo nos últimos tempos a ser construído com base na coabitação entre os detentores do poder público na sua vertente mais autoritária e os cidadãos.

Falo particularmente aqueles que não são reconhecidos como tal pelos primeiros, por entenderem que eles são os elos mais fracos da corrente.

É olhando para esta coabitação que todos os dias vamos tendo notícias do nosso absurdistão, quando não somos nós próprios testemunhas presenciais de algumas das suas manifestações mais estonteantes.

Foi o que nos aconteceu esta semana diante de mais um ataque dos “fiscais” que andam com o reboque à caça de viaturas acusadas por eles de estarem a cometer as chamadas “transgressões administrativas”.

Numa rua demasiado estreita, a viatura que foi atacada estava com os pneus em cima do passeio, que era a única forma de estacionar para não bloquear a circulação, já que do outro lado da mesma artéria onde é proibido o estacionamento, estavam vários carros parqueados violando abertamente o sinal de trânsito.

É aqui que começa esta manifestação mais recente do nosso absurdistão por nós testemunhada, tendo como pano de fundo a balcanização da própria autoridade pública reguladora e fiscalizadora do trânsito.

Quando a autoridade pública se balcaniza e cada um cria a sua própria “tropa” para os devidos efeitos, que é o que está a acontecer em Luanda, o absurdistão pode ficar ainda pior, pode vir a chamar-se outra coisa para separarmos o trigo do joio e começarmos a ter saudades do primeiro.

Os tais “fiscais”, sendo afectos à administração local não querem saber do respeito pelos sinais de trânsito, pois estão apenas preocupados com os passeios e os carros que os usam para os devidos efeitos, quando não sabem mais o que fazer no desespero de encontrar um buraco qualquer onde se enfiarem.

Para eles, os que têm no reboque o seu ganha-pão no âmbito do cabritismo que acaba por ser um dos pilares do próprio absurdistão local, os carros e os motoristas podem fazer tudo o que lhes apetecer que não é da sua conta, desde que não toquem nos seus queridos passeios. Aí começa a maka.

Alertada para o ataque que já estava em curso, a proprietária da viatura ainda chegou a tempo de evitar o pior, isto é, que o seu carro fosse rebocado para parte incerta e nas piores condições.

Como se sabe este tipo de movimentação das viaturas tem afectado e de que maneira a sua integridade física, sem que ninguém depois se responsabilize pelos danos provocados. Ninguém quer saber de nada na hora da responsabilização que é a hora de sacudir o capote, tirar o cavalinho da chuva e desligar o telefone. O absurdistão prossegue dentro de momentos…

A jovem evitou o violento reboque, mas ficou sem os documentos da viatura (livrete/título) como garantia do pagamento da multa de 500 dólares que lhe foi aplicada, em mais uma violação do Estado de Direito, pois ninguém pode ficar sem tais comprovativos.

A pessoa foi penalizada em 500 dólares por ter estacionado no lugar próprio mas com a preocupação de não bloquear a circulação daquela artéria, por isso teve de usar um bocado do passeio.

Do outro lado da rua as várias viaturas que estavam no lugar errado lá permaneceram na maior das calmas a espera de um outro reboque qualquer que não era aquele.

Neste capítulo o absurdistão angolano ainda é verdadeiramente medieval, pois pelo que sabemos nos outros países onde os absurdistões já estão mais evoluídos, as multas são passadas com base nas matrículas e enviadas pelo correio aos transgressores que depois, caso não paguem, são processados judicialmente.

O caso dos “reboqueiros” que actuam na cidade de Luanda é apenas uma das muitas manifestações do nosso absurdistão que todos os dias soma pontos e melhora a sua classificação no ranking dos países onde viver é um desafio permanente de imaginação para contornar dificuldades, choques e outras situações, que resultam sobretudo da actuação equivocada (?!) dos representantes do poder público.

Com isto não quero dizer que os cidadãos em termos de participação/responsabilidade estejam alheios deste absurdistão. Nem pouco mais ou menos.

No absurdistão angolano cada um faz a sua parte e faz bem, ultrapassando por vezes algumas barreiras na hora de querer fazer melhor que o outro em prol do mesmo projecto que é tentar inviabilizar a vida normal de uma cidade e de um país.

Muitos são os cidadãos que estão a ficar cada vez mais “impercebentos” para usar uma expressão inventada por uma parente que já não pertence ao mundo dos vivos e com a qual ela descrevia como uma profundidade extraordinária esta categoria de pessoas que fazem tudo ao seu alcance para nos tramarem a vida, mesmo diante de algumas evidências quanto ao caminho a seguir.