Luanda - A questão central deste artigo é: Angola tem Universidade? Mas só saberemos quando respondermos previamente as outras interrogações: o que é e como se caracteriza uma Universidade? A categoria Universidade deve ser vista à luz de critérios principiológicos e pragmáticos. A dimensão principiológica da Universidade, sustenta-se pela axiologia, ou seja, por valores gerais que encontram adaptação e especificidade a cultura universitária, científica e académica.


Fonte: Club-k.net

"Não basta título académico, o professor deve pesquisar e publicar resultados"

Segundo o professor Patrício Batsîkama (2013) devemos olhar “a Universidade como uma “fábrica” de saber. Para além de ser essa “fábrica de saber”, ele deve ser um lugar para ensinar a pensar! Ela proporciona uma formação qualificada, com investigação séria e administração competente, envolvendo o mundo académico e extra-académico.”


Ainda segundo o professor acima expresso, o quadro axiológico da Universidade é perpassado por alguns valores essenciais. “(i)  O verdadeiro: somos herdeiros de uma civilização que sobrevalorizou o verdadeiro. A ciência é, etimologicamente, o conhecimento verdadeiro. No plano ontológico, a Universidade visa construir o homem verdadeiro que é íntegro e que busca humildemente o axiomático. Um empenho mais verdadeiro para um conhecimento mais verdadeiro é a lógica do método e rigor científico. Para este projecto, a Universidade precisa de: (a) Professores e estudantes verdadeiros; (b) Corpo administrativo verdadeiro; (c) Aulas e pesquisas verdadeiras (ao abrigo das infra-estruturas verdadeiras/apropriadas.” (BATSIKAMA, 2013).


É na Universidade onde se deve promover o “saber total”, tal como demonstra a própria terminologia. A Universidade é aquele local onde se transmite o saber que foi produzido ao longo da história, de forma crítica, afim de serem digeridos e serem capazes de estimular os educandos e mestres para a produção de novos saberes que visam permitir o crescimento da comunidade local e mundial. A Universidade não é um local para que as pessoas se limitem a gravar e a “ruminar” as mesmas informações (CRUZ, 2008).


Para Maduena (2007:10) “as Universidades podem e devem ser núcleos dinamizadores que convocam os intelectuais, os profissionais, as personalidades relevantes da cultura nacional e os cidadãos comuns, comprometendo-os a todos na construção de um [desenvolvimento] real”.


Marcelo Maduena. prossegue no seu argumento, afirmando que “a Universidade é uma instituição social, que pode muito bem assumir como parte de sua missão, a transformação da sociedade para um desenvolvimento sustentável, através da formação de profissionais e da investigação científica. Pode [e deve] assumir o desafio de buscar alternativas que contribuam para elaborar estratégias de desenvolvimento socio-económico, solidário neste mundo globalizado” (2007: 10).


Segundo N.Tonet e W.Ferreira, a relação [Universidade] e sociedade é importante, por formar o espírito de participação, entrega, compromisso com a ciência como fonte de estimulação dos agentes de ensino […] a Universidade deve proporcionar ferramentas aos alunos de forma que os mesmos tenham capacidade de resolver os problemas que assolam a comunidade total: política, economia, sociedade, cultura, ambiente, religião, etc (2007:31).


No artigo intitulado, “O papel da Universidade e do Estudante Universitário…”, o filósofo e teólogo Marcelo Maduena, defende que a Universidade deve ter os seguintes eixos orientadores: a) A Universidade deve promover o desenvolvimento económico e social, por meio da investigação e dos profissionais que ela forma. Mas este desenvolvimento deve ser solidário e fraterno; b) A Universidade deve também ter a transmissão de uma carga axiológica, como uma prioridade na formação dos cientistas e outros profissionais, porque são os valores que garantem a estabilidade nas relações sociais, por isso afirma: “Formar o bom profissional significa levar o estudante universitário a incorporar um conjunto de valores: deveres, hábitos e atitudes que são também uma ferramenta de trabalho para o futuro profissional, e não das menos importantes. Contudo […] a Universidade deve ir além da formação do bom profissional. A Universidade pode ser uma verdadeira escola de cidadania, educando os seus [estudantes] para participarem de forma consciente e crítica no debate das grandes questões nacionais”( MADUENA: 11-12).


c) O autor conclui que, a Universidade deve promover também o valor da democracia. Sabemos que nos últimos tempos o quarto poder está a ser engolido e instrumentalizado pelo poder político e económico, daí que ele vai perdendo um pouco a sua capacidade de acção, por este facto, urge a necessidade de aparecer uma instância que seja capaz de ocupar este vazio, é assim que deve ser a Universidade e os seus intelectuais livres e independentes da “máfia política”, que deve transformar-se em força de pressão social e de mudança ( MADUENA:10).


Por sua vez, o eixo pragmático é composto pelas seguintes sobcategorias: Liberdade académica, científica e liberdade de ensino. Significa que as entidades gestoras e outras que conduzem a Universidade, devem ser eleitas pelos actores que intervém directamente na Universidade: estudantes, professores etc. Esta eleição permite que os actores não estejam sob pressão de forças alheias aos interesses da ciência, por exemplo, grupos económicos, religiosos, políticos ou outros. A liberdade académica, científica e de ensino visa também a promoção de pesquisa e divulgação das mesmas sem qualquer tipo de constrangimento. Como devem calcular, se um historiador provar por A mais B que Agostinho Neto matou pessoas a facadas em 1970, sendo membro do “comité de especialidade”, não tem liberdade científica, nem liberdade para ensinar, nem para publicar e menos ainda ensinar os resultados da sua investigação!


A liberdade científica e académica, assim como a liberdade de ensino, desaguam inevitavelmente para a autonomia e a democracia. Esta autonomia pressupõe que a Universidade tenha a liberdade necessária para construir o seu projecto político-pedagógico e filosófico de acordo com dois limites básicos: a moral e segurança pública. Quer dizer que a autonomia e democracia universitárias não devem levar à ministrar por exemplo, uma licenciatura para formar actores em pornografia ou um bacharelato para formar terroristas. Mas a democracia universitária permite que ela seja aberta a meritocracia sem perder de vista as minorias que carecem de acções afirmativas. Esta categoria exige que a composição rácica, cultural, linguística, nacional e étnica de professores e estudantes deve ser heterogénea. A democracia no ensino superior promove o debate permanente e intenso, sem restrições temáticas.


Mobilidade docente e intercâmbio internacional é um elemento importante para o ensino superior. Isto permite que haja troca de experiências e se saiba o que os outros centros de estudo e colegas estão a produzir ao redor do mundo. Permite igualmente promover projectos de pesquisas colectiva, para responder às exigências da UNESCO para a educação no seculo XXI.  Exigência esta que o relatório “A educação, um tesouro a descobrir”,  afirma ser  é a “cooperação e a coexistência nas várias esferas da vida”(DELORS, 1998).  Sem mobilidade docente nem intercâmbio internacional não haverá qualquer possibilidade de algum professor e estudante da Indira Ghandi National University, dar aulas durante um mês ou conferências em Universidades angolanas ou ao contrário. Só com intercâmbio, o estudante queniano saberá sobre a realidade de Angola ou o angolano sobre a realidade da Universidade Cheik Anta Diop do Senegal.

 
Sendo a Universidade um espaço para “promover mentes inquietas e rebeldes que questionem o real e o irreal”(CRUZ, 2013), tal questionamento e rebeldia só é possível por meu da pesquisa. A Universidade é essencialmente espaço para produzir novos saberes. Se não há novos saberes não há Universidade. Pode ser qualquer coisa menos Universidade! Estes saberes são produzidos em laboratórios, centros de pesquisa de ciências humanas, tecnológicas e sociais, grupos de pesquisa, etc. Os resultados das investigações devem ser patenteados, registrados e se possível transformá-los em bens comerciais por meio da reprodução industrial em série.


A problemática da pesquisa remete inevitavelmente ao problema das “bolsas de pesquisa.” Cuidado, não são bolsas para pagar propinas mensais. Refiro-me a bolsas que visam permitir ao investigador ou estudante dedicar-se exclusivamente a busca de novos saberes, corrigir paradigmas ou ainda aperfeiçoar saberes, técnicas e maquinarias existentes.


Tal pesquisa da parte de estudantes e professores só é possível quando os docentes forem cidadãos com competência técnica e titulação necessária. Antes de entrar nos títulos académicos necessários para uma Universidade de qualidade, que o leitor permita dar um exemplo de dois países africanos: Namíbia e Benin.


Países que para leccionar no ensino primário o professor dever ter um bacharelato ou licenciatura. Isto permite-nos afirmar que numa Universidade o professor deve ter no mínimo o título de Mestrado, Doutoramento ou Pós-Doutoramento.  No caso dos Mestres devem ser docentes do nível de Bacharelato e nos níveis seguintes devem ser os PhD e Pós-PhD.  Existem casos que por carência ou por razões excepções se pode admitir indivíduos com especialização para leccionar na Universidade, licenciados ou ainda sem titulação académica que comprovadamente são génios pela sua contribuição à ciência, por exemplo, Kodjo Afate Gnikou (Estudante do Togo e criador da impressora 3D); Ludwick Marishane (Estudante Sul Africano e criador de DryBath ); Steve Jobs (Ex-Director da Apple), Bill Gates (Director da Microsoft); Mark Zuckerberg (Criador do Facebook), etc. Ter essas personalidades como professores é uma mais-valia, uma vez contribuíram para o avanço da ciência, ultrapassando de longe muitos indivíduos com títulos de Pós-Doutor.


Não basta título académico, o professor deve pesquisar e publicar resultados. Deve ser um farejador. Um inconformado com as conquitas da ciência até ao momento, lançando sempre novas utopias e inventar horizontes ali onde não há qualquer sinal de luz e ser. Claro que, tanto estudantes, quanto professores só poderão criar, inventar coisas e ideias novas, assim como ressignificar ou refutar teses, havendo condições para que isto se dê. O pesquisador deve ter todas as condições sociais necessárias, dar um número mínimo de aulas e parte do tempo deverá ser para pesquisa individual ou em equipa que inclui assistentes e estudantes.


Havendo condições, deve haver compromisso expresso para produzir novos saberes, ao contrário o professor deve ser expulso da Universidade, não importa se é PhD, uma vez que o fim último da academia é criar, inovar, questionar, rectificar. Na Universidade o ensino é um meio e não um fim. 


A pesquisa remete-nos à docentes de qualidade. Parece-me que quanto mais pesquisar, melhor poderá ministrar as lições. Os mestres devem essencialmente ser farejadores e criadores, questionadores, reformadores e inovadores. A inovação e a criatividade pressupõem outras habilidades éticas da parte do professor: humildade e abertura permanente aos posicionamentos dos estudantes e dos seus pares. Com estas atitudes a esfera académica transforma-se num espaço de dissenso e controvérsia permanente, uma característica intrínseca à natureza da academia e ciência modernas.


Havendo este espaço de contradição saudável, o estudante deve assumir as suas responsabilidades e uma sub-cultura universitária própria que não tem nada à ver com uma escola do ensino médio ou profissionalizante. A Universidade não é para todos. Ela é para quem é dotado de capacidades para lá chegar. O acesso do cidadão para Universidade deve passar por exames de grande rigidez e qualidade, sem perder de vista aqueles grupos em relação aos quais a sociedade tem “dívida histórica” (p. ex. o khoisan) e por isso deve aplicar-se acções afirmativas para imponderá-los, se o contexto solicitar.


O estudante deve ter consciência que não é um cliente em busca de certificado, é antes de mais um candidato a produção de novos saberes que vai mudar a sua vida, da comunidade e do mundo. O seguro de saúde, a possibilidade de assistir à um concerto caro de música clássica, passar férias nas Ilhas Maurícias, etc., serão consequências de ter um título académico bem feito, mas ter um diploma não é sinónimo de poder económico ou o caminho para Ministro, embora não seja ilegítimo tal desejo. Se o estudante não pertence a grupos de pesquisa, não profere conferências, não publica, então é aluno e não estudante.


Outras peças chaves para que haja Universidade são: revistas científicas, editoras universitárias e boletins. Estas peças da “máquina Universidade” estão todas relacionadas.


As revistas devem ter uma periodicidade trimestral, semestral ou anual. Para sua publicação o artigo deve passar por uma séria e rigorosa avaliação por membros do conselho científico e editorial da revista, altamente especializados (Doutores e Pós-Doutores) sobre a matéria proposta para publicação. A avaliação deve passar por pelo menos 3 à 4 avaliadores que devem dar parecer favorável ou desfavorável e se for necessário deverão usar o critério da votação para determinar a sorte do trabalho proposto.


Por outro lado, as revistas universitárias devem ser classificadas em níveis. Por exemplo, 1, 2 e 3 ou A, B e C de acordo com o nível de exigência, qualidade e relevância científica, académica, valor social e económico que a publicação traz para a sociedade local ou mundial. A classificação das revistas em níveis, pressupõe que os países tenham instituições independentes para acreditação e supervisão dos centros de produção de saberes. Em situação análoga deverá passar as Universidades que em consequência do seu trabalho deverão descer, subir do ranking ou fechar as portas, facto do qual as revistas não estão isentas. As revistas desempenham também o papel de moeda de troca com outras instituições congéneres. Ela pode ser elo para intercâmbio e refluxo da informação científica. Por meio das suas revistas e não só, a Universidade deve “escutar a experiência dos especialistas e pesquisadores de outros países, incentivando a troca de informações e a circulação do saber que estão na própria origem da instituição académica” (TRINDADE, 1998:12)


As editoras são consequências naturais e inevitáveis, uma vez que o resultado das pesquisas deverão ser submetidas ao uso público da razão, como diria Kant, e por conseguinte ao debate, a crítica, a refutação, a aceitação ou a rejeição. As editoras desempenham este papel de divulgação do saber, de democratização e popularização da ciência.


Uma palavra deve-se dedicar aos laboratórios que concorrem, tanto para a concretização do ensino de qualidade quanto para a promoção da investigação científica.


Quanto aos santuários das Universidades (bibliotecas), devem ser divididas em biblioteca geral e bibliotecas específicas. Isto significa que para além de uma mega biblioteca, a Universidade deve ter bibliotecas especializadas para cada curso. Isto significa que: se uma Universidade tem 83 cursos deve ter 84 bibliotecas. A questão da quantidade de cursos é igualmente importante para uma Universidade. Não se pode afirmar que uma instituição com 10 ou 15 cursos chama-se Universidade!


Nas Universidades deve haver anualmente defesas de monografias para bacharelatos, licenciaturas e especializações, dissertações para mestrados e teses para doutoramentos, pós-doutoramentos e livre docência.
Outro pilar que ganha cada vez mais importância na Universidade contemporânea é a extensão. O departamento de extensão visa socializar o conhecimento. Permitir que os académicos não estejam desligados da realidade e viabiliza a entrada dos saberes populares e outras visões sobre a realidade para a academia. Em definitiva a extensão promove a responsabilidade social da Universidade. Exige que a academia se sinta co-responsável na resolução dos problemas locais e globais. Sobre esta matéria, Helgio Trindade, antigo reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, afirma que “as Universidades, seus docentes e pesquisadores têm uma grave responsabilidade, pois, justamente a eles caberá dimensionar e avaliar a realidade histórica, económica, política e social (1998:12).


Tudo sobre o qual foi referido, precisa de financiamento na ordem de milhões de USD para cada Universidade e deve ser gerida de forma autónoma, cabendo as fontes de financiamento exigirem responsabilidade, transparência e nada mais!


Para que possa ter uma ideia clara sobre o que deve ser a dimensão e capacidade de uma Universidade admitir estudantes, seguem-se exemplos de quatro continentes. Na Europa, a Universidade de Coimbra, Portugal, tem uma população estudantil de 23139; A Universidade de São Paulo, Brasil tem uma população universitária de 92.064 estudantes; Cape Town University, da África do Sul tem 21 000 estudantes; Toronto University, de Canada, tem 45 009 e tem mais de 300 cursos; A Universidade Federal da Paraíba, Brasil, tem 22.238 e a Indira Gandhi National Open University, da India, tem 3500 000 estudantes, ultrapassando toda a população da Namíbia que é de 2500000 habitantes.


Diante deste quadro, só posso afirmar que o que Angola tem são “Institutos Médios Superiores” onde são formadas “Cabras e Oprimidos”. Cabras porque são instituições aonde se exige que no memento da fome (hora do exame, prova, avaliação), ruminem! São exigidos a isto e nada mais, tal como a cabra faz à noite quando “deseja” comer.


São oprimidos porque estas instituições fazem parte das várias ferramentas para a manutenção do poder políticos, ou seja, são instrumentos ideológicos ao serviço do príncipe e todos sipaios a sua volta. Instrumentos de opressão!


Em relação à Angola, há quem diga que estamos a passar por uma crise da Universidade. Não há crise! Não há crise porque Angola nunca teve uma Universidade até nos dias de hoje. Esta proposição aplica-se também para o facto dos institutos médios superiores de Angola não saírem entre 100 melhores de África. Não constam neste ranking porque Angola não tem e nunca teve Universidade.


Ora, a “a Universidade consiste, a partir de uma comunidade autónoma e livre, ministrar e partilhar o ensino e aprofundar e desenvolver a investigação científica. É este o espaço privilegiado para aprender a pensar! Aprender a viver para o bem, fomentar a bondade do serviço, pelo rigor do mesmo, amar a beleza que se desvela no processo de descoberta. Face às realidades neocapitalistas e às exigências da sociedade complexa actual, e partindo das demandas sociais”( BATSIKAMA, 2013).