Lisboa - As duas testemunhas que foram ouvidas em Lisboa no âmbito do processo-crime contra o activista angolano Rafael Marques foram unânimes em afirmar que "já mataram muitas pessoas" na zona de diamantes em Angola.

Fonte: Lusa

Os cidadãos angolanos Linda Moisés da Rosa e Mwana Capenda compareceram nesta terça-feira, 11, perante a justiça portuguesa, para afirmarem a veracidade dos relatos que constam no livro "Diamantes de Sangue", do jornalista e activista angolano Rafael Marques, que aborda a situação na região diamantífera das Lundas.

Rafael Marques está acusado de difamação por nove generais angolanos, que alegam serem falsos os relatos que constam no livro e exigem uma indemnização de 150 mil euros.

A editora portuguesa do livro já não é arguida, como aconteceu num anterior processo, entretanto arquivado, mas os generais continuam a responsabilizar a Tinta da China, reclamando uma indemnização de 150 mil euros.

Linda Moisés da Rosa -- que responsabiliza as forças militares angolanas pela morte de um dos filhos e a empresa Teleservice, que explora os diamantes nas Lundas, pela morte de outro, cujo corpo nunca recuperou -- fez um retrato detalhado do que diz ter acontecido aos seus dois únicos rapazes, na altura com 33 e 32 anos.

"O cidadão angolano não pode ir cavar 1/8para encontrar diamantes 3/8, se vai é a morte. Nas Lundas matam muito, estão a matar muitos jovens", resumiu a testemunha, que diz ter pedido explicações sobre a morte dos filhos ao Governo e à justiça angolanos e ter recebido em troca "ameaças com armas" e ofertas de dinheiro, que recusou, por desconhecer "o preço das pessoas".

"Governo vai perseguir-me até à morte"

No final da sessão, Linda Moisés da Rosa confessou aos jornalistas ter medo de regressar a Angola, recordando que, antes de vir para Portugal, foi detida no aeroporto. "O Governo vai perseguir-me até que esteja morta. (...) Estou pronta, estou disposta mesmo, porque os filhos já foram mortos", contou.

Mwana Capenda, líder tradicional local, também testemunha, defendeu que uma comissão de inquérito internacional vá "ver como vive a população das Lundas".

O chefe tribal confirmou as mortes dos filhos de Linda, garantindo que "há mais casos. Matar (...) é o princípio de lá. Principalmente nós, côkwe (etnia local), somos muito mortos", realça. Apesar de os responsáveis diretos pelas mortes serem "operativos" no terreno, os seus chefes "sabem o que se passa", assegurou.

Diamantes não dão nada à região

"As Lundas não beneficiam dos diamantes, não têm escolas, nem água, nem luz, nem empregos, só buracos", relatou. A área está igual ao que era durante a colonização, "tudo falta, não há nenhuma coisa", disse.

No final da sessão, a que assistiu a editora Bárbara Bulhosa, o advogado de acusação, José Maria Sanchez, não quis prestar declarações à imprensa. Por parte da defesa, Magalhães e Silva adiantou que, para além das testemunhas angolanas, serão ouvidos especialistas internacionais no assunto dos "diamantes de sangue".

O processo-crime está ainda na fase de inquérito, faltando ouvir 13 das 15 testemunhas reunidas por Rafael Marques. O mais provável é que essas testemunhas sejam ouvidas em Angola, mas o ativista não descarta a possibilidade de reunir fundos para trazer mais relatos como os de hoje aos tribunais portugueses.