Lisboa - «Angola, o nascimento de uma nação – O Cinema da Libertação», segundo volume de uma trilogia dedicada ao cinema angola, coordenado por Maria do Carmo Piçarra e Jorge António, com a chancela da Guerra & Paz, já pode ser encontrado nas livrarias.

Fonte: DN

Três volumes (o último está previsto sair em Junho deste ano) que reúnem uma vasta colecção de textos encontrados sobre o cinema em Angola, antes e depois da independência do país. O material recolhido pelos dois especialistas foi tanto que tornou-se impossível agrupá-lo num único volume.

No primeiro, «O cinema da Império», o leitor irá encontrar ensaios enquadrados na propaganda política e económica anterior à independência. Além destes textos há ainda entrevistas a várias personalidades, como João Silva, Francisco Castro Rodrigues e Manuel Fonseca, que testemunham sobre a emergência da produção cinematográfica feita em Angola, o surgimento do cineclubismo e o seu papel na luta pela independência de Angola.

Já em «O cinema da Libertação», o segundo volume, foram incluídos vários ensaios, de destacar o de Joana Pimentel, sobre a colecção de filmes feitos em Angola detida pela Cinemateca Portuguesa; outro, por Paulo Cunha, que caracteriza os primórdios do cineclubismo; um ensaio sobre o cinema amador do investigador brasileiro Jorge Cruz, um outro ensaio de Leandro Mendonça, sobre os modos de produção em Angola e, finalmente, uma texto da autoria de Maria do Carmo Piçarra sobre o cinema militante.

Este último ensaio recai sobre as reportagens internacionais feitas em Angola sob o ponto de vista dos movimentos de libertação, além dos filmes de Sarah Maldoror que adapta, com Mário Pinto de Andrade, para o cinema obras de Luandino Vieira.

Complementar e cruzar o visionamento das obras acessíveis e a leitura da documentação inédita sobre outros filmes com a recolha de testemunhos foi a metodologia escolhida pelos autores.

O primeiro volume abordou a propaganda política do salazarismo, onde, além de uma análise aos filmes da época, reporta à documentação encontrada no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa, e outra do Arquivo Histórico Diplomático, relativa aos filmes de Jean-Noel Pascal Angot, que propôs directamente a Salazar a aprovação de um plano para a realização de documentários de propaganda em instâncias internacionais.

Nesta trilogia fica-se com uma visão panorâmica sobre o nascimento de uma nação na perspectiva cinematográfica. Os autores assumem que até às décadas de 1950 e 1960 não existiu «cinema angolano», mas sim um cinema português feito em Angola. O verdadeiro cinema feito por angolanos em Angola resultou da emergência do cineclubismo, e aqui entra o contributo de Jorge António para entender esta questão. E assim se começou a assistir, à altura, do uso do cinema como arma política contra o imperialismo. E com isso abriu-se espaço para surgirem cursos de formação em fotografia e cinema amador.

As produções que volvem em torno das décadas de 1950 e 1960 estavam instrumentalizadas, transmitindo uma ideia de lusofonia «mestiça». Mas a indústria, que na época era predominantemente documental, foi dando lugar a outras produções, do género ficcional. Há que contextualizar que, por causa da guerra, a película era coisa rara, daí a necessidade de a gerir bem.

Mas a partir do momento em que Angola começa a crescer economicamente, assiste-se ao nascimento de produtoras de cinema locais e surgem mais salas de cinema, o que propiciou, no final da década de 1960 e início da de 70, o começo da produção ficcional.

Tanto João Silva como António de Sousa podem ser considerados pioneiros do cinema feito em Angola. Até então, a maior parte era produzida em Lisboa.

No contexto da altura, o que se afirmava era o cinema de propaganda, financiado por entidades oficias, mas observa-se com este trabalho que houve uma tentativa de António de Sousa de criar produtoras nacionais, tendo assinado, inclusivamente, vários documentários turísticos e de propaganda económica. Em «O cinema da Libertação», por exemplo, Joana Pimentel analisa ao pormenor a produção de filmes por António de Sousa.

Constata-se, porém, que o que era feito até à altura destinava-se predominantemente a uma audiência mais metropolitana, embora, como no caso de «Actualidades de Angola», fosse para os colonos. Em geral, com excepção do cinema militante, não havia filmes destinados ao público negro.

Sarah Maldoror, que estudou cinema na União Soviética, foi quem despertou o que pode ser classificado como o «cinema negro», coincidindo com o aparecimento dos movimentos independentistas, sendo hoje em dia considerada a «matriarca» do cinema africano.

O segundo volume também oferece uma análise atenta ao papel do MPLA no cinema de propaganda, por ser o único movimento com recursos - humanos e financeiros - para usar o cinema como arma. A retaguarda exilada mobilizou simpatias, sobretudo em França e Itália, e o MPLA acabaria por apoiar-se, portanto, na criatividade de intelectuais de diversas origens que militavam a favor da causa da independência angolana.

Resumindo, no primeiro volume os autores procuraram mostrar as visões que, através do cinema de ficção e documental, o colonialismo português propôs sobre Angola. Neste segundo volume atenta-se, com o nascimento da militância, ao início do cinema como instrumento de arma política.

Uma obra que propõe redescobrir filmes que têm permanecido ocultos e cujo objectivo é revalorizar obras de autor com um ponto de vista político, recorrendo a testemunhos de várias personalidades que viveram de modos diferentes a aventura do cinema em Angola, como Fernando Costa, Júlio Pereira e de António Pinto de Carvalho, Manuel Rodrigues Vaz, o primeiro crítico de cinema em actividade em Angola; António Escudeiro e José Fonseca e Costa.

A viagem sobre o cinema angolano prossegue, ficando-se a aguardar pelo lançamento do último volume, «O cinema da Independência», que está a ser organizado e abordará finalmente aquilo que pode ser chamado de o verdadeiro «cinema angolano.

Sobre os autores:

Maria do Carmo Piçarra é jornalista, crítica de cinema e investigadora. É co-editora da «Aniki – Revista Portuguesa da Imagem em Movimento» (AIM) e autora de «Salazar Vai ao Cinema». Doutorada em Ciências da Comunicação com uma tese sobre cinema colonial e propaganda, é investigadora do Centro de Investigação de Media e Jornalismo e foi assessora da presidência do Instituto de Cinema, Audiovisual e Multimédia.

Jorge António nasceu em Lisboa a 8 de Junho de 1966. Dedicou-se desde cedo ao cinema, desenvolvendo uma actividade cineclubista e realizando filmes amadores em Super 8. Formado pela Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa, especializou-se na área de Produção (1988).

Tem colaborado com as principais produtoras portuguesas em dezenas de produções audiovisuais. Participa em Portugal e no estrangeiro em encontros, conferências, festivais, workshops e fomenta e colabora na edição de livros e revistas de cinema. Em Angola é, desde 1995, produtor da Companhia de Dança Contemporânea.

Foi consultor do Instituto Angolano de Cinema e membro fundador do FIF – Festival de Cinema de Luanda (2008). Em 1991 estreou-se como realizador com a curta «O Funeral», prémio para melhor primeira obra no Festival do Algarve e em 1992 filmou «O Miradouro da Lua», a sua primeira longa-metragem e primeira co-produção oficial entre Portugal e Angola.