Lisboa - O padre Raul Tati, da diocese de Cabinda, que lança nesta quarta-feira, 26, em Lisboa, um livro sobre a Igreja do enclave, disse que os políticos portugueses "abandonaram os cabindas" e só se preocupam com o território quando estão na oposição.

Fonte: Lusa
"No meu livro retrato as diversas posições que os políticos portugueses tomaram e o que nós vemos é que, durante todo este tempo, quando se está na oposição defende-se uma coisa e quando se está no poder já não se lembra daquilo que se defendeu quando se estava na oposição", disse o padre Tati, autor do livro "Cabinda - Percurso histórico de uma igreja entre Deus e César 1975-2014" que vai ser apresentado na Sociedade de Geografia, em Lisboa. O livro foi lançado em Angola em Janeiro.

De acordo com o sacerdote, o Governo angolano exerce um poder colonial sobre o território de Cabinda desde a independência, acusando os sucessivos executivos de Lisboa de "irresponsabilidade" pelo abandono em relação à questão, traindo o espírito e a letra do Tratado de Simulambuco.

O documento foi assinado entre Portugal e o rei de Cabinda em 1885 e que colocava o território sob o estatuto de protectorado de Lisboa e que segundo os cabindas continua em vigor. "A tónica constante dos portugueses é que a questão de Cabinda é uma questão interna de Angola e que a questão da descolonização está concluída e não há mais nada a fazer", lembrou.

"Nós sabemos que alguns políticos que hoje estão no poder em Portugal, como é o caso de Paulo Portas, fez referências a Cabinda muito interessantes quando esteve na oposição. Por isso, é que a gente diz: onde é que estará a coerência?", criticou o padre Raul Tati, referindo-se às posições dos políticos portugueses sobretudo durante o período em que vários portugueses foram feitos reféns pelo movimento independentista em 2001.

"Essa sempre foi a tónica dos governos sucessivos de Portugal em relação a Angola, tirando talvez o consulado de Mário Soares - que não tem muitas afinidades políticas com governantes atuais do MPLA. Mas creio que quase todos os governos de Portugal têm tido uma espécie de reverência excessiva em relação ao regime de Angola", sublinhou.

Raul Tati disse ainda que ultimamente assiste-se a uma certa subserviência marcada por acontecimentos económicos "que estão a falar muito mais alto", e que fizeram com que posições de compromisso fossem "esquecidas" ao longo dos anos.

O livro sobre a história da Igreja em Cabinda trata os principais acontecimentos do território desde 1975 e que incluiu um documento da igreja, firmado por cinco sacerdotes cabindas, que alertaram "Portugal e o mundo", antes dos Acordos de Alvor (assinado entre Portugal e os três movimentos de libertação angolanos em janeiro de 1975) para uma situação que se estava a tornar cada vez mais dramática.

"Nesse documento denunciavam que estava iminente em Cabinda um grande drama que era preciso evitar. Um banho de sangue, a ocupação, e apelavam a razões históricas. Reivindicavam também a legitimidade de Cabinda para uma descolonização à parte, tendo em conta o Tratado de Simulambuco", explicou o autor do livro sobre o enclave.

O enclave de Cabinda é palco desde a independência de Angola, em novembro de 1975, de uma luta pela independência, desencadeada ao longo dos anos por diferentes fações cabindas, restando atualmente somente a FLEC de Nzita Tiago, que ainda mantinha uma resistência armada residual à administração por parte de Luanda e a que renunciou em maio de 2013 em troca de autonomia.

Separada de Angola pelo rio Congo, Cabinda possui significativos recursos naturais, em que as reservas petrolíferas representam cerca de metade da produção diária de 1,8 milhões de barris de petróleo angolanas.