Luanda - Há 27 anos, sensivelmente, o Conselho de Ministros reputava as línguas nacionais como “suporte e veículo das heranças culturais” que “exigem um tratamento privilegiado, pois constituem um dos fundamentos importantes da identidade cultural do povo angolano”, segundo se lê no preâmbulo da Resolução 3/87 de 23 de Maio.

Fonte: Opais

Embora o âmbito da postura do MAT se enquadre na eliminação dos ruídos na grafia dos nomes de localidades do interior, muitas vezes relacionados com nomes em línguas bantu, a questão não deixa de remeter para outra de maior amplitude que é a de levar em consideração as disposições legais sobre as línguas nacionais.

O diploma legal acima referido dá mesmo a conhecer a aprovação, já naquele ano, a título experimental, dos alfabetos das línguas kikoongo, kimbundu, cokwe, umbundu, mbunda e oxikwanyama.

Embora as respectivas regras de transcrição não tenham sido publicadas em anexo como versa o texto do Diário da República, o director do Instituto de Línguas Nacionais, José Pedro, garantiu a OPAÍS que “estas regras de transcrição existem de facto”.

O responsável acrescentou que este estudo já passou da fase de determinação da quantidade de sons existentes em cada língua nacional e da elaboração do alfabeto.

“Neste momento, estamos na fase de harmonização da ortografia”, -após uma revisão do alfabeto feita entre 2011 e 2012afirmou o responsável do instituto de línguas africanas do país. Admitiu também a vigência de um trabalho que está a ser feito em relação à toponímia em que também participa o MAT.

Os ministérios da Educação e da Cultura fizeram publicar um despacho conjunto nº 212/04 no Diário da República nº 76, de 21 de Setembro de 2004, que determinava a constituição da “Comissão de Avaliação dos Resultados da Aplicação dos Alfabetos das seis línguas nacionais aprovadas pela resolução 3/87.

A comissão era constituída por quadros dos dois ministérios e tinha 30 dias como limite temporal para apresentar o relatório de avaliação Aliás, ao longo desse período a sociedade tem assistido ao lançamento de consideráveis obras literárias em línguas nacionais, o que era, aparentemente, o acatamento das conclusões já produzidas sobre a grafia das línguas nacionais.


Parlamento “guarda” Estatuto das Línguas Nacionais

José Pedro lamentou, em entrevista recente a OPAÍS, que em muitas dessas obras se desrespeitem as regras de transcrição, ressaltando o facto de isto ocorrer também ao nível da comunicação social. No seu entender, “Não importa neste momento encontrar culpados. Importa sim recuperar o tempo perdido e inverter o quadro”.

Isto deverá passar pelo completamento do quadro legal linguístico e consequente divulgação. Segundo o director do gabinete jurídico do Ministério da Cultura, Aguinaldo Cristóvão, o Estatuto das Línguas Nacionais já foi aprovado pelo Conselho de Ministros, estando há dois anos a aguardar a discussão na especialidade e posterior aprovação final, depois de ter sido discutido na generalidade pela Assembleia Nacional.

A reflexão ora proposta sobre a uniformização da grafia das línguas nacionais e alteração da toponímia não deverá avançar sem a aprovação dos instrumentos legais sobre o estatuto das línguas nacionais.

O estatuto jurídico das línguas é visto pelo Ministério da Cultura como um instrumento que tem como objectivo a promoção da inclusão social e o fortalecimento da unidade na diversidade, assim como o pluralismo cultural e linguístico.

Dentro desta perspectiva, José Pedro enquadra a realização de estudos sobre a situação linguística dos khoisan. “Está para breve a publicação de um trabalho sobre o alfabeto e a ortografia khoi-san, numa parceria entre o Instituto de Línguas Nacionais e o Centro de Estudos Avançados de Sociedades Africanas”, precisou.


História do processo linguístico nacional

Segundo José Pedro, em 1980, o Instituto Nacional de Línguas publicava a obra «Histórico Sobre a Criação dos Alfabetos em Línguas Nacionais» que tornou possível esboçar, pela primeira vez, os sistemas fonológicos e projectos de alfabetos das línguas Kikongo, Kimbundu, Cokwe, Umbundu, Mbunda e Kwanyama (Oxikwanyama).

Mais tarde, em 1985, o Instituto de Línguas Nacionais procedeu à revisão dos referidos sistemas fonológicos e projectos de alfabetos, que culminou com a elaboração de uma brochura intitulada «Esboço», nunca até aqui publicada.

Mas dois anos depois, através da Resolução no 3/87, de 23 de Maio de 1987, o Conselho de Ministros da República aprovou, a título experimental, os alfabetos das línguas nacionais Kikongo, Kimbundu, Cokwe, Umbundu, Mbunda e Oxikwanyama, e as suas respectivas regras de transcrição.

De Fevereiro de 2011 a Junho de 2012, o Instituto de Línguas Nacionais, em parceria com o Centro de Estudos Avançados de Sociedades Africanas (CASAS), realizou três seminários que culminaram com a publicação de uma pequena obra intitulada “Harmonização Ortográfica das Línguas Nacionais de Angola”.

Esta obra apresenta duas partes, a primeira das quais trata da revisão e actualização dos alfabetos das seis línguas: Kikoongo, Kimbundu, Umbundu, Cokwe, Mbunda e Oxikwanyama, e suas respectivas regras de transcrição, aprovados, a título experimental, pela Resolução do Conselho de Ministros da então República Popular de Angola, em 1987.

A segunda trata, pela primeira vez, das regras que comandam as divisões das palavras e da sua ortografia que se aplicam a todas as línguas bantu do país e constituem um código económico e prático que facilita a leitura e a escrita dessas línguas, utilizáveis nos vários domínios da vida nacional, bem como respondem a uma necessidade real de se substituírem as várias transcrições paralelas por uma escrita uniforme.

MAT desconhecia a resolução 3/87?

Esse aparente desconhecimento ficou evidente não só quando o MAT fez as suas recomendações correctivas, como no recente encontro promovido com a imprensa e outros sectores da sociedade.

Bornito de Sousa e quadros do MAT, quando confrontados com o número da resolução, tomaram notas, sem a cometarem.

No entanto, na antiga página do ministério, www.mat.gv.ao, está publicado o seu conteúdo.

Na verdade, de acordo com informações disponibilizadas a este jornal, o primeiro trabalho publicado sobre os alfabetos em línguas nacionais data de 1980, dado à estampa sob o título “História sobre a Criação dos Alfabetos em Línguas Nacionais”.

Entretanto, com data de 28 de Junho de 2013, o MAT divulgou uma nota sobre a grafia da toponímia que colheu repulsas de vários quadrantes da sociedade.