Luanda - O engenheiro civil Manuel Resende está a favor do estudo para a criação do plano directório de Luanda que se iniciou recentemente e estima que a sua implementação vai obrigar à demolição de algumas construções.

Fonte: Expansão

Luanda precisa urgentemente de ser ordenada, na opinião de muitos especialistas. Qual é a sua?

A consideração que faço é que há duas Angolas. Uma Angola-Luanda, que é a zona metropolitana, e depois tem a outra Angola. No que se confina a Luanda, que é praticamente uma cidade-Estado, nunca foi tratada com a orientação técnica necessária que deveria ter existido para aconselhar os nossos dirigentes a tomarem as decisões correctas. Deixamo- nos embalar por interesses, fundamentalmente financeiros, sem se pensar na cidade e nos seus habitantes e, actualmente, estamos confrontados com problemas com extrema dificuldade de serem resolvidos. Não temos vias de acesso que permitam o escoamento normal do trânsito, não temos vias de acesso onde se possam instalar as redes técnicas de esgotos, abastecimento de água e energia; não temos estacionamentos. Tudo isso foi ocasionado pelo excesso de população e pela construção desmesurada de grandes edifícios. Nos mesmos 900 metros onde estava implantada uma vivenda está um prédio de 20 andares. Como é que as pessoas vivem? Como circulam? Que qualidade de vida têm? Estes aspectos foram todos descurados, e a grande responsabilidade é exactamente dos técnicos que não tiveram capacidade e coragem de apontar o caminho aos dirigentes.

Mas é um problema de solução possível, de certeza. Qual é a saída?

Há saída, mas vai obrigar que haja algumas amputações, inclusive edifícios recém-construídos terão de ir abaixo para poderem passar estas vias. Como é que se pode ter transportes colectivos nesta cidade? Para o metropolitano pode haver duas ou três linhas na periferia, mas dentro da cidade não há hipótese alguma de haver um metropolitano, nem sequer aéreo. Felizmente já estão a estudar o plano directório de Luanda, e estes técnicos é que irão nos dizer o que deverá ser feito.

Mas não basta o plano, necessitaremos, depois, da vontade política. Acredita que haverá esta vontade?

Acredito que sim, porque não creio que haja alguém que não queira que Luanda seja uma cidade com qualidade, porque, neste momento, não tem qualidade. Não há ninguém que viva aqui que tenha qualidade de vida, e para que tal aconteça é preciso que haja o cumprimento deste plano.

Acredita que haverá, por exemplo coragem para destruir-se edifícios recém-construídos?

O que é preciso é responder a esta pergunta. O que é que nós queremos? Se queremos realmente Luanda como uma cidade com qualidade de vida, terá de haver esta coragem. Tem havido coragem para destruir bairros como a Chicala, por exemplo. Temos muitos exemplos de zonas onde as pessoas tiveram de ser desalojadas. Essa atitude deve ser a mesma em relação ao que estiver a obstruir as necessidades básicas deste plano directório.

Se o plano directório não estiver pronto nos próximos dois anos, e se Luanda continuar (como se prevê) a crescer, que cidade teremos?

Sou de opinião de que, a partir do momento em que se decidir fazer um plano directório, se deveria suspender novas construções, caso contrário, vamos aumentar os problemas e depois seria necessário fazer-se outro plano directório. O que está em curso pode continuar, mas novas construções devem ser suspensas.

Foi ministro das Obras Públicas no primeiro Governo nacional depois da independência. Sente que cometeu alguma falha que tenha contribuído para os problemas actuais da cidade de Luanda?

Quando estive no Governo, exactamente a seguir à independência, os problemas eram completamente diferentes. Luanda estava despovoada. Via-se um carro de vez em quando. À medida que se foi avançando no tempo, as populações da periferia começaram a entrar para a cidade e, nesta altura, deveria ter havido alguns cuidados em termos disciplinares e de regulamentação como existiu, por exemplo, em Moçambique. Nós, aqui, não tivemos. Nisso, posso considerar-me também responsável, embora, pessoalmente, tenha lutado contra essa forma de evolução que se estava a assistir.

Os projectos das centralidades ao redor do centro da cidade não resolveriam o problema de Luanda?

Penso que o problema de Luanda tem de ser resolvido a partir do interior. Esse problema de cidade-Estado tem de ser resolvido com Angola global. Sou contra o permanente investimento em Luanda, em detrimento das zonas do interior, e esta é a minha opinião desde que entrei para o Governo. É evidente que é fácil dizer mas difícil concretizar, mas está a fazer-se alguma coisa, e dou como exemplo o que se fez no Huambo, há meia dúzia de anos, o que está a ser feito em Malanje, o que se fez no Lubango e o que está a ser feito no Soyo. São exemplos de como se pode criar condições muito melhores de vida lá do que aqui em Luanda, cidade que, em termos de qualidade de vida, deve ser das piores do mundo, actualmente.

É fundador e sócio-gerente de uma empresa de projectos, consultoria e gestão. Está satisfeito com as oportunidades e participação das empresas nacionais do género nas obras públicas?

Tenho de dizer que não, porque as empresas nacionais não são olhadas com o respeito e com a verdade que contêm. São completamente ignoradas, postas de lado para dar oportunidades a empresas estrangeiras. Penso que as empresas nacionais deveriam ser acarinhadas, consideradas, pelo menos, em pé de igualdade com as estrangeiras, porque nem isso acontece. As empresas estrangeiras, e nem falo de empresas, mas sim pseudo-empresas. De um indivíduo que vem com um computador e um telemóvel, hospeda-se em um hotel, arranja uma fiscalização algures e faz uma fiscalização miserável; não paga impostos, nem está inscrito na ordem, mas tira trabalho a empresas que criam postos de trabalho e formam o pessoal.

Não será culpa das empresas que não se fazem conhecer, não participam nos concursos ou não apresentam as melhores propostas?

Como é que eu vou apresentar melhor proposta que uma empresa cujos engenheiros nem sequer existem? Estão em Portugal, Espanha ou na China, e apenas vêm se a empresa ganhar o concurso e em condições miseráveis. Nenhum dos engenheiros que tenho ganha menos de 5 mil USD, e os engenheiros que vêm de Portugal, com a crise que há lá, fazem-no por 2500 USD, mas eu não vou buscar estes engenheiros, vou buscar os nossos e pagar-lhes os 5 ou 6 mil USD, porque é isso que leva ao desenvolvimento.

Apesar destes problemas, é um sector aliciante. Há negócios, há lucros?

Falando pela minha empresa, há negócios. Temos trabalhos, devem-nos muito dinheiro, consegue-se progredir, viver e desempenhar as funções a que nos propusemos, com muito trabalho, mas é possível.

Actualmente, fala-se muito de incumprimento na realização das obras por parte das empresas. Na altura em que foi ministro, existiam situações do género?

Não, não tínhamos nem empresas. Andávamos à procurar de restos daquelas empresas que ficaram, sobretudo portuguesas, que cá estavam para formar núcleos que pudessem desenvolver trabalhos. Criámos estruturas dirigidas, fundamentalmente pelo Estado, através das delegações provinciais, mas antes das provinciais, por falta de técnicos para criar uma estrutura em cada província, criámos, inicialmente, as estruturas regionais com três ou quatro províncias.

Chamado, muitas vezes, como "o pai da engenharia", tem certamente uma opinião sobre as diversas obras de engenharia e arquitectura feitas nos últimos anos no País, não tem?

É uma pergunta extremamente difícil, porque a minha opinião pode ser desagradável para muita gente. Há obras com grande grandiosidade, qualidade, mas que não têm angolanidade. São imitações de coisas que foram feitas lá fora e não têm nada que ver com o nosso clima e com a nossa forma de viver. Podia fazer-se as mesmas coisas mas atendendo ao espírito de preservação da cultura angolana. Ao nível, por exemplo, da arquitectura, como é que se destroem obras classificadas mundialmente para se fazer edifícios com fachadas em vidro e alumínio que é uma tremendíssima asneira para climas como o nosso? Isso é para países que precisam de captar o sol, que não é o nosso caso, nós precisamos de outras coisas que tínhamos mas que estão a ser destruídas.

Pode dar um exemplo concreto?

A minha opinião é bastante crítica quando vejo, por exemplo, o que foi feito no actual Ministério das Finanças, que era um edifício extraordinário, mas fecharam-no à boa maneira coreana, transformando- o numa coisa horrível. A mesma coisa aconteceu no Palácio da Justiça.

Participou e coordenou a construção de várias pontes. Se tivesse de fazer estas mesmas pontes, usaria os mesmos argumentos técnicos?

Construi a primeira ponte do Keve, que é a ponte para a qual vim trabalhar; a ponte do Cunene, no Changongo, uma ponte de 830 metros de comprimento; a ponte do Panguila; as pontes da estrada do Sumbe para o Lobito, a ponte da Cahama, assim como quatro pontes na estrada Malanje- Saurimo. São algumas das que fiz. A tecnologia avançou, hoje há métodos que, na altura, não existiam. Se tivesse de fazer actualmente, com certeza, iria adoptar as tecnologias modernas que permitem melhores soluções e mais económicas, mas sem entrar em loucuras como está a acontecer ao fazer-se pontes estaiadas ou atirantadas onde não é necessário como é o caso da ponte da Catumbela.

Trata-se de uma ponte desnecessária para aquela zona, é isso que pretende dizer?

É completamente desnecessária e desaconselhada, porque são pontes com custos de manutenção extremamente elevados, são para ser utilizadas em zonas que assim exigem que não é o caso. Poderia fazer-se uma ponte normal, menos custosa e que exige menos com a manutenção, e é isso que deve ser preocupação das pessoas, porque não basta a obra custar e acabou, a obra precisa de ser mantida, conservada e observada.

E quando é podemos fazer pontes estaiadas?

Se tivemos um rio com 400 metros de leito, temos de criar uma solução que obriga a que haja poucos pontos de apoio no terreno, então vamos para soluções dessas, mas, se tivemos um de 90 metros, não preciso de recorrer a estas tecnologias que são bonitas, mas, na minha opinião, são desaconselháveis.

A recuperação dos caminhos- de-ferro é outro facto em Angola. Também tem registado situações desaconselháveis?

Nos caminhos-de-ferro há também algumas coisas que, na minha opinião, não estão feitas com a qualidade que deveria existir. Refiro-me concretamente ao caminho- -de-ferro de Benguela, que é estratégico, é um caminho- -de-ferro que tem uma justificação, que é o transporte do minério da República Democrática do Congo e da Zâmbia para o porto do Lobito, mas que não foi feito de forma a garantir a rentabilidade deste transporte, quer em termos das pontes (tem 97 pontes desde o Lobito até ao Luau), assim como temos limitações de cargas com vagões que não podem levar mais de 20 toneladas quando deveriam levar, no mínimo, 22 para poder competir com os transportes de carga das minas da Zâmbia; temos também limitações de velocidade muito grandes, e isso onera extremamente o transporte de minérios.

*César Silveira