Lisboa - O autor angolano Adolfo Maria denuncia o que chama de “cultura da exclusão”. “Angola: Sonho e Pesadelo” é o testemunho dos anos de idealismo e perseguição no movimento que lutou pela libertação de Angola.

Fonte: DW

O “sonho”, segundo o autor, era aquele pelo qual lutaram muitos angolanos contra o colonialismo português. “Era a construção de um país em que o povo fosse feliz e tivesse liberdade”, explica.

Uma parte desse sonho almejado pelos angolanos realizou-se com a libertação do jugo colonial. Os cidadãos angolanos passaram a ser livres e constituíram um Estado, diz o escritor, que foi dirigente da “Angola Combatente”, a emissora do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola).

Agostinho Neto, primeiro presidente de Angola, em 1974
Agostinho Neto, primeiro presidente de Angola, em 1974
No entanto, parte deste sonho acabou se tornando um pesadelo no período pós-colonial. “Inclusive com repressão sobre patriotas que tinham lutado contra o colonialismo português e pela independência nacional”, lamenta.

Ao comentar o seu trabalho, Adolfo Maria conecta a Angola idealizada na época com o atual momento do país. “Pelo menos o sonho que todos nós tínhamos era que a independência resultasse imediatamente no bem-estar geral do povo. Hoje há muita desigualdade social e económica em Angola. Isso deve ser resolvido”, sublinha.

“Revolta Activa”

Nas memórias de Adolfo Maria, há um facto que marca os primeiros anos após a libertação, em 1975.

Cinco meses depois da proclamação da independência, a 13 de abril de 1976, a direção do MPLA decidiu prender vários membros da chamada “Revolta Activa”, que veio a ser extinta depois.

A Revolta Activa era uma tendência dentro de Movimento Pela Libertação de Angola (MPLA), do qual o autor fazia parte. Surgiu em 1974, reivindicava a democratização do movimento.


Ele relata que os mentores daquela política repressiva acabavam adotando a mesma postura opressora contra os companheiros de luta.
“Eram pela supressão do outro, daquele que tem idéias diferentes”, disse.

Adolfo Maria conseguiu esconder-se e viveu cerca de três anos na clandestinidade, tendo voltado a Angola, depois da amnistia presidencial de 1978.

Democracia à angolana

Adolfo Maria acha que Angola é uma democracia ainda imperfeita, que precisa distribuir melhor as suas riquezas para contrapor as desigualdades sociais e económicas.

Para ele há muito trabalho a fazer tanto por parte da corrente política que detém o poder, como da oposição e dos cidadãos. O escritor salienta que, apesar da coação e hegemonia do partido no poder atualmente, “há uma imprensa que diz o que quer”.

Ele considera a liberdade de associação que existe hoje como uma grande diferença. “É radicalmente diferente daquela ditadura que punia até a morte”, opina. O escritor acha que os tempos de pesadelo já passaram.

Na apresentação feita na Quarta-feira (19/3), no repleto auditório da Universidade Lusófona, a juíza angolana, Francisca Van Dúnem, Procuradora Geral distrital de Lisboa, refere-se ao autor como um “combatente da liberdade”, que fez registro histórico através de uma narrativa dramática.

“Este livro é uma parte da história das organizações que lutaram pela independência de Angola. Poderia ser apenas a história do exílio interior de um homem. Mas, do meu ponto de vista, é muito mais do que isto. Um homem que se isola do mundo para escapar à repressão dos seus companheiros de armas”, disse a juíza.

Aliás, também é intenção do autor dar a conhecer, sobretudo à nova geração, uma parte da história de Angola, ainda por escrever. Segundo o professor catedrático, Adelino Torres, que assina o prefácio, “Angola precisa de uma história escrita por todas as facções”.