Pretória – Recentemente fui visitar em companhia de uns amigos (ou melhor, irmãos) alguns monumentos históricos e culturais que marcaram, e influenciaram, fortemente na história da República de África do Sul no tempo do apartheid.
                            Sambizanga: Where is the President's house?
Fonte: Club-k.net
Coincidentemente estes monumentos localizados no município de Johannesburgo, província de Gauteng, foram visitados em Dezembro último na véspera do funeral do histórico líder do African National Congress (em português, Congresso Nacional Africano), Nelson Rolihlahla Mandela, por Barack Obama, Presidente norte-americano, em companhia da sua esposa Michelle Obama.

Tratam-se do Museu do Apartheid (em inglês, Apartheid Museum), Hector Pieterson Museum e Mandela House (Casa de Mandela). Este último está localizado na rua Vilakazi, número 8115, Orlando West, Soweto.

No Museu do Apartheid fiz uma visita demorada, tendo em conta a sua dimensão estrutural e a forma como é descrito (com vídeos, fotografias e objectos) a história daquele país até no período em que o apartheid foi implementado e abolido, em 1994 (o ano que realizou as primeiras eleições, vencida folgadamente por Mandela), após causar um sofrimento imaginável e rios de sangue e lágrimas aos negros sul-africanos que eram tratados “piores que cães” pelos brancos, sobretudo os de origem boêr.

Vi e ouvi curtos e longos discursos e entrevistas do lendário Nelson Mandela, também conhecido por Tata (quer dizer papá) Madiba, antes e depois de ter sido eleito democraticamente (sem ajuda dos russos, chineses, brasileiros e espanhóis como aconteceu nas últimas eleições gerais realizadas em Angola) como Presidente da República de África do Sul, em 1994.

O que mais me impressionou foi, literalmente, a sua visão futurista (e convicta) de lutar por direitos iguais e sem discriminação racial. Em 1952, num discurso proferido em algures do seu país, Madiba falou e disse: “serei o primeiro Presidente negro deste país”. E assim aconteceu 42 anos mais tarde, depois de passar cerca de 27 anos numa cadeia de alta segurança em Cape Town.

Coincidência ou não, a Winnie Mandela – apesar do sofrimento vivido – também partilhava a visão de que um dia o seu então marido se tornaria Presidente daquele país. Numa entrevista exclusiva concedida a um canal televisivo estrangeira, poucos anos após a detenção de Nelson Mandela, a jovem Winnie afirmou seguramente, com os olhos fixados à câmera, que o seu marido seria o primeiro Presidente negro de África do Sul.

Neste museu encontram-se também patenteado alguns objectos pessoais de Mandela, utilizados antes e depois de se tornar Presidente, tais como “luvas de boxe”; instrumentos que utilizava na cadeia para partir pedras; o seu carro automático “Mercedes Bens”, cor vermelha, ofertado pela Mercedes após ter sido liberto da cadeia em 1990; o seu álbum onde contém algumas imagens fotográficas da sua família; algumas folhas de papéis onde constam os rascunhos dos discursos proferidos, etc..

Ainda neste museu vi e conheci, igualmente, a história de Steve “Bantu” Biko, um conhecido activista do movimento anti-apartheid, durante a década de 1960.

Biko foi, primeiramente, membro da União Nacional de Estudantes Sul-africanos (National Union of South African Students). Insatisfeito com a sua primeira organização participou na fundação, em 1968, da Organização dos Estudantes Sul-africanos (South African Students' Organisation - SASO).

Este movimento protestava contra a medida imposta pelo regime do apartheid, que segundo as quais os cidadãos negros não podiam estudar na mesma escola, ou universidades juntamente com os “estudantes” brancos. Talvez seja por isso que em 1972, tornou-se presidente honorário da Convenção dos Negros (Black People's Convention).

Em Março de 1973, no ápice do regime do apartheid, foi "banido". Steve Biko estava proibido de comunicar-se com mais de uma pessoa e de fazer discursos. Também foi proibida a citação a qualquer de suas declarações anteriores, tivessem sido feitas em discursos ou mesmo em simples conversas pessoais.

A 6 de Setembro de 1977, Esteve Biko foi preso num controlo rodoviário organizado pela polícia sul-africana. Levado sob a custódia. Foi acorrentado às grades de uma janela da penitenciária durante um dia inteiro e sofreu grave traumatismo craniano.

Em 11 de Setembro, foi embarcado em veículo policial onde seria levado para outra prisão. Biko morreu, aos 31 anos, durante o trajecto e a polícia justificou que a sua morte deveu-se pelo facto do mesmo ter feito uma greve de fome, durante os cinco dias em que esteve detido.

Fisionomicamente, Biko possuía alguns traços (a sua aparência e a forma enérgica como proferia os seus discursos, sem rascunhos) do lendário Comandante Nito Alves, que fora igualmente assassinado após os acontecimentos do 27 de Maio de 1977, ocorridos em Angola.

No dia 7 de Outubro de 2003, autoridades do Ministério Público sul-africano anunciaram que os cinco policiais envolvidos no assassinato de Biko não seriam processados, devido a falta de provas. Alegando também que a acusação de assassinato não se sustentaria por não haver testemunhas dos actos supostamente cometidos contra Biko.

Levou-se em consideração a possibilidade de acusar os envolvidos por “lesão corporal” seguida de morte, mas como os factos ocorreram em 1977, tal crime teria prescrito (não seria mais passível de processo criminal) segundo as leis do país.

No final da minha demorada visita a este local histórico, dirigi-me a Hector Pieterson Museum que na sua parte exterior se encontra o Hector Pieterson Square (localizado no Soweto), um local que no tempo do apartheid se registou um dos piores massacre contra menores de idade.

Mais de 100 adolescentes foram impiedosamente mortos à tiros pela polícia a 16 de Junho de 1976, dentre eles Hector, um adolescente de apenas 13 anos de idade. Dados extra-oficiais, apontam que o número real seria de mais de 300 vítimas.

Após a chacina, Hector Pieterson tornou-se um símbolo da revolta no Soweto a partir de uma fotografia feita por Sam Nzima. A imagem, que circulou em todo o mundo, mostrava Hector já morto, coberto de sangue nos braços de um desconhecido que decidiu ajudar o pequeno, ao lado de sua irmã mais velha que regressava da escola, fugindo os disparos da polícia.

O adolescente tornou-se posteriormente a face do massacre após a publicação daquela fotografia na imprensa mundial, no dia seguinte à tragédia. E ironicamente este [o pequeno Hector] transformou-se num dos símbolos da luta contra o apartheid.

Na altura da visita encontrei um grupo de turistas francês no local. O que mais me surpreendeu foi às palavras destorcidas da guia (dos turistas) que explicava, em francês, ao grupo que “(...)a história de um país é sempre escrita por aquele que ganha...”.

Pessoalmente achei deselegante as suas palavras, uma vez que a mesma, de raça branca, tentava justificar os actos, maquiavelicamente, cruéis praticados pelo regime do apartheid contra os negros sul-africanos, que somente exigiam o tratamento igual.

Por fim, depois de menos de uma hora, dirigi-me em direcção a Mandela House, ou melhor Casa de Mandela, cujo endereço é: 8115, Vilakazi Street, Orlando West, Soweto. Fiquei boquiaberta ao mesmo tempo fascinante no que constatei “in loco”. I can’t believe!!! Exclamei ao ver a residência onde viveu o então Presidente sul-africano e a sua família, durante 44 anos (isto é de 1946 a 1990).

Esta modesta residência (construída num terreno de 20x20), localizada num bairro comum e bem movimentado, fora doada pelo o próprio Mandela a Soweto Heritage Trust a 01 de Setembro de 1997, a fim de ser usada como um patrimônio histórico.

“Mandela House tem como missão proporcionar uma experiência eficaz, eficiente e significativo para todos os visitantes, informando-os sobre a história do Presidente Nelson Mandela, tanto no contexto de sua casa e no contexto de sua vida, de uma forma que promove os direitos humanos, a democracia, reconciliação, respeito mútuo e da tolerância entre os povos da África do Sul”, segundo a gerência do espaço.

Este espaço é gerido pelo Soweto Heritage Trust, em parceria entre a cidade de Joanesburgo, o grupo Standard Bank e do Departamento de Desporto, Arte, Cultura e Recreação de Gauteng. A 16 de Março de 1999, o Conselho de Monumentos Nacionais sul-africano declarou a mesma como um “Monumento Nacional”, segundo o Diário do Governo n.º 19.719, publicado em Fevereiro de 1999.

Ironicamente, ao reparar (o lado de fora) da “Mandela House”, lembrei-me do meu colega de profissão Makuta Nkondo que foi chamado, há escassos dias, pela Procuradoria Geral da República (PGR) pelo simples facto de questionar as origens, ou melhor, o local do nascimento do Presidente da República angolano, José Eduardo dos Santos.

Sem quer me meter no assunto (mas já me meti), embora seja também do meu interesse, considero ser legitimo a preocupação de Makuta Nkondo em querer saber mais sobre as verdadeiras origens do (seu) Presidente.

Quanto a mim, agora só pretendo saber, seriamente, o seguinte: Em que bairro nasceu, viveu e cresceu o nosso (ARQUITECTO DA CORRUPÇÃO E DA MISÉRIA) Zé Dú?

Por outro lado, lembrei-me das palavras do nacionalista Lúcio Lara quando conferia posse a este [José Eduardo dos Santos], em 1979, após a morte misteriosa do sanguinário Agostinho Neto na Rússia, ter dito de boca cheia que ele (JES) nascera em algures de Luanda. Sem, no entanto, especificar, concretamente, o local.

Durante estes todos os anos, ouvem-se várias vezes a dizer que o Presidente da República nasceu e viveu no bairro Sambizanga (mais conhecido, no tempo colonial, por Bairro de Lata). E os mentores dessa balela, nem mesmo o próprio JES, nunca conseguiram apresentar publicamente uma residência (que não se sabe de concreto se é de chapa ou de madeira), ou mesmo a rua onde esta localizada a mesma.

Por conseguinte, seria de louvar caso verdadeiramente fosse esclarecido este mistério da “casa” deste patriota (como quer ser lembrado) para que o nosso Ministério da (des)Cultura juntamente com as outras instituições competentes, transformassem aquilo num “José Eduardo dos Santos House”, para que a geração vindoura pudesse conhecer, pelo menos, o lugar onde este viveu.