Luanda - O anúncio da suspensão dos agentes dos serviços de fiscalização da província de Luanda feito pelo governador Bento Joaquim Sebastião Francisco Bento, serviram de incentivo a várias vendedoras ambulantes para transformarem as ruas da capital num mercado a céu aberto.

Fonte: NJ
A intenção foi anunciada na manhã do dia 14 de Março, durante um discurso no pavilhão anexo à Cidadela Desportiva, um dia antes da realização de uma anunciada manifestação (que não chegou a acontecer) convocada pelo Movimento Revolucionário para protestar contra os maus tratos de que são vítimas as zungueiras.

Uma semana depois das declarações de Bento Bento, é visível em diversas artérias da capital um "aumento assustador" de vendedoras ambulantes. O aumento nota-se sobretudo nos arredores do cine São Paulo, no distrito urbano do Sambizanga. Mariana Almeida, residente a escassos metros do cine local, contou que as "coisas pioraram" desde o início da semana.

"Na segunda-feira, quando saí de casa para ir para a escola, assustei-me com o aumento de zungueiras na paragem. Primeiro, pensei que talvez fosse falta de táxi, mas depois apercebi-me que eram mesmo zungueiras que aumentaram", contou a jovem estudante.

A vender defronte ao banco BFA, ainda nos arredores do cine, Mãezinha, zungueira de 17 anos, confirmou que estava a vender naquele local "há dois dias". Anteriormente, a jovem vendia fraldas descartáveis na praça Pombinha, situada ao lado do campo Mário Santiago, distrito do Sambizanga. Questionada sobre o que a motivou a trocar de local, Mãezinha contou que foi alertada por uma colega da zunga.

"Uma amiga minha é que me disse que aqui os fiscais e a polícia já não estão a bater nem a dar corrida, isto porque o governador lhes ralhou", explicou a jovem. Em seguida, continuou a zungar, indiferente à curiosidade.

TAXISTAS E ZUNGUEIRAS

O Novo jornal deslocou-se até ao bairro Cuca, município do Cazenga, onde testemunhou uma disputa entre os taxistas e as zungueiras. Os escassos pontos para os taxistas embarcarem e desembarcarem os passageiros são cobiçados pelas zungueiras. Dada a concentração de pessoas, é ali que as vendedoras ambulantes preferem comercializar os seus produtos, facto que origina muita confusão e brigas constantes.

António Pedro, taxista que opera na rota Cuca-Estalagem, reclama pelos transtornos causados pelo aumento de vendedoras ambulantes e crítica a decisão do governador de Luanda. "O governador não deveria prometer suspender os fiscais daquela forma, mas sim desencorajar apenas os maus tratos, porque deste jeito só incentiva mais as zungueiras e agora estamos a sentir as consequências. É certo que elas não merecem ser maltratadas, mas também não podem vender em qualquer sítio", reclamou o automobilista.

Confrontada com a reclamação do taxista, Aninha, vendedora de carne, gritou: "Os nossos filhos vão comer o quê? Eles (o Governo) que construam praças suficientes para vendermos e têm de estar bem localizadas", disse. Para reforçar, outra zungueira frisou: "O governador sentiu que nós iríamos parar a cidade, por isso, mandou os fiscais deixarem de nos incomodar".

Outro "posto avançado das zungueiras" é na Vila de Viana. Antes das declarações do governador de Luanda, os transeuntes e automobilistas circulavam "um pouco à vontade", agora, contaram ao NJ, "a situação é aterrorizante". "Isso agora está mesmo mal. Parece que estamos numa peregrinação à Muxima", adiantou Aires Bernardo, numa altura em que se dirigia à escola. As tardes dos últimos dias têm sido um "caos" na vila de Viana.

Ao anoitecer, a paragem de táxis para a zona do Zango fica completamente lotada. Tal como no São Paulo, muitos dos que foram interpelados pensaram que havia escassez de táxis, mas tomaram logo conhecimento que a "confusão" se devia ao aumento de vendedoras na paragem. "Confesso que também pensei que os taxistas fizeram greve ou que havia operação da polícia, mas afinal foram as vendedoras que aumentaram", atestou Gizela Fausto, no momento em que aguardava pelo táxi.

"Estão a causar muito embaraço, como lixo nas ruas e até aumento de bandidos", queixou- -se. Fatinha, que ganha a vida na zunga, denuncia a cobrança de 15 mil kwanzas por um lugar nos mercados formais. Segundo a vendedora de peixe, a cobrança deste valor pelas administrações dos mercados dificulta o acesso a muitas zungueiras, não lhes deixando alternativa senão à rua. "Os que estão a dizer que não queremos ir para as praças são os mesmos que cobram 15 mil por cada espaço. Agora me diz como vamos conseguir vender ali?", indagou Fatinha.

O aumento de zungueiras e, consequentemente, do lixo notam-se também nos arredores do mercado dos Congolenses, no distrito urbano do Rangel, e ao longo da estrada nacional 230, nos bairros Grafanil e Estalagem, ambos no município de Viana.