Luanda - A Procudoria Geral da República (PGR) quer fazer o jornalista Tandala Francisco sentar-se no banco dos réus porque o semanário que então dirigia, “A Capital”, publicou uma entrevista com Makuta Nkondo, onde o conhecido fazedor de opinião “carimbou” de forma extensiva os integrantes do Processo 50 com adjectivos considerados insultuosos para a sua honra.

Fonte: O País
A mesma PGR promoveu esta semana Luanda um seminário sobre Direitos Humanos, com o propósito de formar os magistrados do MP sobre como se deve fazer a articulação entre as diferentes convenções internacionais relativas aos direitos humanos de que Angola é signatária e a legislação em vigor na República.

O que é que as duas coisas têm a ver uma com a outra?
Aparentemente nada, mas só mesmo aparentemente, porque na minha avaliação os Tribunais angolanos de uma forma geral ignoram de forma recorrente o direito fundamental que é a liberdade expressão/ imprensa ao abrigo do qual se exerce a actividade jornalística.

Diríamos que os magistrados, sejam do MP como os judiciais, passam a vida a assobiar para o lado, como se a liberdade de imprensa fosse um corpo estranho ao ordenamento jurídico em vigôr, salvaguardadas as merecidas excepções, pois também já se registaram absolvições.

Sente-se que há mesmo uma subalternização para não falar já em humilhação, pois a liberdade de imprensa é sempre colocada na dependência dos chamados direitos de personalidade, mas não só.

Aqui também se incluem os sigilos para todos os formatos que andam por aí a ameaçar-nos a livre circulação de pessoas e bens com volumosos anos de cárcere.

Os Tribunais angolanos condenam os jornalistas no exercício da sua profissão, como foi o recente caso do repórter da Rádio Despertar, ignorando que naquela cobertura poderia estar um bem maior a proteger, pois todos sabemos que nas esquadras policiais cometem-se muitos crimes contra os detidos que devem merecer a pronta denúncia pública.

No caso do jornalista Francisco Tandala as coisas ainda são mais complicadas, pois antes de mais nem sequer foi ele que fez a entrevista, embora a época dos factos fosse o Director do jornal, numa altura em que até se encontrava ausente do país.

A CRA-2010 recomenda no seu art.26.2.3 que os “preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos e os tratados internacionais sobre a matéria, ratificados pela República de Angola.

Na apreciação de litígios pelos Tribunais angolanos relativos à matéria sobre direitos fundamentais, aplicam-se os instrumentos internacionais referidos no numero anterior, ainda que não sejam invocados pelas partes”.

Não gostaria de chegar a esta conclusão definitiva, mas para já a impressão que tenho do poder judicial no seu relacionamento com a liberdade de imprensa e os jornalistas não é das melhores.

É má!

A impressão que tenho é que os Juízes e os Procuradores deste país, de uma forma geral, ignoram que a liberdade de imprensa é um direito humano fundamental.

Os Juízes e os Procuradores destes país ignoram que a liberdade de imprensa é também um dos mais eficazes limites ao poder discricionário de todos aqueles que acham que são mais iguais do que todos os outros e ao abrigo deste “sombreiro” fazem muitas vezes o que bem lhes dá na real gana.

Condenar jornalistas por dá cá aquela palha é a mensagem que hoje o poder judicial angolano mais envia a sociedade, colocando-o numa situação de grande desequilíbrio em termos de credibilidade.

Esta semana tivemos conhecimento de mais um caso de um jornalista, o César Silveira, que foi condenado em 2008 por ter feito uma entrevista com alguém que fez uma acusação a uma terceira pessoa.

A lei de imprensa diz no ponto 4 do art. 73 que “tratando-se de declarações correctamente reproduzidas prestadas por pessoas devidamente identificadas, só estas podem ser responsabilizadas”.

Os Tribunais/MP violam assim a lei de forma sistemática, o que é preocupante. É preocupante que numa democracia o poder judicial esteja unido e orientado a combater a liberdade de imprensa.

A não existir o artigo 73 da Lei de Imprensa não era possível fazer entrevistas e os jornais teriam sempre problemas em publicar artigos de opinião.

No caso do processo em que o César foi condenado, o lesado fez bem em apresentar a queixa, mas o tribunal fez muito mal em condenar o jornalista por este facto, que por si só não devia configurar nenhum crime, já que uma entrevista, sendo um espaço de opinião, o único responsável pelas afirmações proferidas é o entrevistado e nunca o entrevistador.

Mais grave (ou estranho?) do que isso neste caso, é que embora o lesado se tivesse queixado contra a pessoa que deu a entrevista ao César, o MP apenas quis saber do jornalista que conduziu e publicou as afirmações que terão lesado a honra do queixoso.