Luanda - Foi no fim de semana antepassado que a produtora Life Is Music organizou o polémico concerto da cantora brasileira Ana Carolina. Agendado para as 21.30 de Sábado, 29 de Março, o concerto apenas se concretizou as 14.30 de Domingo, 30 de Março. Isto deveu-se a alegadas “razões técnicas alheias a organização”.

Fonte: Club-k.net

Na indústria de produção de espectáculos, imprevistos são a “ordem do dia”. Portanto, a ocorrência de inconvenientes durante a organização de um evento é mais que natural. O que não é tão natural assim é a forma que foi adoptada para se lidar com tais imprevistos.

Eram 23.00 quando a equipa da organização decidiu se pronunciar sobre o quadro vigente. Antes disto, as pessoas que se deslocaram ao local para presenciar o evento foram, literalmente, abandalhadas. Não houve sequer tentativa de acomodamento por parte da organização.

Não se envidaram esforços nenhuns no sentido de amenizar o processo de espera a que os espectadores foram sujeitos. Não se providenciaram cadeiras, refrescos, petiscos, informação... Nada! Os presentes foram simplesmente, após a longa espera, informados do cancelamento do concerto e de que o mesmo se realizaria no dia seguinte.

E então os planos de Domingo? E então as babás contratadas para tomar conta das crianças na noite de Sábado? E então os casais recém-apaixonados que ficaram horas a fio aguardando pelo seu primeiro encontro romântico e ao invés terão este fiasco como recordação? E então as forças mobilizadas (visivelmente espalhadas por todas as vias relevantes) para garantir a segurança do Presidente da República na sua deslocação ao referido concerto?

Pelos vistos, nenhum destes aspectos causou algum tipo de incómodo. Chegou o Domingo e a sala estava cheia. O evento foi um verdadeiro sucesso (maioritariamente graças à qualidade e profissionalismo da artista contratada) e até contou com a presença do Presidente da República, José Eduardo dos Santos.

Os meus parabéns à “Life is Music”, pois para se conseguir alcançar este sucesso após as complicações ocorridas no evento anterior (o concerto de Seu Jorge) e após os inconvenientes na véspera, só mesmo com muita competência; com mérito... Ou não?

Existem muitas empresas dedicadas ao desenvolvimento da actividade de produção de espectáculos no mercado nacional, mas infelizmente nem todas com a mesma competência. Temos boas referências, como o festival Sons do Atlântico e o Show do Mês, mas é impossível ignorar os exemplos mais negativos, como é o caso das burlas da Casablanca e dos fiascos da Life is Music.

Aparentemente as produtoras fazem o que bem entendem sem dar satisfações a quem quer que seja. Não existe, pelo menos de forma evidente, um instrumento de protecção do consumidor. Não existe um órgão regulador desta actividade, capaz de aplicar sanções e até anular licenças em caso de incumprimento.

Se assim for, a qualidade do serviço é uma prerrogativa única e exclusiva da entidade responsável pela organização do evento. A este aspecto adiciona-se o facto de que não obstante os fiascos e burlas ocorridos, os eventos realizados por estas e tantas outras produtoras continuarem a contar com a aderência em massa do público.

Um dos factores determinantes no asseguramento da qualidade de um produto é a procura pelo mesmo. Em outras palavras, um produto de maior qualidade vende mais que um produto de qualidade inferior porque o consumidor deseja sempre a melhor qualidade que seja acessível para si. É assim que deveria ser, mas infelizmente esta dinâmica ainda não é tão óbvia em Angola.

No nosso país, o sucesso de um produto muitas das vezes pouco reflecte a qualidade do mesmo. Quando isso acontece, o interesse em garantir a melhor qualidade possível por parte dos produtores desaparece, deixando lugar apenas à procura do lucro fácil. E tudo isso devido ao facto do consumidor angolano não ser tão exigente como deveria. Isso não se aplica apenas no ramo de eventos, é antes um fenómeno generalizado.

Os nossos padrões ainda estão muito abaixo do que deveriam ser. E o mais agravante é que eles crescem a um ritmo muito mais lento que o do progresso que se verifica, um pouco por todo o país mas particularmente em Luanda.

Por exemplo, organizamos concertos com cantores respeitados a nível internacional em que os ingressos disponibilizados ao público têm um preço astronómico, mas infelizmente os padrões deste concerto são muito precários. Para um concerto deste cariz, a qualidade de som, luz, a sala em si e todos os outros aspectos inerentes à actividade devem ser excepcionais. O concerto deve ser um verdadeiro espectáculo.

Não se justifica a permanência do público no local do evento às escuras a aguardar por uma informação até muito pra lá da hora marcada para o seu início. O público deveria se retirar ao passar a hora marcada e tomar uma atitude diante do responsável pela organização. Exigir o reembolso e quem sabe até mover uma acção judicial contra a entidade em causa.

Adicionalmente, ao remarcar a data do evento, não houve evidência de consideração nenhuma para com o cliente. Para além das inconveniências mencionadas anteriormente, um show que era suposto acontecer durante uma noite de Sábado é completamente descaracterizado ao ser remarcado para a tarde doDomingo seguinte.

Por último, o facto do Presidente da República ter brindado este mesmo show com a sua presença reflecte perfeitamente a dimensão do desdém à cultura domérito no nosso país. A sua aparição, não obstante as falhas da noite anterior e não obstante ao facto de que a realização tem sido incapaz de desempenhar as suas actividades a um nível aceitável desde a sua concepção, simboliza não só uma indiferença mas como também uma aprovação do “modus operandi” da companhia responsável pelo evento.

Esta permissividade que se verifica de maneira generalizada na nossa sociedade inibe automaticamente o seu progresso. Enquanto nos sujeitarmos a este desrespeito a que somos submetidos impávidos e serenos não haverá mudanças.

No dia em que nos indignarmos com esse tipo de tratamento, no dia em que exigirmos que as coisas se façam como devam ser feitas, no dia em que decidirmos que queremos ser tratados condignamente, talvez aí haverá melhoria. Não apenas em concertos mas de forma transversal no que concerne a sociedade. Até lá, avizinha-se o que promete ser mais um grande sucesso – Rui Veloso em Luanda. Quem sabe desta vez...

Victor de Barros