Luanda - O efectivo da Direcção Provincial de Investigação Criminal, José Jorge Cerqueira, ouvido, nesta semana, na condição de declarante, disse que a ré Judith Maria Graça da Silva, 39 anos, depois de tentar ludibriar as investigadores com versões pouco verídicas sobre o sucedido, a dado momento confessou a autoria do assassinato de Bárbara de Sá Nogueira.

Fonte: A Capital 

E mais: disse que matou por ciúme. Foi neste momento que Judith revelou, às autoridades policiais, que a vítima e ela mantinham uma relação amorosa.

O investigador tratou ainda de esclarecer que a arguida confessou de livre e espontânea vontade, ou seja, longe da agressão de que, agora em tribunal, ela se queixa de ter sido alvo.

Na passada quinta-feira, 24, decorreu o terceiro dia sessões do julgamento de Judith Maria da Graça da Silva. Conforme o previsto, foram ouvidos mais declarantes, num grupo extenso em que teve maior revelo a cidadã Luísa Menezes, mãe da vítima, Bárbara Sá Nogueira, supostamente assassinada por Judith da Silva. Dignos de destaque, entretanto, foram também os depoimentos do marido da vítima Atos Sá Nogueira e, por outro lado, de José Jorge Cerqueira, um dos investigadores encarregues, então, de esclarecer o crime.

Se o depoimento dos familiares da vítima teve o condão de emocionar a assistência, o pronunciamento do investigador José Cerqueira foi, pois, fundamental para esclarecer os factos, bem como para sanar algumas dúvidas subsistentes ao redor da instrução do processo. Foi este cidadão, estamos lembrados, que conseguiu levar a ré a mostrar onde tinha ocultado o cadáver e, posteriormente, a confessar a autoria do crime de homicídio voluntário.

Aquele investigador era, por coincidência, primo da vítima Bárbara Sá Nogueira. Mas despiu-se desta condição para, perante o juiz da causa, Sebastião Luís Manuel, explicar os contornos do seu trabalho. Segundo explicou, trabalhou no processo até Judith ter mostrado onde depositou o cadáver e, consequentemente, ter confessado a autoria do crime.

Segundo José Cerqueira, para chegar até Judith as autoridades policiais tiveram de recorrer às câmaras de vigilância do Condomínio Vilas de Luanda, onde ela residia, onde foi cometido o crime e onde foi encontrada a viatura da vítima. Nas câmaras da agência do Banco Millennium Angola, onde a vítima funcionava, não se conseguiu apurar nada. Mas já nas gravações das câmaras do restaurante, localizado mesmo por baixo do edifício em que residia a ré, Judith e Bárbara foram vistas juntas, a almoçar.

Ao ver o vídeo, o investigador disse ter notado flagrantes contradições, nas primeiras declarações prestadas pela ré com a realidade que lhe era dada ver através das imagens. Ao ser ouvida, primeiro, Judith disse aos investigadores que ela e a vítima chegaram juntas ao restaurante. Porém, o vídeo mostra justamente o contrário: que a ré chegou primeiro e a vítima levou ainda largos minutos até fazer-se ao local. Ao chegarem, ambas saudaram-se com dois beijos e abraços como se tivessem visto, naquele dia, pela primeira vez.

Mas outros elementos revelaram-se fundamentais para a versão final dos factos, conforme apresentada, pela Polícia, ao tribunal. Um rastreio telefónico revelou que Judith foi a última pessoa a falar com Bárbara. Desde então, “o telefone de Bárbara deixou de dar sinal, desde que ela foi, na quarta-feira referida, ao encontro de Judith na sua casa”, frisou.

José Jorge Cerqueira disse, por outro lado, que sendo primo da vítima, e funcionário da DPIC, tão logo foi dada como desaparecida, os familiares informaram-no a propósito. Desde o princípio, Judith, hoje ré, foi vista como a principal suspeita. Num exemplo prático, das razões que levaram a suspeição recair sobre si, foi quando o investigador ligou para ela a fim de se deslocar à Direcção Provincial de Investigação Criminal (DPIC) ao que ela rejeitou, afirmando impossibilidade por se encontrar em Viana, concretamente no Zango. No entanto, essa informação contrastava com o rastreio do seu telefone, que indicava a Maianga, no centro da cidade, como o local em que se encontrava realmente.

Os investigadores puseram-se, então, em campo. Mas para que Judith prestasse as primeiras declarações, ela teve de ser surpreendida pelos especialistas. Foi “apanhada” nas imediações da escola Njinga Bandi, quando se encontrava à conversa, no interior da sua viatura, com o marido da malograda e um cunhado identificado como Carlos.

Sábado, 02, isto é, quatro dias depois do desaparecimento da vítima, ela foi, então, foi convidada à deslocar-se à DPIC onde, na sua primeira versão, disse ser inocente e não ter conhecimento do paradeiro da vítima.

Já domingo, 03, depois de ver as câmaras de vigilância do restaurante do Condomínio Vilas de Luanda, o investigador notou que Judith omitiu, nas suas primeiras declarações, várias informações e falseou outras tantas. José Jorge Cerqueira voltou a convoca-la para comparecer nas instalações da DPIC. Ela apareceu, porém, desta vez acompanhada de vários membros da sua família, trazendo na algibeira uma outra versão dos para os factos. “Disse que a sua amiga estava morta e que teria sido executada pelo seu amante, um cidadão português que ela conhecia e que sabia onde o mesmo vivia”.

Perante tal informação, aqueles operativos pegaram em Judith e foram ao encontro do referido cidadão português. Este, nas instalações da DPIC, foi colocado frente a frente com ela. Mas, para o espanto dos investigadores, Judith não conseguiu argumentar a sua tese inicial. Ela disse ao português, segundo o investigador: “tu me conheces e sabes que eu sei que foste tu que matou a Bárbara”.

Assustando, o cidadão estrangeiro disse que não a conhecia e que não conhecia a vítima. Fazendo fé no que dizia, apresentou o passaporte onde constava que, no período em que ocorreu o crime, ele não se encontrava no país. “Tinha mulher, um filho e não tinha uma amante”.

Vendo o seu álibi desmascarado pela segunda vez, Judith reuniu a família. A esses terá confessado a autoria crime, pelo que foi aconselhada a faze-lo também à Polícia. “Numa segunda-feira, ela veio com alguns membros da sua família e confessou o crime, posteriormente levou-nos ao local onde estava o corpo e, aos choros, contou que matou a amante por ciúme”.

O especialista disse que, naquele momento, para não interferir no processo, por se tratar de família da malograda, abandonou o caso. Questionado se a mesma confessou sob tortura, como alegou no seu depoimento, José Jorge Cerqueira, jovem de 30 anos de idade, dez dos quais como investigador criminal, disse que não. “Nego categoricamente, pois a ré fez a confissão de livre e espontânea vontade”.

Por outro lado, disse que o corpo da sua prima foi encontrado envolvido em sacos pretos, de lixo, já em estado avançado de decomposição. Curiosamente, os advogados de defesa questionaram o investigador sobre quem autorizou o rastreamento das ligações da ré e em que circunstâncias obtiveram os vídeos.

Aquele jovem investigador, que demonstrou muita firmeza nas suas declarações, explicou: “as ligações, foi tudo na base de um ofício do meu director para a UNITEL, assim os extractos fazem parte dos autos”. Quanto aos vídeos, explicou, vídeos “foi da minha livre e espontânea vontade e, como não tive autorização para tal, não fazem parte dos autos”.

Marido em defesa da esposa: “Não havia amante nenhum”

Atos Sá Nogueira, viúvo, revelou que até antes do desaparecimento da sua mulher não conhecia a ré, Judith. Disse que tinha uma relação com a vítima de quase 20 anos. “Nunca conheci a ré e, até onde sabia, a minha mulher era amiga da Fernanda, irmã mais velha dela, recordo-me de a ter visto duas vezes ela, a primeira, quando estava a vender mobília de quarto para crianças e, a segunda, quando a minha mulher me pediu para ir ter com ela porque tinha sido agredida pelo marido”.

Apesar de as primeiras versões do móbil do crime darem conta de um possível envolvimento de Bárbara com um outro homem, Atos Sá Nogueira disse que nunca acreditou nisso, pois tal história foi criada pela Judith para se poder safar. “Antes de ela ir presa, quando falei com ela, me tinha dito que a minha mulher tinha um amante, pedi-lhe uma prova e, até hoje, não conseguiu me apresentar”.

Atos Sá Nogueira, quando questionado para definir a sua relação, disse sem pestanejar: “a minha relação era tudo de bom, eu e a minha mulher não tínhamos problemas”. Perguntado onde estava quando a sua mulher desapareceu, ele referiu que se encontrava em Cabo Verde. “Apercebi-me que a minha mulher estava desaparecida no dia 30, à noite, ainda em Cabo Verde. No dia 31, como tinha voo para Angola, regressei imediatamente em solo angolano, fui logo apresentar queixa na esquadra mais próxima, pelo que me disseram já existir uma queixa sobre o facto”, esclareceu.

Questionado, pelo juiz Sebastião Luís Manuel, das razões que o levaram desde o início a desconfiar de Judith, quando a última pessoa que jantou com sua esposa foi Ana Cláudia, ele respondeu que a própria Ana Cláudia, amiga do casal, é quem lhe disse para investigar bem a Judith.

“Porque ela poderia saber onde estava a mulher, afinal, no dia em jantavam, mesmo depois de a minha mulher ter passado o dia com a ré, de noite a ré ainda ligava constantemente, mandava mensagem e mais mensagens, dizendo que pretendia estar com a minha esposa com urgência”, justiçou.

Segundo o declarante, esposo da malograda, a sua esposa foi ter à noite com Ana Cláudia depois de deixar Judith, que estava embriagada, num Hotel na cidade de Luanda para descansar. À Ana Cláudia foi entregar 20 mil dólares, que a mesma pediu para cambiar, já que pretendia viajar para Lisboa, no dia seguinte.

Para Atos, nada lhe espanta se a motivação da morte da esposa foi o dinheiro de Ana Cláudia que ela tinha em sua posse. “A ré Judith sabia da existência do dinheiro e, pelo que já me disseram dela, antes da minha esposa já havia assassinado um rapaz, roubado o filho na Holanda... Entre outros casos. Então eu achei que tudo era possível”.

Na instância dos advogados da defesa, Judith foi dada a palavra à Judith para que se defendesse das acusações de Atos. Ela disse: “fiz o que qualquer mãe faria na minha condição para recuperar o seu filho, meritíssimo juiz, a justiça Holandesa me tinha recebido o meu filho durante oito anos e para o reaver tive de o roubar. Quanto às outras situações, desconheço”, frisou.

“Era uma ilustre desconhecida”

Luísa Menezes, a mãe de Bárbara Sá Nogueira, disse que até antes do desaparecimento da filha a sua família nunca tinha visto Judith, pelo que espanta, agora, saber da existência de uma amizade de longa data entre ambas. “A minha filha me contava tudo e nunca me tinha dito sobre a ré”, explicou.

Por outro lado, disse que a filha era uma pessoa de poucas amizades devido ao seu apertado trabalho. “Na casa dela, dificilmente recebia amiga”. Para a mãe, Bárbara era a filha que cuidava de si. “Uma filha atenciosa e sinceramente se ainda estou em vida hoje é graças à Deus”, frisou.

Por outro lado, Luísa Menezes lamenta que nos últimos tempos tenha tido problemas com o genro. Este, segundo ela, a proíbe de ver as netas, assim como não fala com ela. “Ele não me cumprimenta, não me deixar ver as minhas netas e, pior, são as minhas primeiras netas senhor juiz”.

Se para o genro a sua relação era tudo de bom, para a mãe em conversa com a filha disse que a dado momento esta lhe terá confessado que nos últimos tempo a sua relação não ia bem e só o facto do marido não dormir na rua era o que ainda dava alegria ao lar.

Para ela, que diz que a sua vida jamais voltou a ser a mesma desde que morreu a filha, o único desejo é que se faça justiça, afinal “não é fácil perder uma filha de 38 anos de idade, formada e amiga”.