Cidade da Praia - O antigo primeiro-ministro angolano Lopo do Nascimento afirmou recentemente, na Cidade da Praia, ser uma "falácia" considerar que Angola é um caso de "apego ao poder" de José Eduardo dos Santos, na presidência há 35 anos.

Fonte: Lusa

"Tivemos 30 anos de guerra e em guerra ninguém muda nada. Não se pode mudar a direção quando se está aos tiros, quando se tem um inimigo à frente. Isto é uma falácia", disse Lopo do Nascimento aos jornalistas, à margem do fórum "Cidadania e Integração Regional", que decorreu no sábado na capital cabo-verdiana e promovido pelo Instituto Pedro Pires (IPP) para a Liderança.


Questionado sobre se os problemas que o "apego ao poder" têm causado sobretudo no continente africano, o primeiro chefe e Governo da Angola independente (1975/78) pôs em causa a própria expressão, considerando que o tema não pode ser posto de forma isolada.

"Não sei se é bem o termo que devemos utilizar, o desapego ao poder. Há várias condições que levam a que os partidos, ou os líderes, estejam mais tempo (no poder) daquilo que é normal. Penso que cada país, cada líder, deve ver quais são as condições", sustentou.

Para Lopo do Nascimento, também um dos convidados para as celebrações do 80.º aniversário do ex-presidente cabo-verdiano Pedro Pires, atualmente, já "é possível mudar", uma vez que Angola está "calma".

"Hoje é possível mudar. O país está calmo, Mas, em guerra, quem é que vai mudar? Como é possível fazer eleições em tempo de guerra e quando o próprio Governo não tinha o controlo de todo o país? Não é possível", afirmou.

"Quando se diz que fulano tal está há tantos anos no poder, esquecem-se que o país esteve em guerra e que só há dez anos chegou a paz, que só há dez anos é possível andar de norte ao sul, que só há dez anos é que se sabe quantos pessoas havia", disse.

Instado já sobre o que falta para que África se imponha no contexto económico, político e social no mundo, defendeu que o futuro passa pela formação de uma juventude.

"(Falta) os jovens envolverem-se, sem complexos, numa transversalidade que é importante. Acontece muitas vezes dizer-se: «não falo contigo porque és de outro partido», «Não discuto contigo porque o meu partido é este". Há problemas comuns a todos os jovens, que devem sentar-se, independentemente do partido a que pertencem, porque há problemas que são nacionais, transversais, a todos os jovens", defendeu.

Transpondo a questão para Angola, Lopo do Nascimento admitiu que o mesmo se passa no país.

"Angola é um país africano e também temos (esse problema). Há problemas que são comuns a toda a juventude e a toda a Nação e é preciso que os jovens se sentem e discutam caminhos, independentemente do partido que mais fez", acrescentou.

Sobre se é possível criar-se uma União Africana (UA), adaptada a África, à imagem da União Europeia, Lopo do Nascimento considerou que não, uma vez que o continente africano tem estádios diferentes de desenvolvimento.

"Precisamos, principalmente os partidos políticos africanos, de construir a Nação e deixar de dizer «eu sou o chefe da tribo tal, sou chefe da etnia tal». À exceção de alguns países, os partidos políticos africanos surgiram com base étnica e cultural. Podem integrar outras etnias, serem um pouco mais transversais, mas cada um tem a sua particularidade.

"Cabo Verde, como país insular, tem a sua particularidade e a África Austral também, pois congrega países multiétnicos e multirraciais, o que é diferente", concluiu.