Luanda - CICLO DE CONFERÊNCIAS SOBRE  A PAZ E A ESTABILIDADE NA ÁFRICA AUSTRAL   14 DE MAIO DE 2014: A Integração Regional como factor de Estabilidade: Angola no Contexto da SADC

Ilustres convidados

Senhoras e Senhores

Aceitei, com muito prazer, o convite que me foi dirigido pela Comissão Organizadora deste Ciclo de Conferencias, para falar da Integração Regional como factor de Estabilidade e da posição de Angola no contexto da SADC.

 

Achei pertinente retomar a ideia que o Deputado Eugénio Ngolo Manuvakola partilhou connosco, na primeira conferencia que realizamos, quando dizia : “  Se a Resistência Popular Generalizada não tivesse tido sucesso na defesa da Jamba, a partir do Cuito-Cuanavale, o curso dos acontecimentos na região austral do continente teria sido totalmente diferente. Actualmente, a sub-região austral projecta o seu futuro com os grandes desafios da integração regional, para o bem-estar dos seus povos”. Fim de citação.

 

Por outras palavras, devo enfatizar, partindo desta reflexão,  que a não realização dos objectivos militares defendidos pelos países do bloco de leste, nomeadamente pela União Sovietica e Cuba, no teatro das operações do Kuando Kubango, no fim da década dos anos 80,  é que definou a actual geopoltica regional. 

 

A minha apresentação terá dois momentos. No primeiro, falaremos de alguns conceitos e teorias que sustentam os processos de integração e de cooperação. No segundo momento, falaremos em síntese da SADC e do papel de Angola nesta organização regional.

 

Do ponto de vista da história, o fim da segunda guerra mundial favoreceu a redinamização dos processos de integração regional em quase todos os continentes, promovida pela acção dos factores estruturantes das relações internacionais que são : (1) o Direito internacional (2) a concertação multilateral; (3) a diplomacia permanente e (4) a promoção da economia de mercado.

 

Deste modo, existem várias teorias que sustentam os processos de integração e entre estas sobressai a teoria neofuncionalista, de David Mitrany, romeno de nascimento e cidadão inglês por adopção que morreu em 1975 e que contribuiu bastante para a conceptualização  do processo de integração da UE.

 

Com base nas suas reflexões, interessa frisar, que um dos traços essenciais de qualquer processo de integração regional reside no facto de que a soberania dos Estados membros é compartilhada entre várias instituições intergovernamentais, empenhados na construção de uma soberania supranacional, em detrimento das soberanias nacionais.

 

De facto, os Estados que decidem integrar perdem parte da sua soberania, transferindo-a para um órgão supranacional, no caso Europeu, para Bruxelas, tida como capital da UE, e no caso da SADC, para Gaberone, que é capital da República do Botswana.

 

Assim sendo, a teoria neofuncionalista realça no âmbito dos processos de integração as vantagens competitivas não só entre os Estados membros de uma determinada região, mas também  entre os diversos grupos de interesse regionais através de um processo empreendedor, inovador e dinâmico

 

que aumenta de forma crescente a interdependência política e económica dos respectivos Estados. Este processo de interdependência e complementaridade  contribuiu, efectivamente, para a promoção da paz, da estabilidade regional e do desenvolvimento das comunidades nacionais. 

 

Mas, com base nesta perspepctiva, os teóricos da integração argumentam que  “ um processo de integração regional bem sucedido  deve ser liderado por entidades politicas que estejam dispostas a integrar, que tenham, de facto, vontade política suficiente de descentralizar e estejam dispostas a utilizar os seus recursos e o seu poder, para  promover a cooperação e a integração.

O processo de integração da UE, iniciado com a assinatura do Tratado de Roma em 1951, e que se arrasta há mais de 50 anos, reflectiu a vontade política de integrar, da França, da Alemanha, da Belgica, da Itália, do Luxemburgo e dos Paises Baixos com vista a construção da paz, da segurança colectiva e da estabilidade regional para a Europa Ocidental. 

Depois desta breve retrospectiva histórica, vamos analisar as várias etapas do processo de integração para se poder entender o alcance político da integração.

 

Primeiro, há que se distinguir, o conceito de integração económica de outros processos de cooperação.

 

Nesta base,  a integração, é tida como um conjunto de esforços que procuram criar maior interdependência entre países através da remoção de barreiras  e de outros constrangimentos com o intuito de facilitar, as relações politicas, o comercio e o desenvolvimento”.

 

Logo, a integração regional visa criar fortes laços de interdependência entre os Estados membros, através de vínculos jurídicos, dotados de obrigatoriedade, e com perda de soberania, enquanto que a cooperação económica, que é complementar, visa, “ reduzir os níveis de discriminação entre países, por intermedio de acordos e protocolos, sem compartilhar, nem comtemplar a supressão da soberania por parte dos Estados signatários. 

 

Por conseguinte, os Estados membros com vontade de integrar celebram entre si vários acordos e protocolos, em áreas de interesse comum, adoptando, para o efeito, uma agenda política comum de desenvolvimento e de comercio.

 

Quais são assim as etapas dos processo de integração. Vamos adoptar o conceito de Bala Balassa, também um teórico dos processos de integração.

 

(1)      Para Balassa, a primeira etapa da integração passa pela criação de uma zona de livre comercio que implica a remoção de todas as barreiras tarifarias e não tarifarias entre os Estados-membros. Mas cada Estado  é livre de aplicar “ diferentes tarifas contra os seus parceiros comerciais que não sejam membros dessa zona de livre comercio”. Podem, no entanto, manter-se os postos aduaneiro entre os Estados-membros da zona livre comércio para se evitar “ o desvio de comercio.”

 

(2)      A segunda etapa passa pelo estabelecimento de uma União Aduaneira ou Alfandegaria  em que são removidas todas as restrições ao comercio e ao movimento de agentes comerciais dentro do espaço da integração. ( SACU e a COMESA )

 

Nesta etapa, os Estados-membros adoptam não só uma tarifa externa comum (TEC) “ em relação a países terceiros”, mas também uma política comercial comum em relação aos países não membros.

 

Logo, os bens e serviços importados para a União Aduaneira “ encontram condições idênticas de entrada” em qualquer país membro da UA.

 

Uma das questões mais problemáticas de harmonização desta etapa, é  a “ forma de arrecadação, partilha e distribuição das receitas aduaneiras entre os Estados-membros”.

 

Do ponto de vista político, na União Aduaneira, os Estados membros para melhor harmonização e coordenação transferem “ parte da sua soberania, em matéria de política comercial e definição da tarifa externa comum, para um órgão supranacional para Bruxelas para o caso europeu.

 

(3)      Para Balassa, a terceira etapa do processo de integração passa pela criação do Mercado Comum, que implica a livre circulação de pessoas e bens dentro do espaço de integração.

 

É no Mercado Comum onde são estabelecidas as “ quatro grande liberdades”, que são a livre circulação de bens, de serviços, de capital e de trabalho.

 

Este estagio envolve também  a cedência de uma boa parte da soberania nacional para um órgão supranacional comum. 

 

(4)      A quarta e última etapa passa pela criação da União Monetária, Económica e Política, que pressupõe a harmonização de políticas económicas, politicas monetárias e fiscais, politicas cambiais e sociais, prevendo também a criação de uma frente comum de defesa e segurança e a adopção de uma Constituição da União, criando-se, assim, uma confederação de Estados.

 

Qual é a génese do processo de integração da SADC na África Austral ?

 

Em finais dos anos 70, sob impulso do Presidente Nyerere, da Tanzânia, foi criada a organização dos Estados da Linha da Frente que  assumiu a “ responsabilidade de mobilizar apoio internacional para a FRELIMO, de Moçambique, para a ZANU e para a ZAPU do Zimbabwe, para o ANC e PAC, da África do Sul, e para a SWOAPO da Namíbia.”

 

Com a independência do Zimbabwe, os Estados da Linha da Frente, “ sentiram a necessidade de tratar de questões económicas da região.”

 

E criaram no principio da década dos anos 80 , uma aliança económica, entre os Estados da Linha da Frente, com o objectivo de coordenar e harmonizar as políticas económicas dos respectivos países a fim de se “ se libertarem da dependência económica da África do Sul” que na época era já uma potencia económica regional.

 

Deste modo, em substituição dos países da Linha da Frente, criou-se a Conferencia de Coordenação para o Desenvolvimento da África Austral ( SADCC ) em Lusaka, Zambia, a 1 de abril de 1980.

 

 A SADCC emergiu como braço economico dos Estados-membros da região depois de um longo processo de consultas entre Angola, Botsuana, Lesoto, Moçambique, Suazilândia, República Unida da Tanzânia e Zâmbia.

 

Mas a redução tão desejada da dependência da África do Sul nunca ocorreu, e os países da África Austral ficaram ainda mais dependentes da ajuda de países doadores. sobretudo dos países nórdicos. 

 

Apesar destes constrangimentos, a SADCC, que tinha alguma experiencia acumulada, transformou-se, de facto, num pilar importante para incentivar a integração regional da sub-região austral. 

 

Com a libertação do Presidente Nelson Mandela e com o início do processo de democratização da África do Sul, em 1994,   a SADCC passou a dar prioridade as questões económicas, transformando-se na Comunidade de Desenvolvimento, a SADC.

 

A SADC foi assim criada foi, assim, criada, a 17 de Agosto de 1992, em windoek, Namibia, e é constituída actualmente por 15 Estados-Membros  “ com níveis de desenvolvimento bastante desiguais” , que são Angola, Botsuana, República Democrática do Congo (RDC), Lesoto, Madagáscar, Malaui, Maurícia, Moçambique, Namíbia, África do Sul, Suazilândia, Seicheles, República Unida da Tanzânia, Zâmbia e Zimbabué.

  

Imediatamente após a sua criação,  a SADC procurou desenvolver políticas e estratégias, entre os Estados-membros com a adopção de diversos  protocolos para a criação de um bloco económico, voltado para uma maior harmonização de politicas, rumo a uma integração regional mais profunda. 

 

Esses protocolos, assinados entre os Estados-membros, incluíram disposições   “ sobre o comércio de bens e serviços”, com o objectivo de eliminar as barreiras tarifarias  e não-tarifarias ao comercio intrarregional.

 

As barreiras tarifarias “ incidem sobre os produtos importados, apenas, para proteger as industrias nacionais da competição estrangeira” e as não tarifarias “ são as cotas globais, os preços mínimos, as restrições quantitativas e as exigências locais que se estabelecem no espaço da integração”.

 

A SADC tem vários objectivos: Um dos objcetivos é promover o crescimento económico e o desenvolvimento socioeconómico, sustentáveis e equitativos que garantam  aliviar a pobreza para a sua irradicação, melhorar o padrão e a qualidade de vida dos povos da África Austral e dar apoio aos socialmente desfavorecidos, através da integração regional e desenvolver valores, sistemas e instituições politicas comuns, promover e defender a paz e a segurança;

 

Outro objcetivo é promover o desenvolvimento auto-sustentado na base da auto-suficiência  colectiva e da interdependência entre os Estados-membros e alcançar a complementaridade entre as estratégias e os programas nacionais e regionais e maximizar o emprego produtivo e a utilização dos recursos da região.

 

Para a execução das políticas e dos programas dos Estados Membros da SADC, criaram-se as seguintes instituições: a cimeira dos Chefes de Estado e de Governo, o Órgão de Cooperação nas áreas de Política, Defesa e Segurança; o Conselho de Ministros; o Comité Sectorial de Ministros; o Comité Permanente de Altos Funcionários; o Secretariado, o Tribunal e as Comissões Nacionais da SADC.

 

A Cimeira dos Chefes de Estado e de Governo é uma das instituições mais importantes da SADC, constituída pelos chefes de Estado e de governo de todos os Estados-membros; é a instituição suprema de formulação de politicas da SADC; responsável pela orientação política global e pelo controlo das funções da organização.

 

A presidência da Cimeira é rotativa. Neste momento Malawi preside a Cimeira,   coadjuvado por uma  vice-presidência, que é do Zimbabwe.

 

Ao nível do órgão de cooperação, nas áreas de politicas, defesa e segurança, existe um Comité Ministerial do Órgão, composto pelos Ministros dos Negócios Estrangeiros, da Defesa e Segurança Pública, e por representantes da segurança do Estado de cada Estado-membro.

 

O secretariado executivo, é a principal instituição executiva da SADC, responsável pela planificação estratégica e gestão dos programas da SADC, e pela implementação das decisões da Cimeira, da Troika da Cimeira, do Órgão, da Troika do Órgão e assim por diante.

 

As comissões nacionais são constituídas pelas principais partes interessadas no processo de cada Estado-membro, que são o governo, o sector privado, a sociedade civil, as organizações não-governamentais e as organizações de trabalhadores e empregadores.

 

Do ponto de vista estratégico, a SADC tem um plano indicativo, que se denomina – Plano Estratégico Indicativo de Desenvolvimento Regional ( RISPD) que definiu um plano de 15 anos para a SADC atingir os objectivos da integração, que está a ser implementado desde 2005, em fases de cinco anos cada.

 

Em 2003, a Cimeira de Arusha definiu um roteiro, um “road map” adoptado pelos chefes de Estado e de Governo que previa a redução de todas as barreiras tarifarias e não tarifarias  em 2008.

 

Em 2010 seria a criação da União Aduaneira e em 2015 o estabelecimento do Mercado Comum para a livre circulação de bens, serviços, capital e trabalho. Mas tudo isso continua por se realizar.

 Conclusões

 Podemos concluir que o roteiro, “ o road map”  definido pela SADC para atingir os objectivos da integração económica e política é muito irrealista por ser demasiado curto o tempo previsto para “ a realização  de cada uma das etapas do processo de integração”.

 

Mas como disse o professor Francisco Fernandes, a integração não deve ser encarada como um dogma. Deve ser vista como um processo que conhece momentos de aceleração e de estagnação.

 

Deve-se, no entanto, enfatizar que os “ países que melhor proveito tiraram da integração são aqueles que têm sabido implementar políticas nacionais que estimulam e sustentam o desenvolvimento socioeconómico, o crescimento com impacto social, a produção, os investimentos e o comercio.”

 

Existem, por conseguinte, dificuldades concretas, sucespetíveis de dificultar o processo de integração da SADC, podemos destacar algumas, como :

 

1.         A problemática dos níveis desiguais de desenvolvimento dos países que integram a SADC;

 

2.         A questão da múltipla filiação dos Estados-membros em diversas comunidades económicas do continente africano; existem,  por exemplo, 5 países da SADC, Botsuana, Lesotho, Namíbia, África do Sul e Suazilândia, que são simultaneamente membros da União Aduaneira da África Austral, a SACU, a mais antiga união aduaneira conhecida no mundo, criada em 1910, sob impulso da Grã-Bretanha, então potencia colonizadora; e outros,  como a RDC e a Suazilândia, para citar apenas estes, que são simultaneamente membros da SADC e do mercado comum da África Austral, a COMESA;

 

3.         A outra dificuldade é o modelo de integração económica regional que a SADC persegue, baseado no Programa Indicativo Estratégico de Desenvolvimento Regional, que é uma réplica do modelo europeu de integração.

 

4.         Outro constrangimento é a falta de vontade política de alguns Estados-membros que manifestam muitas reservas em aderir aos compromissos obrigatórios para o cumprimento das várias etapas da integração. Será que o Presidente José Eduardo dos Santos cederá parte do seu poder a um órgão supranacional, se no plano interno tudo faz para consolidar o seu poder autocrático. É uma questão que fica.

 

5.         Por outro lado também parece não existir poder suficiente, nem uma firme vontade política por parte das lideranças da SADC “ para impor as obrigações de integração aos Estados membros.”  A este ritmo a SADC pode-se transformar num clube de amigos, o que tem de ser evitado a todo o custo.

 

Quanto a posição do nosso país,  que apesar de ter ratificado o Protocolo sobre Trocas Comerciais da organização,  ainda não aderiu formalmente a Área de Livre Comercio da SADC, como primeira etapa da integração. 

 

O Estado angolano apesar de ser membro institutivo desta organização,  o actual Executivo continua a não respeitar as normas da SADC sobre Direitos Humanos, Reconciliação Nacional e Justiça Social, sobre a Saúde, Ensino e Educação, sobre a boa governação, sobre o combate a corrupção, sobre a transparência eleitoral e sobre a municipalização das autarquias locais.  O governo angolano ainda pratica a censura e reprime os direitos e as liberdades fundamentais dos angolanos, constitucionalmente consagradas.

 

Ao não respeitar por vontade própria as normas da SADC, as chamadas“ guiding lines”, o Executivo angolano  mantém-se, à margem da vontade comum dos Estados membros  de aprofundar a integração, uma postura que põe em causa os princípios e os valores definidos no acto institutivo desta organização regional.  

 

Face aos vários constrangimentos identificados, podemos, assim, dizer que o processo de integração na sub-região Austral ainda tem um longo caminho a percorrer. 

 

Mas gostaria, antes de terminar, associar-me ao pensamento do Dr. Francisco Fernandes, que é angolano, economista, conhecedor profundo da SADC e da UE, que entende “ que a integração dos países africanos nas comunidades económicas regionais é um processo desejável, face as vantagens que advêm do estabelecimento de economia de escala na produção de bens e serviços”.

 

Temos, de facto,  de adoptar um modelo de integração económica que vá de encontro das nossas realidades e “ sirva os objectivos de desenvolvimento de todos os Estados-membros e que permita a cada um participar no comercio internacional com vantagens”com vista a paz social e a estabilidade regional.

 

Muito obrigado pela vossa atenção.

Alcides Sakala Simões

Deputado