Luanda - Os profissionais de imprensa que participaram do encontro desta quarta-feira com os deputados da VI Comissão da Assembleia Nacional, não conseguiram disfarçar a incredulidade face ao que  ouviram, a respeito do “pacote” legislativo da comunicação social, que afinal nunca deu entrada naquele órgão de soberania, para a necessária aprovação.

Fonte: Club-k.net

A informação foi prestada pelo presidente da comissão de especialidade da Assembleia Nacional que responde pelos assuntos de Educação, Cultura, Religião e Comunicação Social, o deputado, Reverendo Francisco de Castro Maria.

Convocado pela VI Comissão, o encontro desta quarta-feira que contou com a participação dos representantes das organizações associativas e sindicais, teve por objectivo, auscultar as entidades do jornalismo,  tendo em vista a preparação do debate mensal que vai  ter lugar no próximo dia 27, cujo será “O Papel da Comunicação Social num Estado Democrático e de Direito”. 

A comissão criada especialmente para o efeito trabalha nos preparativos deste debate pretendia com este encontro, recolher contribuições para  enriquecer  o  seu relatório de fundamentação. Este documento que deverá reflectir as percepções colhidas sobre o estado da comunicação social em Angola, deverá deixar em princípio indicações  de orientação política que devem ser acatadas pelo Executivo.

 

Não ficou claro se será aprovada uma resolução com força legal, no  sentido mais de viabilizar  o quadro legislativo, face os  atrasos de dezenas de anos que leva, se comparados com os progressos registados nos outros sectores da economia real. Seja como for e ainda que haja uma resolução, o desafio continuará a ser o cumprimento da mesma.  Nada garante que tal venha acontecer. Aliás, uma resolução, não ocupa um lugar cimeiro na pirâmide  legislativa. Ela está abaixo da lei ordinária  e da Constituição. No caso de Angola, as resoluções chegam a ser desrespeitadas por um simples Administrador. Os despachos, outro dos dispositivos administrativos, chegam a ter mais peso na realidade Angolana. A Assembleia Nacional já produziu várias resoluções. Estou recordado duma em que se mandava parar as demolições das habitações em qualquer circunstância, antes que fossem criadas as condições de desalojamento. A prática tem mostrado que vai tudo ao contrário! 

 

Como se sabe já, o problema do nosso país não é tanto a produção legislativa. O problema de Angola chama-se vontade política.

Da Reunião em si 

Pouco mais de 7 horas de trabalho,  produtivas ou não do ponto de vista da análise dos assuntos agendados e muito provavelmente de  legitimação de conclusões para reflectir-se no relatório da Assembleia (se houver fieis relatores): a aprovação da legislação do sector da comunicação é urgente e clama de patriotismo dos deputados. Se assim não for, seremos todos vítimas. Não somente pagam os actores políticos na  oposição. Sem comunicação social livre, a cidadania não tem expressão, os jornalistas dos órgãos públicos permanecerão meros escravos de intelecto ... As consequências são aqui incontáveis.

 

Cedo foi posta em causa a utilidade do encontro. 

 Siona Casimiro indagou á  mesa sobre a finalidade da reunião.

Tratava-se dum encontro mais  para tomar café com os “pobres jornalistas”? ...Ou para oferecer um almoço regado com vinho, posteriormente anunciado no decurso dos trabalhos? 

No ar pairavam uma série de interrogações.

Na verdade, a experiência da consulta pública de 2011 deixou os seus "traumas".

 

“Qual é o verdadeiro propósito desta reunião?”indagou Siona Casimiro no seu ponto prévio. 

 “Este é apenas um ponto prévio sobre o que  vou dizer de seguida” advertiu. O “decano dos jornalistas” repetiu o aviso e não hesitou em dizer que não estava  satisfeito com as explicações  prestadas pela mesa. 

 

Por seu lado, Reginaldo Silva destacou os gastos públicos da operação de consulta levada a cabo pela então ministra Carolina Cerqueira em 2011,  com as deslocações as províncias do país. E foi então neste “fogo cruzado” que os deputados acabaram por desvendar aquilo  que parecia ser o segredo do jogo de há três anos, em torno do “pacote” legislativo.

“O pacote legislativo, nem nunca deu entrada na Assembleia Nacional” respondeu apertado o deputado Francisco Maria. Seguiram-se outras intervenções dos deputados, alguns dos quais mais cautelosos no que diziam, outros ainda sem se quer saber de que assunto se tratava! 

Os deputados fizeram outra coisa. Eles deixaram-nos a entender, que estavam limitados nas suas acções e eventualmente não poderiam fazer muito. A culpa é do chefe!

Incertezas

Lançado o caboko da construção da democracia que foi a lei Constitucional de 92, melhorada na  Constituição de 2010, a comunicação social é dos sectores pilares na edificação do Estado Democrático. Sem este sector livremente constituído não existe vigilância sobre os corruptos. Á gestão do espetro radiolétrico é deixada ao  arbítrio de uns quantos, a quem quando apetece, permitem que se instale um ou outro audiovisual, para satisfazer o "jornalismo cor de rosa". Sem liberdade de expressão, as redacções são assaltadas por agentes que não são jornalistas. É perigoso para a sociedade.

 

O “progresso” que se conhece noutros sectores é assimétrico ao sector da comunicação social. Ou seja, vamos muito atrasados na arquitectura do edifício democrático, tal   como tem ficado demonstrado por “A+B”,não existe outro problema em Angola, senão a falta de vontade politica. E a vontade politica aqui referida  não é doutra pessoa, é do chefe do Executivo.

A Antecipação do horário

A organização da reunião decidiu promover o debate dividindo em cinco temas essenciais, cada um deles inscrevendo outros tantos subtemas, nomeadamente os “Aspectos ligados á profissão”; “A Propriedade dos meios de comunicação”; “As Liberdades e o exercício do jornalismo”; “As leis e o exercício da actividade jornalística”; “A comunicação social e a construção da cidadania”.

 

Como referimos no início, esta reunião congregou representantes de organizações profissionais ligadas ao sector da comunicação social. Pessoalmente, foi um encontro de reaproximação com os deputados, aparentemente encasulados na órbita inócua dos problemas reais, fora dos contágios. “Pela primeira vez estou aqui na Assembleia em nome do Folha-8, a quem negam entradas dos jornalistas reiteradas vezes”satirizou, William Tonet.

Foi também uma ocasião para rever “antigos companheiros de trincheira” muitos dos quais ofuscados pelos desafios que a vida nos tem colocado, maugrado a profissão socialmente muito útil, mesmo teimando-se em fixar-lhe minguantes  rendimentos, insuficientes de assegurar a velhice. 

Neste encontro, não passou despercebido o facto da reunião ter sido antecipada 40 minutos, segundo explicações prestadas pela mesa.

 

Na convocatória que nos chegou ás mãos, assinada pelo presidente da VI Comissão lê-se, “...vem por este meio, convidar, a participar num encontro de trabalho, no dia 11 de Junho do corrente ano, ás 11horas, na sala nº4 do Palácio dos Congressos.”

Indagados sobre o assunto, as explicações apresentadas não foram convincentes. O consultor da mesa Quim Paulo deixou a entender que preferiram dar início a reunião para não fazer esperar aqueles  que já tinham chegado. Felicita-se-lhe a pontualidade, mas uma coisa não tem nada haver com a outra. O assunto de auscultar é muito sério. Iniciar os trabalhos uns 40 minutos antes legitima outros tantos raciocínios. Nem o Síona que disse ter chegado á Assembleia 5 minutos antes da hora marcada escapou desta tentativa de exclusão.

Alem do Siona, foram ainda prejudicados o Reginaldo Silva que não encontrava espaço para estacionar, por isso chegou pouco depois da hora marcada, o William Tonet e o autor do texto, para citar apenas estes. 

Do debate em si

O debate foi aceso e se os deputados tiveram bons ouvidos e bons olhos, tomaram boas notas, e puderam  retirar da expressão gestual e mímica a cada intervenção a ideia de desagrado dos profissionais, por causa desta falta de vontade política do Chefe do Executivo em viabilizar o quadro jurídico conforme a Constituição.

De nada valerá o discurso baixo, mal intencionado que  se pretende transmitir a partir  dum laboratório algures em Luanda,  que tenta passar a ideia segundo a qual, os jornalistas são co-responsáveis do fracasso neste sector e profissão. Esta é uma profissão esvaziada de nobreza pela condição de pedinte em que colocam os jornalistas, ao mesmo tempo que a publicidade movimenta fortunas de dinheiro,  na ordem dos 400 milhões de dólares/ano, segundoo José Kaliengue do jornal “O País”, que interveio corrigindo a estimativa do volume de negócios gerado pela publicidade. 

O jovem deputado Luther Rescova que se apresentou como mensageiro deste inculcado sentimento de culpa, não foi bem sucedido ... O deputado alimenta também a ideia segundo a qual, o processo legislativo devia começar do zero em nome da conformação das leis á Constituição.

Sabe-se logo o ganho de tempo que tal propiciaria. Pessoalmente não concordo. Defendo a ideia de que o chefe do Executivo devia cumprir primeiro aquilo que prescreve o artigo 87 da lei de Imprensa, Nº 7/06. Ou seja regulamentar a lei primeiro e somente depois, proceder a quaisquer outras revisões. 

 

Num meio de tantos cotas do jornalismo, o jovem deputado não podia ter outra resposta competente. A verdade, nua e crua chegou-lhe do Ismael Mateus. De olhos fitos nos olhos, Ismael Mateus “furioso da silva” começou por dizer-lhe que o deputado estava perante uma provocação, antes de arrolar ponto por ponto a série de faltas do Executivo incompetente. O jornalista foi claro em identificar o problema da comunicação social em Angola: “...É politico e o único responsável pela situação é o partido que governa” disse-o sem rodeios.

“Aliás”sublinhou Ismael, “o senhor deputado é membro do Bureau Político do MPLA e devia procurar saber o que se está a passar junto dos seus colegas”rematou.

 

Amílcar Xavier responsabilizou as redacções por não destacarem assuntos noticiosos de interesse nacional. “Não são os partidos  A ou B... Quando há a morte dum Samuel Asso não título noticioso num órgão público,  só pode ser responsabilidade da redacção” disse. Embora com um certo tom de cinismo, o profissional questionou do porquê da ausência no serviço público dos profissionais  como Reginaldo Silva e outros que citou. Cinismo porque á data em que muitos destes citados jornalistas foram enxotados da TPA, Amílcar Xavier era um dos responsáveis do órgão e não vimos tomar nenhuma posição.

Em 2010 Reginaldo Silva e Ismael Mateus eram convidados do programa da TPA “Semana em Actualidade”. Foram enxotados sem explicação plausível.

 No tópico “As Leis e o exercício da actividade jornalística”, foi interessante ouvir Manuel de Carvalho Wadijimbi defender a criminalização dos jornalistas. Pelas suas reacções Wadijimbi, tudo nos indicou que sim, veio em representação da “defunta” UJA, união dos jornalistas angolanos.

É que o antigo vice-ministro ficou furioso com o Reginaldo Silva quando se referiu ao facto da UJA, mesmo desactivada ser beneficiaria de fundos públicos, por via  do orçamento do Estado. Perante a infâmia, o “cota” ameaçou inclusive levar o  “Regi” ao tribunal, desafiou que este ultimo aceitou com a maior das naturalidades. A coisa ficou feia!

 

Também foi interessante seguir as intervenções dos representantes da AJECO (associação dos jornalistas económicos), por sinal dos poucos representantes vindos do interior.

Interessantes foram as intervenções do deputado Boaventura Cardoso que exteriorizavam preocupações em torno do “jornalismo cor de rosa”. Aquele jornalismo mundano que floresceu na nossa praça que ameaça desvirtuar a nossa cultura rica de valores que são ocidentais, que vem para Angola através dos contractos de franchising e sustenta mercenários desempregados nos países de origem. Aqui em Angola são pagos também com fundos públicos.

Algum do jornalismo encapotado em publicações que foram compradas por desconhecidos ao arrepio da lei que obriga a nominalização dos seus acionistas.

Os exemplos mais referenciáveis são dalgumas revistas que circulam por aí. Não as cito, para não publicitá-las. Que promovem o homossexualismo, estranho a nossa cultura... através do canal 2 da TPA, canal sustentado com fundos públicos. 

 

Enfim, dos frutos deste debate, somente o tempo nos fará provar. Mas pela  experiência do passado, tenho pessoalmente legítimas duvidas que mude alguma coisa.

 

Mas no dia 27 de Junho é o debate. A iniciativa é do grupo parlamentar da UNITA.

Lá estaremos.

 A. N.-