Luanda - A democracia, no sentido real, é o sistema politico em que a autoridade emana do conjunto dos cidadãos, baseando-se nos princípios de igualdade e liberdade. O cerne da democracia, na sua manifestação teórica e prática, consiste essencialmente nestes dois pressupostos fundamentais – da igualdade e da liberdade. Os dois ideais, que constituem a essência da democracia, são inseparáveis. Tanto um como outro não pode existir em pleno sem a conjugação entre si, isto é, não há liberdade sem igualdade, nem a igualdade sem liberdade.

Fonte: Club-k.net

Porém, a igualdade pressupõe a existência efectiva de um conjunto de direitos e deveres para todos, sem discriminação qualquer fundada na raça, no género, na etnia, na cultura, na religião, no estatuto social, na localização geográfica ou na opção politica. A existência desses direitos e garantias, e o seu cumprimento escrupuloso, é que proporciona um quadro real da liberdade.

Só que, este quadro de liberdade não se torna uma realidade efectiva sem abnegação e sem uma luta titânica do povo. Nunca a liberdade e a igualdade caíra do Céu como se fosse maná, que alimentou os Israelitas, na travessia do deserto, do Egipto para a terra prometida do Canana. Ela é um resultado de um trabalho aturado, de suor, de sacrifícios e de sangue dos membros da sociedade. O regime no poder, antidemocrático, não se deixará concretizar os propósitos da democracia, sem que isso seja imposto pela sociedade, através de reformas progressivas ou da transformação radical e profunda do sistema politico.

A democracia, na sua reflexão interna, é o estado de ser e de estar da pessoa humana. Tem sido raro tornar-se uma realidade num poder politico que não acredita na democracia, não acolhe-a dentro da sua alma, vivê-la, assumi-la e praticá-la integralmente. Pois que, a democracia pressupõe reconhecer a personalidade humana, dotada de razão e da faculdade de distinguir entre o bem e o mal.

Quando este atributo humano não for a base do relacionamento entre os seres humanos, haverá a tentativa de cair no complexo de superioridade, que induz-se na subalternização, na desigualdade e na opressão. Surgirá uma classe dos patrícios, uma nobreza poderosa, que se colocará acima da sociedade, proclamando privilégios divinos, exercendo o poder vitalício, escravizando o povo e procedendo a pilhagem da riqueza do país, num ambiente de arbitrariedade.

O complexo de superioridade funda-se na convicção exagerada da própria superioridade, que se baseia no abstracto, sem fundamento material, para tal. Isso induz-se geralmente no espirito de desprezo e da discriminação humana, que toma diversas formas, no domínio sociocultural, étnico-linguístico, racial, económico, religioso e politico. Os anais da História da Humanidade revelam que, o complexo de superioridade sempre esteve na origem das instabilidades sociais e politicas que sucederam, que desembocaram na tirania, na arbitrariedade e no terrorismo do Estado.

 

O complexo de superioridade é o desarranjo mental, uma patologia psicológica que habita na subconsciência de algumas pessoas que pensam que só eles cabem o direito de chefiar os outros e estes devem submeter-se incondicionalmente a vontade deles. Este fenómeno, do complexo de superioridade, foi um dos factores principais que marcou negativamente o nacionalismo angolano até 2002, e permanece até hoje. De qualquer forma, a História é a testemunha mais fiel desta realidade indesmentível. No fundo, a cultura do complexo de superioridade contrária diametralmente os princípios da igualdade e liberdade. Portanto, o não reconhecimento destes ideais fundamentais, sobre os quais assentam os princípios do sufrágio universal e da alternância democrática do poder, torna-se inviável a realização e a afirmação da democracia.

Ali estará as mazelas da democracia angolana que pretende realizar a democracia com o poder politico que nunca acreditou na igualdade e na liberdade dos cidadãos angolanos. Na nossa sociedade angolana há pessoas que acreditam que ser militante do MPLA lhe confere o estatuto especial, de ser o cidadão de primeira classe, em prejuízo de outros que não se revejam neste partido. Além disso, na nossa sociedade angolana, de forma subtil, pratica-se a discriminação racial, sociocultural, etnolinguístico e político-económica. Quando se aproxima um Banco, uma repartição pública, uma empresa estatal ou privada, antes de tudo, quererão saber a identidade política do sujeito.

Os concursos públicos, na sua maioria parte, são feitos na base partidária, usando diversos mecanismos (como as listas dos fiscais das eleições anteriores) para identificar e excluir os candidatos que simpatizam com os Partidos na Oposição. Na Função Pública e nas Empresas (públicas e privadas), por exemplo, as pessoas são pressionadas por Núcleos do MPLA e por Serviços de Segurança para obter a força o Cartão de membro do Partido. Os que resiste são expulsos ou demitidos dos cargos que ocupam. Esses núcleos partidários, em certos casos, são instrumentos de terror e de intimidação dos cidadãos nos bairros e nas aldeias.

Nas Zonas rurais, por exemplo, os Sobas actuam como activistas do MPLA e obrigam toda gente para ingressar neste Partido. Muitas famílias são forçadas a abandonar as suas comunidades e refugiarem-se nas cidades onde são menos conhecidas. As Cooperativas Agrícolas, subsidiadas por Estado, funcionam na base partidária e são coordenadas por militantes do MPLA.

Acima disso, na maior parte das empresas a «cor da pele» tem o efeito psicológico demasiado sobre a forma de proporcionar o emprego e de distribuir o rendimento nacional. Em Angola, há empresas estratégicas que são excessivamente dominadas por comunidades raciais minoritárias, enquanto a comunidade maioritária está infimamente representada, ocupa postos de baixo nível e com salários miseráveis. Alias, Angola é único país do mundo que colocam os seus cidadãos na categoria mais baixa, não constituem a prioridade no emprego (mesmo com qualificação elevada), ficam na última tabela salarial e expostos a todas formas de discriminação, de humilhação e da exploração do seu trabalho.

A Assembleia Nacional de Angola, por exemplo, exerce a discriminação dos Deputados e das Bancadas Parlamentares, na base partidária. A atenção e as condições detrabalho que se conferem à Bancada do MPLA não são as mesmas que são conferidas aos de mais. Os Tribunais são dirigidos por militantes do MPLA. O Conselho Nacional Eleitoral, a todos os níveis da sua hierarquia, são chefiados por militantes do MPLA. Os lugares de chefia na Função Pública e nas Empresas do Estado são reservados aos «militantes convictos» do MPLA. Esta é a realidade inequívoca que se vive na sociedade angolana e procura escamoteá-la, tapando o sol com a peneira.

Acima disso, os órgãos da comunicação social pública e privada, com excepção de poucos deles, funcionam na base partidária e têm como objectivos estratégicos destruir a imagem dos partidos na oposição. Os Serviços de Segurança têm o carácter acentuado partidário e confunde o Estado com MPLA, como Partido.

Numa democracia, de liberdade e igualdade, isso que acabei de enumerar acima não pode acontecer, nem é concebível que isso aconteça. Se não, vejamos! A Assembleia Nacional de Angola, que devia ser a sede da democracia, não funciona nos moldes dos parlamentos democráticos pluripartidários, nas quais os órgãos internos são articulados a nível das comissões diversas, que se desembocam no Presidium, órgão decisório, com uma representatividade multipartidária, independente do poder executivo.

Porém, o Parlamento Angolano é uma espécie de uma Assembleia do Povo, mono partidária, no qual os Deputados das Bancadas da Oposição são integrados nas comissões de especialidades, fora do «circuito-decisório» através do qual se processa, canaliza e executa as «decisões que emanam do titular do poder executivo», que de facto dita as regras do órgão legislativo. Mesmo nas Comissões de Especialidades as decisões são tomadas nos «círculos fechados» do MPLA, a margem dos demais membros da Oposição que fazem parte delas.

Noutras palavras, no seu sistema de funcionamento e da tomada de decisões importantes, o Presidium do Parlamento Angolano, obedece a hierarquia partidária, sob o mando do titular do poder executivo, que reina sobre todos os órgãos da soberania do Estado da República de Angola. Desde que entrei na Assembleia Nacional, em 1997, a caracterização deste Parlamento foi sempre esta e mante-se a mesma até neste momento, sem nenhum indicador de que isso venha alterar-se enquanto o Chefe actual manter-se na Cidade Alta.

Neste momento, as Bancadas Parlamentares da Oposição carecem de condições de trabalho, em termos de suporte técnico, burocrático, instalações e equipamentos para que possam exercer efectiva e eficazmente as suas funções. Mas, o Secretariado Geral da Assembleia Nacional, dirigido por militantes do MPLA, alega-se não ter disponibilidade financeira para atender a essas situações. Parece um paradoxo, mas a verdade é que, há dinheiro para construir Hotéis de luxo nas Províncias e «Novas Instalações», bem apetrechadas, para os «Núcleos Provinciais» da Assembleia Nacional, cuja legalidade orgânica e imparcialidade funcional são questionáveis.

Além disso, a própria Assembleia Nacional alega-se não reunir condições para transmitir em directo as sessões plenárias, os debates e as reuniões das Comissões de Especialidades, devido a falta de capital financeiro e de condições técnicas. Mas como se constatou acima, gasta-se um mar de dinheiro para os Projectos paralelos, de carácter lucrativo, em benefício exclusivo do MPLA. A questão que se coloca não é da indisponibilidade financeira, conforme se alega futilmente; mas sim, se trata de uma estratégia politica bem definida, que reside na restrição da acção da Oposição no Parlamento e junto dos eleitores, criando um clima de descrédito e da ilegitimidade politica. Noutras palavras, na Concepção do MPLA, o Parlamento só serve como mero objecto para apenas projectar uma imagem falsa ao Mundo de uma Angola democrática e multipartidária. Enquanto, na prática se busca o contrário disso, como meta estratégica.

Para dizer que, o modelo do funcionamento do Parlamento Angolano assemelha- se ao sistema chinês monopartidário em que, os “deputados independentes” estão integrados na Assembleia do Povo, acoplados dentro do sistema do Partido Comunista Chinês, que exerce a hegemonia absoluta sobre os poderes executivo, legislativo e judicial.

Neste tipo do sistema politico, a presença das Bancadas da Oposição, de certo modo, é cosmética, não é eficaz, nem produz o impacto desejado sobre o processo legislativo. A falta do «equilíbrio político», em que, um partido tem a maioria esmagadora, acima de 70%, anula e inibe automaticamente os princípios do diálogo e do consenso na elaboração e aprovação da Constituição e das Leis. A posse de uma maioria qualificada, acima de dois terços, permite uma Bancada Parlamentar exercer sozinha a função legislativa, ignorando os clamores das outras Bancadas na Oposição, sem poder do veto e sem a capacidade do voto para inviabilizar qualquer exercício legislativo.

Posta de uma forma mais concreta, com a maioria qualificada que o MPLA atribuiu a si próprio, por via da manipulação do processo eleitoral, ele está em plena condições de exercer a «ditadura da maioria», impondo as decisões do Poder Unipessoal. Nas democracias avançadas já torna-se impossível alcançar uma maioria qualificada por um Partido e estabelecer a ditadura da maioria. Isso só acontece em Africa e nalgumas regiões do mundo, menos democráticas, onde os mecanismos eleitorais são partidarizados e controlados totalmente por Partido no Poder. Os nossos «cidadãos- eleitores», as vezes, não percebem estes meandros politico-legislativos e podem ter percepções que não correspondam com a realidade interna do Parlamento, na correlação de forças, que determina a qualidade das leis que produz.

Por isso, o equilíbrio político constitui uma peça fundamental e é incontornável no Estado democrático e de direito, e sobretudo, da construção da própria democracia. Não se constrói a democracia com a «hegemonia partidária», de um regime de matriz monopartidária, cuja postura é antidemocrática, por excelência. É precisamente nesta base que faz com que o MPLA tenha adoptado, como estratégia, a conspiração e a destruição sistemática de outras formações políticas, usando os recursos e os aparelhos do Estado Angolano, para inviabilizar o processo da democratização e da mudança democrática.

O equilíbrio político é o único mecanismo eficaz que permite a oscilação do pêndulo do centro de gravidade, de modo que a alternância seja efectiva, de acordo com a vontade dos eleitores, em cada fase decisiva da deslocação da opinião pública. É justamente nesta fase decisiva, da «viragem da opinião pública», é que os «cidadãos- eleitores» exercem a sua “autoridade” de conferirem o poder legislativo e o poder executivo a uma formação politica ou a um conjunto de formações políticas, com uma visão ajustada, para que os desafios de momento, que afligem a sociedade, sejam resolvidos efectivamente e com maior eficácia.

É por isso que, os partidos políticos constituem o factor-chave da democracia e são pilares cardiais do Estado democrático e de direito, assegurados pelas organizações da sociedade civil, integrados nas comunidades locais – inspirando a vontade profunda do povo. Na democracia de igualdade e liberdade o Estado tem o dever e a obrigação de proteger e nutrir as formações politica e as organizações da sociedade civil, como componentes essenciais do Estado, que asseguram a estabilidade social e o desenvolvimento económico sustentável. Oferecendo, assim, um amplo espaço da representatividade e da participação efectiva do povo na governação do País.

Num Estado democrático e de direito os Serviços de Segurança não pode praticar os actos de raptos de pessoas inocentes; de mortes arbitrárias; de execuções sumárias; de assassinatos; de perseguições; de detenções e prisões anarquicas; de repressões de cidadãos indefesos; de repressão de manifestações pacíficas; de descriminação dos cidadãos; de favoritíssimo politico; de repressão das actividades das formações politicas; de assumir posturas eminentemente partidárias; da destruição de bens dos cidadãos; das demolições de casas; de desalojamentos e deslocações forçadas; de expropriações de terra; da repressão e mortes a tiros de Zungueiras; e enfim, da prepotência e da arrogância que se ostenta nas ruas com fim de intimidar, terrorizar e mordaçar o povo. Um Estado democrático e de direito não possuem essas características do terrorismo do Estado, que apenas se identificam com regimes antidemocráticos.

Este é quadro real que Angola vive hoje em que a corrupção tomou conta de todas instituições do Estado, de cima para baixo, sem excepção. O centro de corrupção está instalado no Palácio da Cidade Alta, no qual a «família real» não deixa de exibir a sua fortuna multibilionárias e a sua prepotência de açambarcamento do erário público e da espoliação de propriedades dos cidadãos comuns, na busca constante de estender, ampliar e consolidar o monopólio económico da classe dominante. Tudo isso é feito em pleno dia, a luz de dia, no ambiente relaxado de impunidade.

Que democracia é esta? Que nos dá vaidade, e leva-nos a enganar o mundo e os nossos próprios cidadãos de como se estivéssemos numa democracia de igualdade e de liberdade! Angola, nas circunstâncias actuais, deve olhar para a franja juvenil, com sentimento forte de súplica, para que ela assuma a sua responsabilidade de lutar pela democracia de igualdade e liberdade – criando condições propícias que garantam o êxito deste processo complexo e permanente.

As bases estão bem lançadas, como mecanismos da luta democrática, mas só serão efectivas se o povo tiver a consciência das grandes mazelas que afligem a nossa democracia e buscar os caminhos acertados para virar esta página obscura que paira sobre o País. Isso passará necessariamente pelo processo de quebrar o desequilíbrio politico que está mantido artificialmente pelo MPLA, utilizando os recursos do Estado, as instituições públicas, os órgãos de comunicação social, as igrejas e os serviços de segurança e da defesa nacional, que estão fortemente doutrinados por uma cultura monopartidária, introduzida nas suas mentes – incapazes de viver na diversidade, na diferença e na competição justa e leal.

Livrar das mentes dos angolanos o preconceito de uma cidadania que se baseia no partidarismo e na discriminação politica, racial, etnolinguística e sociocultural. A nossa sociedade, sobretudo a Juventude, sofreu uma profunda aculturação e a perca da competência sociocultural, relacionada com as competências sociolinguística e discursiva, que têm implicações desastrosas sobre a nossa maneira de ser, de estar, de pensar, de comunicar-se, de interagirem, de conviver e de exprimir as nossas ideias e os nossos ideais. Minando, desta forma, os alicerces de um Estado de igualdade e de liberdade, assente na realidade angolana e nos valores culturais do grande mosaico etnolinguístico e multirracial dos povos de Angola.

Enfim, aculturação não somente anula a competência sociocultural, mas sim, a desvalorização da herança cultural, infunde o complexo de inferioridade, a perca da dignidade humana, a corrupção sociopsicológica, a alienação da Mulher e do Homem e a desconexão com a origem, com o povo e com a terra. Viabilizando, desta forma, o processo gradual da neocolonização, assente nos valores socioculturais alheios.

É nesta condição em que Angola se encontra hoje, governado por uma elite politica e tecnocrática que não fala a sua língua materna, não aprecia os valores culturais dos povos autóctones de Angola e apoia-se essencialmente na manipulação, no maquiavelismo e no obscurantismo sociopolítico, assentem nos princípios, métodos e práticas antidemocráticas – do Poder Unipessoal. Este é o grande desafio que se coloca diante a Juventude Angolana para se libertar das Mazelas do Poder Unipessoal. A Hora é Esta!

Luanda, 13 de Junho de 2014

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