Lisboa - Autora da maior investigação recente ao massacre de 27 de Maio de 1977 em Angola, a revolta de Nito Alves, a jornalista Lara Pawson não acredita numa repetição da brutalidade à escala de então. Mas, afirma, o trauma persiste na sociedade angolana, e, pela forma como reage com violência a protestos, o MPLA mostra que ainda não é capaz de aceitar a crítica.

Fonte: Africa Monitor

Ex-correspondente da BBC em Angola, Pawson esteve recentemente em Lisboa para apresentar o seu livro “Em Nome do Povo. O Massacre que Angola Silenciou”. Em entrevista ao Africa Monitor, compara o “trauma, vergonha, silêncio” em torno da brutalidade de 1977 intra-MPLA, que terá feito milhares, se não mesmo dezenas de milhar de vítimas, à guerra civil espanhola, à ocupação britânica na Irlanda do Norte e mesmo ao Holocausto.

O silêncio, afirma, resulta de ter envolvido militantes do MPLA contra outros “camaradas”, de forma violenta e cruel, na sequência de uma manifestação. Mas também de o partido ter sido, e continuar a ser, “autoritário e com pânico de qualquer crítica”, apesar de ter a “auto-crítica” inscrita na sua ideologia oficial.

“Hoje, o MPLA não consegue ligar com 20 ou 30 jovens a protestar pacificamente na praça da independência. Se as autoridades e a polícia não fossem tão violentas, poderia ser engraçado. Mas não é de todo engraçado. É brutal. Esta violência destrói a vida das pessoas, pessoas que têm o direito de expresser as suas crenças e oposição ao regime. Por que razão o MPLA tem tando medo de críticas é outra questão. Acho que é absurdo. Penso que é infantil. Em última instância, não se pode subjugar as pessoas para sempre”, afirma.

Pawson não põe totalmente de parte que violência como a de 1977 possa ter lugar na Angola de hoje – “é claro que a história se repete”, afirma – mas realça as diferenças entre os protestos de rua de hoje e os de então. Há quase 40 anos, estava envolvido o Exército – 9ª brigada – e à cabeça da oposição estava um ministro da Administração Interna, Nito Alves.

Angola é imprevisível, sublinha, mas “com a atual distribuição de poder, é improvável” a repetição da brutalidade.
O principal equívoco em relação aos acontecimentos de 1977 em Luanda é que se tratou de algo óbvio, como um golpe ou uma instrumentalização de sectores do MPLA pela URSS, defende Pawson.

Pelo contrário, foi complexo, e com raízes longínquas no tempo colonial, e recentes, no facto de “a maioria dos angolanos não estarem a beneficiar suficientemente da independência”, no “corte geracional entre Nito Alves e Agostinho Neto” e respetivos núcleos de apoio - enquanto os primeiros maioritariamente arriscaram a vida combatendo as forças coloniais no país, os segundos estavam no estrangeiro, como diplomatas e intelectuais. Mas também a incapacidade de gerir questões rácicas ao nível do MPLA, ambições ideológicas, diferentes conceções de justiça social, além do puro e simples choque de “egos masculinos”.

“O que descobri é que toda a gente tem uma memória diferente do que se passou. E essas memórias merecem ser respeitadas – todas elas”, afirma. Pawson considera que a ainda há muita investigação a fazer sobre o 27 de maio de 1977, e espera que seja os angolanos a fazê-lo. “Ainda não sabemos onde estão os restos mortais das vítimas. Muitas famílias nunca enterraram os seus parentes, o que acho que é um grande fardo, emocional e psicológico”.

A autora afirma que não foi difícil que os envolvidos – vítimas, testemunhas e até alguns dos autores da violência – falassem. Muitos deles queriam mesmo desabafar, aliviados por encontrar alguém interessado em contar as suas históricas. Para a maioria das pessoas, traz memórias “muito difíceis”. Pawson defende que era uma “tremenda injustiça” que estas histórias não fossem contadas”, mas também a motivou um “sentimento de vergonha em torno da esquerda britânica”.

“O facto de os esquerdistas marxistas e socialistas que sempre admirei terem ajudado a encobrir a verdade (…) deixou-me muito zangada e quis, como uma esquerdista britânica, lidar com o que acredito terem sido os erros dos meus antecessores”, disse ao Africa Monitor.

Entre os testemunhos reunidos no livro estão os de João Van Dúnem, irmão de José, um dos líderes da revolta, bem como actuais membros da elite angolana - por exemplo, Ndunduma Wé Lépi, ex-director do Jornal de Angola, ou Aníbal João da Silva Melo, deputado à Assembleia Nacional pelo MPLA. Lara Pawson apresentará o seu livro no próximo dia 6 no Instituto de História Contemporânea (IHC), em Lisboa