Luanda - As redes sociais não param de falar dele; aparece num clip da Zap. Alimenta discussões nas mesas de inúmeras famílias – pelo menos daquelas que discutem as coisas do país. Santo para uns, pecadores para outros. Mereceu menções (honrosas, diga-se de passagem) na prestigiada revista Austral onde a fina pena de Agnela Barros rasgou-lhe tecidos elogios. Criou um slogan – isso é que é vida, pá – que corre o risco de virar logomarca, se tiver inteligência ou assessoria para isso. Referências da Sociedade como Justino Pinto de Andrade, manifestam o desejo de conhecê-lo. É tema deste artigo. É o Lombadas, «o albino mais famoso de Angola»; o «Kilombo» de quem mais se fala no momento.

Fonte: SA

Ki(lombadas é famoso. Não tem como se fugir a isso. E, de esquebra, já levanta um tsunami de reacções que, das redes sociais, se estende já para o espaço real.

 

A minha primeira experiência com a influência do Lombadas na sociedade luandense, foi deveras interessante e, da minha parte, completamente inocente. Ia eu ao volante do meu carro no meio de um engarrafamento – lembro-me que era a descer para a ponte molhada na direcção de quem vai para o Benfica – quando um amigo que ia na fila paralela fez-me sinal, abriu o vidro e disse: «Isso é que é vida, pá!» Sorri. Achei no momento que o amigo estava a ironizar sobre o «engarrafamento que estávamos com ele».

 

A primeira experiência consciente sobre o «fenómeno Lombadas» foi quando minha irmã de peito, a Agnela Barros enviou-me via email um artigo que escrevera intitulado «O Resgate do Orgulho Albino» na revista de bordo das TAAG, a Austral, de que é Directora Executiva. Foi um dos melhores artigos sobre albinismo em África e em Angola que me lembro de ter lido e, nele mencionava o Lombadas. Trazia mesmo uma foto dele. Mas o que li, não foi o suficiente para despertar a minha curiosidade.

 

Viajando para a África do Sul, tornei a ler o artigo, desta vez na revista real. Ganhei um tratamento VIP da parte das hospedeiras, que pareciam contentes por terem a bordo um dos albinos mencionados na «sua» revista – os outros são o Guilherme Santos e o Lombadas, para citar apenas os angolanos – apesar de eu ser aquele que a (m)boa da Agnela apelidara de «polémico». Chegado a casa, questionei as minhas filhas, normalmente quem me municia das coisas «in» da juventude. E deparei-me com um fenómeno fortíssimo do qual eu estava completamente a leste.

 

Lombadas era um jovem albino do Sambizanga ligado ao kuduru. Tinha sido bailarino do Puto Português quando este ainda cantava este género musical e, depois decidiu gravar uns vídeos onde mostrava que a sua vida – a vida de albino – era muito boa, ao contrário do que as pessoas pensam. Aparece a levantar-se da cama, de roupão, num ambiente climatizado, fala das coisas boas que, segundo ele, disfruta e larga pela primeira vez o slogan: «Isso é que é vida, pá!!!»

 

Cantor de kuduru, não tem qualquer «hit» de sucesso. Mas a sua irreverência, que confessou cândidamente na Rádio Luanda – e que criou a logomarca «Issekévida» -- já lhe valeu uma participação num spot promocional da Zap, à qual acrescentou uma formação em Portugal. O seu português, de pronúncia tipicamente caluanda e, o modo de ser e estar rápidamente cativou a sociedade, principalmente a juventude mais irreverente. Estes argumentam que, ao kuduru só faltava mesmo um kilombo para dar-lhe o toque «global mwangolé»; para ser «o mambu dos people». E Lombadas faz-lhes a vontade: leva «a onda kuduru», com a irreverência que a caracteriza, para o «espaço sagrado» do albinismo.

 

Reacções negativas não se fizeram esperar: a sociedade angolana aceita bem os albinos, como diz e bem Agnela Barros. Mas também vê os albinos como serzinhos bem comportados aos quais não tolçera grandes desvios comportamentais. Um albino cuja irrevência parte a loiça e desafia paradigmas, é visto pelo no mínimo com impaciência, quando não com hostilidade. Lembro-me que, na minha juventude quando cantava reggae com uma longa peruca loira, a juventude delirava, mas os mais velhos arreganhavam o cenho. Até que fui «aconselhado» a parar…

 

Ora, o Lombadas traz consigo dois factores de exclusão potencial: ser albino e ser kudurista. Isso, e a forma quase agressiva como apresenta o seu estilo de vida, deixa incomodada muito boa gente. A começar por muitos outros albinos e, no meu caso, das minha filhas e da quase totalidade dos amigos delas – incluindo os aqueles albinos.

 

E no meio disto tudo, pouca gente pára para pensar que o Lombadas está a defender-se do que ele acredita uma discriminação e, que na passada está a criar o seu próprio espaço na Sociedade. Não podendo realizar outras actividades produtivas – até porque parece não ter muita formação académica – faz aquilo que pode e sabe fazer: cantar a vida no kuduru e mostrar a todos que a vida de kilombo afinal também cuia. «Isso é que é vida, pà!»

 

Vi, pelo menos dois albinos a demarcarem-se do Lombadas. Até porque, parece que num dos seus vídeos alegadamente diz que os albinos que não têm a sua vida, deveriam morrer. Se disse isso é mau, o que só mostra o quanto a preparação do Lombadas é débil. Sendo ainda jovem, seria bom que a família e os amigos o ajudassem a auto superar-se, através dos estudos. Realmente seria constrangedor ver um albino a espalhar-se por aí depois de ter ganho tanto dinheiro.

 

Mas ainda assim, o Lombadas atirou uma pedra – um pedragulho, se preferirem – no charco da nossa pseuda aceitação dos albinos em Angola. Ora, se os outros podem «kudurizar» as suas vidas, porquê não um albino? Porquê tanto basqueiro só porque um rapaz berrou «Isso é que é vida, pá?» será que se fosse de pigmentação negra, teríamos esta tanta celeuma? Óbviamente que não. Toda a gente acharia natural. Não iria para as parangonas das rádios e dos jornais e este artigo estaria a falar de outros temas…

 

Portanto, o jovem é famoso porque é o albino kudurista, que atira à cara das pessoas o facto que, ele também tem o direito de viver fora das convenções. Que por ser albino não tem necessáriamente que ser bem comportadinho. No que, não só põe em teste a capacidade da nossa sociedade de aceitar plenamente os seus albinos, como desafia os preconceitos dos próprios albinos que se recalcam e matam parte de si mesmos para estarem dentro das normas e, com isso comprarem um lugar na aceitação social.

 

Vamos ver o que vai sair dali; teremos um Salif Keitá angolano, ou vê-lo-emos dentro de pouco tempo um farrapo humano porque não soube cuidar de si e do que tinha, quando era tempo? Só o tempo dirá. Quanto a mim, no que me diz respeito, gosto da logomarca, do discurso e do concurso do Lombadas: Issekévida, pá!!!