Luanda - Está longe de haver consenso em relação as questões que contribuem para regularização e métodos respeitantes ao jornalismo, ciência e conhecimento. De um lado os profissionais formados na área, de outro os profissionais não formados que exercem a actividade, cada um procura com seus argumentos defender e disseminar posições que favoreçam a sua imagem e reputação no mercado. A estes dois, adicionamos o poder politico, que reconhecendo o poder de influência da comunicação no comportamento e atitude das pessoas procura controla-lo.

Fonte: Club-k.net

A semelhança do que aconteçe em outras áreas de actividade, pensamos estar em presença de numa crise de gerações. Sobre vários pretextos e em distintos contextos, debate-se a problematica do Jornalismo, ciência, conhecimento e regulamentação.

No dia 01 de Julho de 2014, o assunto voltou a debate durante a realização do programa de televisão “Debate Livre” da TV Zimbo, intitulado “Estado da Comunicação Social”. Assim sendo, segue a minha contribuição sobre o assunto.

Antes de mais, e para que se preceba a minha prespectiva de abordagem, faço o seguinte esclarecimento: Conclui em 2007 a Licenciatura em Comunicação Social na UPRA – Univerirsidade Privada de Angola, pioneira nesta licenciatura em Angola. O curso de 4 anos e meio de duração, compreende duas áreas de especialidade; Publicidade e Relações Públicas, bem como Jornalismo e Áudio Visuais. Apesar da denominação Comunicação Social, que pressupoe no primeiro contacto, associação a formação exclusiva do Jornalismo, o curso, aborda questões e elementos transversais a “Comunicação” seja como elemento de transmissão de informação, seja como processo de comunicação, passando por várias áreas do conhecimento das ciências sociais. Consideramos ser esta, uma excelente oportunidade para reafirmar a necessidade de se extender o âmbito de abordagem da comunicação, não apenas ao jornalismo, como se verifica até ao momento, mas também, a outras áreas da

comunicação (Publicidade; Relações Públicas; Propaganda e a própria Comunicação de Marketing) seja pela importância que ganharam na sociedade, ou até mesmo pelas similaridades e diferenças que apresentam. O curso superior em “Comunicação” é uma proposta nova no mercado de ensino angolano, cuja primeira turma, surgiu no ano de 2002 na UPRA, e teve como percursora a professora Gabriela Antunes - que Deus a tenha. Todos os outros cursos e apesar das diferenças nos programas curricullares, Universidade Independente de Angola; Universidade Metropolitana de Angola; Faculdade de Ciências Sociais; Instituto Superior Politécnico e outros que possam existir, surgiram depois de 2004. Implica dizer, que grande parte dos profissionais que desde longa data trabalham neste competitivo mercado, salvo raras excepções, eram ou são todos, jornalistas sem formação superior e ou sem formação superior na área. Este facto entretanto, não retira qualquer merito, devido e merecido a estes profissionais, que em situações bastante imporprias e muitos dificeis desenvolveram e desenvolvem trabalhos brilhantes, ademais, é uma realidade que deve ser respeitada e imitada, como exemplo de dedicação, superação e preserverança. Neste momento, colocamos as seguintes questões: Seriam estes profissionais melhores ou piores se fossem graduados em comunicação ou jornalismo? Teriam alcançado o sucesso que alcançaram caso o curso de comunicação ou jornalismo já existesse na época? Como séria a situação actual da comunicação social?

As questões aqui colocadas, não têm a ver com o facto daqueles que não tinham ou têm diploma e exercem com zelo a profissão, mas sim, sobre a obrigatoriedade de ter ou não o grau de licenciatura em comunicação e ou jornalismo, como requisito obrigatório para o exercício da profissão. A Lei no7/06/15, Lei de Imprensa Angolana, sugere o grau de licenciatiura em qualquer área do saber, como requisito ao exercício da profissão. Uma questão bastante discutivél em vários niveis e em várias áreas. Quando Arquitectos; Médicos; Engenheiros, etc, etc, abordam as suas questões, poucos ou quase ninguém ousa comentar. Porque será?

 

Segundo SCHRAMM, WILBUR a comunicação é uma espécie de encruzilhada em que muitos passam, mas poucos permanecem.

Se concordamos que a vida em sociedade só é possivél porque existe a comunicação, porque aquilo que transmitimos é percebido pelo proximo com o mesmo significado; se concordamos que o estudo e ensino da comunicação é transversal a outras áreas das ciências humanas e sociais, e atendendo a forma como o jornalismo surgiu no mundo, fazem com que, qualquer pessoa, com formação especifica ou não na área, sinta-se no direito de falar, fazer e ou posicionar-se como perito da área. A história da humanidade está repleta de casos de sucesso, de pessoas com formação ou não em dada área, destacaram-se positivamente em relação a pessoas formadas. Conquistar um diploma superior de comunicação, não é por si só, garantia de sucesso no exercício da actividade, pelo contrário, obriga a apresentação de trabalho de elevada qualidade e muito mais responsável.

A história mostra-nos também, que muitas profissionais, dentistas, parteiras, musicos... só para citar estes, bastava ter dom, para exercer a actividade. Nos dias que correm, esta realidade está completamente modificada. É uma anomalia, uma vergonha, principalmente neste mundo globalizado, em que são exigidos cada vez mais conhecimentos específicos para exercício de qualquer actividade profissional.

É inaceitável dizer que jornalista não precisa de diploma na área. É absurdo o argumento ou afirmação de que Jornalista precisa somente de ter “dom” e não diploma. Dom é para musico, padre, pastor, e mesmo para essas profissões, não basta apenas o dom, é preciso estudar, e muito! Aliás, para o exercício de qualquer profissão é preciso ter dom, talento, perseverança, disciplina e estudar com bastante afinco. Quantos de nós não sente-se mal ao ver determinados programas de televisão; ouvir determinados programas de rádio; ler determinadas revistas e ou jornais locais. Quantos casos de “aberração e exagero” falta de qualidade, falta de conhecimento, métodos e princípios, vivenciamos no mercado da comunicação? Seja no jornalismo,

 

publicidade, relações públicas, propaganda e na própria comunicação de marketing. Porque será que isso acontece? Será falta de profissionais formados na área? Será resultado da entrada de profissionais formados localmente? Será ausência de regulamentação própria? Será responsabilidade da política? Será responsabilidade da liderança dos Órgãos de Comunicação? O que se sabe porém é que qualquer peça de comunicação, entenda-se notícia, anúncio publicitário, acção de relações públicas, peça de propaganda, enfim, é ou pelos menos, devia ser, resultado de um árduo trabalho de planeamento, criação, produção, veiculação e monitorização, com base em mensagens chaves que se pretende passar, objectivos e pessoas que se pretendem atingir, mediante utilização de métodos, estratégias e princípios próprios destas, informando, sugerindo, persuadindo, manipulando, etc, etc.

É incompreensível a forma como se cobra tão rapidamente profissionalismo e elevada qualidade, no trabalho desenvolvido pelos novos formados em comunicação, no exercício das suas actividades. Porquê cobrar rigorosamente tanto a estes novos quadros lançados ao mercado? Porque crucifica-los?

O jornalismo e a comunicação nas suas distintas áreas são actividades profissionais como outra qualquer, sendo necessário ceder algum tempo as pessoas formadas recentemente e lançadas ao mercado, para que elas alcancem a qualidade almejada no trabalho produzido. Até mesmo os Bancos Comerciais, quando concedem crédito a um investidor, principalmente um novo investidor, garantem um tempo de carência, para que este possa se organizar e fazer o reembolso da verba emprestada com normalidade. Do direito, docência, passando pela engenharia e demais áreas, os graduados recentemente e lançados ao mercado, têm um período de carência, consubstanciado num acompanhamento, orientação, instrução, enfim, até ao momento em que se reconhece neste, capacidades e competências para que possa caminhar isoladamente.

 

Segundo ROSELI, RICAS, se o cozinheiro não precisa ter diploma, Jornalista também não. Jornalista não mata ninguém, como o médico ou como engenheiro, seguundo a autora.

Se reconhecermos o poder da mídia em promover ou denegrir alguém, do dia para noite e vice versa, podemos afirmar que o conceito de morte aqui apresentado pela autora, não acompanha as transformações sociais, até porque cozinheiro também mata e precisa de formação para o seu exercício. Imagem e reputação constituem hoje, dois atributos, dois valores, dois activos que qualquer pessoa (individualmente ou empresa) procura criar e manter positivamente. Se considerarmos o poder influenciador, manipulador, informativo e sugestivo próprio da comunicação, podemos considerar que a comunicação nas suas diferentes áreas, também mata. Não é atoa que a mesma é desenvolvida mediante o cumprimento de metodos, regras e principios, socorrendo-se das inumeras teorias comunicacionais, sendo até responsabilizidade civil e criminalmente.

Para ROCHA, PAULA o jornalismo no Brasil não pode ser considerado ciência por duas razões: Por um lado, o conhecimento produzido na Universidade não tem o alcance e a profundidade necessária para dotar a profissão de especialista necessário a produção acadêmica de conhecimento científico. Por outra, o carácter não científico do conhecimento produzido pelos Jornalistas é fruto da ausência de regulamentação da profissão. O ensino do jornalismo, acrescenta a autora, visa fundamentalmente a colocação do profissional no mercado do que ensiná-lo a pensar criticamente sua prática e produzir conhecimento especializado.

Apesar das diferenças nos curriculluns dos cursos superiores de Comunicação, a existência de cadeiras como Etica e Deontologia Profissional; Metodologia de Investigação Cientifica; Direito; Psicologia; Sociologia; Gestão; Arte e Literatura..., e outras de especialidade, contrariam as afirmações feitas pela autora, pois as mesmas, contribuem para a produção de conhecimentos cientificos com a profundidade que

 

se exige no mercado, bem como, promove junto dos estudantes adopção de postura reflexiva e análise critica. Actualmente a construção da notícia recorre a técnicas de publicidade e propaganda, dado o carácter intencional e comercial que a mesma deve apresentar. A observação de determinados princípios, efeito boomerang, lei do emissor, lei do receptor, lei da repetição, teoria hipodérmica, agenda setting, só para citar estes, contribuem para o alcance do carácter científico no trabalho apresentado pelo Jornalista.

Segundo LASSWELL, HAROLD, o processo de comunicação pressupõe resposta a cinco perguntas: Quem diz? Diz o quê? Em que canal? Para quem? Com que efeito? Esse processo demonstra que a comunicação é uma actividade intencional e metódica, por meio da qual as pessoas são influenciadas no seu comportamento a partir da veiculação de mensagens.

LIMA, ODILON, defende por outro lado que o tratamento da notícia em qualquer meio de comunicação colectiva transforma o Jornalista, em uma espécie de investigador ou académico. Na descrição do facto, segundo ainda o autor, o Jornalista despe-se de suas expectativas ou sentimentos do fenómeno e o ser de que é fenómeno.

Entretanto PARK, ROBERT, defende que o jornalismo produz um tipo de conhecimento vulgar e não científico, e que o repórter não tem o poder de interpretar o facto que relata. Acrescenta dizendo que o conhecimento jornalístico não consegue ultrapassar o senso comum, ao contrário do conhecimento formal, ou científico.

Muito criticado por vários autores, a tese de PARK, ROBERT está ultrapassada no tempo e espaço, pois, imprensa para o autor era sinônimo de jornal. Nos jornais do início do século XX não havia layout nem secções. As notícias amontoavam-se umas sobre as outras, entremeadas por publicidade. O repórter naquela época não poderia ser muito mais do que um mero relator dos factos presenciados e ou em sua posse.

O facto do repórter nos nossos dias, recorrer a várias fontes, assim entendemos, expor comparativamente os dados, recorrer a história, partir muitas das vezes de

 

hipóteses, bem como recorrer a métodos para a construção da peça, constitui por si só procedimento cientifico. Reconhecemos entretanto que devido a dinâmicas próprias da profissão, nem sempre é possível apresentar uma peça com os detalhes, abrangência e rigor científico que se impõe. O poder de interpretação é exigido ao Jornalista antes, durante e após elaboração da peça, pois, a sua construção é feita mediante utilização de métodos próprios, intencionalidade e contextualizada, sendo que o produto final, oferecido as pessoas, tem de ultrapassar o senso comum, para ser novidade, para ser próxima e para ser relevante, uma vez que, peça jornalística é um produto comercial, que será ou não, adquirido e consumido pelo público, em função da qualidade que a mesma possuir.

WOLF, MAURO entretanto, propõe duas teorias para entender a forma como são produzidas as notícias, por um lado o Gatekeeper, como um conceito criado pelo psicólogo LEWIN, KURT, trata-se de um formador de opinião, mesmo que informal, que tem a capacidade de influenciar a decisão de uma pessoa ou um grupo de pessoas. Por outro o Newsmaking que se articula em dois elementos: A forma como um comunicador produz uma informação está directamente relacionada à sua formação profissional, aos seus princípios e aos elementos culturais que possui, o seu repertório dá forma ao conteúdo a ser transmitido. O segundo elemento refere-se à organização do trabalho e dos processos de produção. O trabalho de comunicação segue um padrão estabelecido e convencionado pelos profissionais. No caso de um Jornalista, ao produzir uma notícia, ele deve atentar para alguns critérios importantes, entre eles, a noticiabilidade que é a possibilidade de tornar uma informação em notícia propriamente. Mas tem-se também a questão do processo de produção, no caso do Jornalista de um determinado veículo de comunicação, ele deve seguir regras e formas para conduzir o seu trabalho, de acordo com a linha editorial do veículo.

Segundo WWW.WEBINSIDER.COM.BR, as novas tecnologias de comunicação facilitaram a tal ponto a transmissão de informações, ampliando a interactividade, que o

 

próprio público, passou a desprestigiar a função do Jornalista, ou seja, qualquer pessoa com algum entendimento de língua e das novas tecnologias, capaz de utilizar uma câmara de vídeo, um rádio gravador e produzir um texto, considera-se Jornalista.

O que sabemos porém é que, quanto mais complexo o mundo se torna, e quanto mais rapidez, quantidade e complexidade as informações adquirem, integrando-se ao próprio ritmo da vida, maiores qualidades, competências e técnicas profissionais se exigem do Jornalista e ou Comunicólogo.

A comunicação social é uma ciência social aplicada, cujo objecto tradicional de estudo são os meios de comunicação de massa, principalmente o jornalismo ou imprensa e a comunicação organizacional. Para MARTINO. C. LUIZ os processos comunicativos atravessam a extensão das Ciências Humanas. Esses processos se identificam com a cultura, a psicologia e a análise histórica.

No fundo, a discussão sobre jornalismo, ciência, conhecimento e regulamentação, centra-se em abrir o mercado de trabalho ou sobre controlá-lo. Por ser uma actividade profissional como outra, é preciso o estabelecimento de regras no seu acesso, e claro, sendo que nas áreas e ou posições, o grau de licenciatura em comunicação e ou jornalismo, bem como de técnico médio, devem ser requisitos primários e obrigatórios de acesso, visando a valorização da profissão e melhoria dos conteúdos apresentados aos distintos públicos. Estes requisitos, não devem limitar-se apenas ao jornalismo, mas também e sobre tudo a outras áreas da comunicação (Publicidade, Relações Públicas, Propaganda e a própria Comunicação de Marketing).

As Universidades têm procurado ao longo do tempo, potenciar-se com quadros melhores capacitados, bem como alinhar a componente teórica à prática, oferecendo aos estudantes laboratórios, práticas e procedimentos, que permitam aos mesmos ter uma percepção e ou contacto muito próximo da realidade actual do seu mercado de trabalho, antes mesmo de concluírem a formação. Apesar de tudo que já foi feito, que está a ser feito, e das inúmeras acções que ainda há por fazer, a postura e atitude dos

 

estudantes, fortemente influenciadas pela realidade sócio económica em que estão inseridos, são factores que deverão influenciar na qualidade e avaliação dos quadros formados na área.

Do ponto de vista da técnica e da tecnologia fazer jornalismo está cada vez mais fácil. Em relação a linguagem, está cada vez mais complicado comunicar com rigor o que acontece. A atribuição de significados ao que acontece exige, além de compromissos e fundamentos com princípios e valores universais, capacidade intelectual específica para apreender e compreender os distintos fenómenos, seus contextos, complexidade, e as razões motivadoras e controladoras, provavelmente ocultas.

É procedimento científico, por exemplo, olhar os factos, recortá-los, respeitá- los, investigá-los, decompô-los, relacioná-los com outros e sempre voltar a eles, para verificações e aferições, comportamentos verificáveis no Jornalismo. É característica do conhecimento científico transcender os factos, ir aos antecedentes, às consequências, às razões que os próprios factos não revelam, para que adquiram contextos de significação que possam torná-los compreensíveis. Tal como a ciência o exercício do jornalismo, também depende de credibilidade. Por isso os Jornalistas devem implementar o uso de métodos, princípios e técnicas, bem como assumir procedimentos científicos no exercício das suas actividades.

Embora ainda pouco representativo, se comparado a densidade populacional, por iniciativa pública, bem como por iniciativa privada, Angola oferece oportunidades de formação, não apenas de nível superior, mas também e sobre tudo de nível médio nas diversas áreas da comunicação, nomeadamente Jornalismo, Publicidade, Propaganda e Relações Públicas, e torna-se por isso mesmo obrigatório a formação na área, como requisito para o exercício a profissão, visando o alcance da qualidade do trabalho de comunicação que tanto ambicionamos. Desta forma, a profissão poderá acompanhar os estágios que outras profissões atingiram, como a existência de uma ordem, bem como a existência e utilização de um código de ética e deontologia profissional.

 

João Fernando Demba

 Comunicólogo