Luanda - Não é a primeira vez que neste espaço escrevo sobre Israel. Quem faz o favor de me ler poderá estar lembrado de uma crónica intitulada ‘O Império e a Terra Prometida’, na qual tentava fazer o historial dos interesses, intrigas e crimes envolvidos na criação de um Estado judaico no território da Palestina. Para poupar argumentos, para ela remeto o leitor eventualmente interessado.

Fonte: Rede Angola

Com o apoio de conceituados intelectuais judeus, como Arthur Koestler e Shlomo Sand, aí se demonstrava que o alegado ‘Povo eleito’ e a suposta ‘Terra Prometida’ são uma ficção, e que a criação do Estado de Israel constitui de facto a usurpação de um território por razões geoestratégicas e de domínio político-económico e a condenação do povo árabe da Palestina.

O próprio Ariel Sharon, na altura ministro dos Negócios Estrangeiros de Israel, assim o reconheceu explicitamente em 1998: “É dever dos líderes israelitas explicar à opinião pública, clara e corajosamente, um certo número de factos que são esquecidos ao longo do tempo. O primeiro deles é que não há sionismo, colonização ou Estado judaico, sem a expulsão dos Árabes e a expropriação das suas terras”.

A intenção, como se vê, não foi nunca a de partilhar um território onde judeus e palestinos coexistiram em paz durante séculos, mas sim a de criar unilateralmente e pela violência um Estado judaico, o qual viria a eliminar, submeter ou obrigar ao exílio uma enorme parte da população, que tinha pelo menos direitos iguais aos da minoria que se apossou do poder com o apoio interessado de algumas potências europeias e dos EUA.

Em resultado disso, mais de cinco milhões de palestinos vivem hoje exilados em países vizinhos, o território previsto nos acordos de 1967 (que Obama diz apoiar!) para a criação de um Estado palestino foi entretanto reduzido a menos de um terço da sua dimensão inicial e fraccionado em três partes sem qualquer ligação entre si, a população inteira de Gaza sobrevive num colete de forças imposto pelo exército israelita e um muro de ‘contenção’ foi erigido em Jerusalém, cidade onde judeus, cristãos e muçulmanos cultuam lugares que consideram sagrados.

Exactamente no local que todos eles mais veneram, o chamado Monte das Oliveiras, Israel decidiu abusivamente instalar em 2012 uma Academia Militar. Na altura, a própria directora de Observação de Colonatos na ONG israelita ‘Shalom Ajsav’ (Paz Agora), criticou o facto, afirmando que “a localização dessa academia numa das áreas mais sensíveis e disputadas de Jerusalém é algo mais do que provocador”. Esqueceu-se talvez de acrescentar que é precisamente essa a forma típica de agir dos sionistas.

Se algum dia um religioso mais desesperado reagir a essa provocação gratuita, imediatamente o governo israelita e os seus indefectíveis apoiantes dirão que ele merece ser severamente punido e que a mensagem transmitida por Deus em tal local vai no sentido de defender o ‘Povo eleito’ da sanha dos seus inimigos, pelo que se justifica plenamente treinar ali quem se vai encarregar de os eliminar.

O conhecido escritor israelita Amos Oz, que a nobelizada escritora sul-africana Nadine Gordimer considerava “a voz da sanidade mental no meio da confusão”, afirma que o conflito israelo-árabe não é entre “tipos bons e tipos maus”, mas sim “um conflito entre duas vítimas”. Segundo escreve em ‘How to cure a fanatic’, tanto os palestinos como os judeus foram vítimas dos mesmos opressores (as potências coloniais europeias) e só um “doloroso compromisso” entre ambos permitirá alcançar uma paz duradoura.

E acrescenta: “A palavra compromisso tem uma reputação terrível na Europa, especialmente entre jovens idealistas, que sempre vêem o compromisso como oportunismo, como algo desonesto, como algo duvidoso e pouco claro, como uma marca de falta de integridade. Não é assim no meu vocabulário. Para mim a palavra compromisso significa vida. E o oposto de compromisso não é idealismo, nem devoção; o oposto de compromisso é fanatismo e morte. Precisamos de um compromisso. Compromisso, não capitulação. Um compromisso significa que nem o povo palestino nem o povo judeu de Israel tenham alguma vez de se ajoelhar”.

O problema é que tal compromisso, doloroso ou não, parece estar cada vez mais longe. Apesar de já ser consensual a ideia da criação de dois Estados independentes, é Israel que, indiferente aos apelos internacionais, continua a alargar com novos colonatos a sua ocupação do território reservado ao Estado palestino, incluindo Jerusalém Oriental, a manter os palestinos enclausurados em verdadeiros campos de concentração e a impedir que eles circulem livremente. Ou seja, a tentar pô-los de joelhos.

Em criança somos advertidos para nunca encurralar um gato num espaço sem saída. Por mais manso que seja, se se sentir acossado e sem hipótese de fuga, ele vira uma verdadeira fera e é capaz de tudo para escapar desse bloqueio. Se até um animal irracional reage assim, fará um povo privado de todos os seus direitos e obrigado a viver miseravelmente na sua própria terra.

Espantam-se (ou fingem espantar-se) os israelitas quando grupos de crianças atiram pedras contra tanques de guerra, nas várias ‘Intifadas’ já ocorridas. Alarmam-se, e com eles os seus incondicionais aliados e cúmplices de todo o mundo, quando grupos desesperados recorrem a artefactos quase artesanais, ou eventualmente a foguetes (rebaptizados de mísseis), para atingir alvos no território ocupado pelos judeus.

Em ambos os casos as represálias são feitas com meios bélicos obscenamente desproporcionais. Afirmam os israelitas que não têm mais baixas porque protegem as suas crianças dos mísseis, enquanto os palestinos alegadamente protegem os seus mísseis com crianças… O facto é que é do lado palestino que morrem mais civis inocentes, sobretudo crianças, pois os israelitas arrasam sem qualquer contemplação zonas de forte concentração populacional. Em Gaza e não só.

Há poucos dias um tanque israelita bombardeou uma escola da ONU no Norte da Faixa de Gaza, causando dezenas de mortes e feridos entre os civis aí refugiados. Esta semana registou-se o dia mais sangrento desde o início a 8 de Julho da ofensiva militar denominada ‘Limite Protector’. Para alegadamente vingar a morte de três israelitas já se contabilizam mil e duzentos mortos e sete mil feridos palestinos. Israel acredita estar a proteger-se cometendo mais um genocídio.

Por muito menos se movimenta de imediato a chamada ‘comunidade internacional’, que aparentemente só se preocupa quando são beliscados os interesses do chamado ‘mundo ocidental’. Alguém acredita que alguma vez venham a ser decretadas sanções internacionais contra Israel por estes crimes?

Amos Oz afirma que, apesar de ser já um velho, voltaria a lutar se a questão fosse “de vida ou de morte” ou se alguém estivesse a tentar escravizá-lo a ele ou a alguém ao seu lado. Que preferia ser preso a ter de lutar “por mais territórios, por um leito extra para a nação, por lugares ou sítios sagrados ou pelos assim chamados interesses nacionais”, mas que “lutaria como um demónio pela vida e pela liberdade, e por nada mais”.

Pois é precisamente isso o que os palestinos têm estado a fazer, privados que estão pelo Estado sionista não só das suas terras e dos seus lugares sagrados, mas também da sua vida e da sua liberdade. Lutar por elas, como admite Amos Oz, é mesmo a única forma de contrariar a sangrenta (e esperemos que provisória) vitória do fanatismo e da morte. Mesmo que isso possa transformar o mais pacato cidadão num ‘demónio’…