Luanda - Intervenção da Deputada Albertina Navemba Ngolo no  Debate sobre a Reconciliação Nacional

Excelência Sr. Presidente da Assembleia

Excelência Sra. Ministra dos Assuntos Parlamentares

Caros Deputados

Minhas Senhoras e meus Senhores


A realização do presente debate afigurar-se-à num princípio do diálogo necessário para uma convivência sã, verdadeira e duradoura, se for conduzido numa perspectiva de olhar para o passado, tirar ilações negativas e nunca mais repeti-las. E com as ilações positivas construirmos um presente com confiança, responsabilidade e garantirmos um futuro sustentável para as gerações vindouras.

 

Esta casa, tem o privilégio de ter no seu seio, homens e mulheres que por razões profundas e irrefutáveis bateram-se com todos os meios ao seu alcance, para que Angola, a nossa pátria, seja hoje um país independente, multipartidário e com uma democracia nascente. Por isso estamos aqui tentando conversar para que juntos, encontremos caminhos de construção de um Estado de Direito, de facto, em Angola.

“A paz não se resume a uma peça de papel, nem ao aperto de mão ou abraços entre adversários. A paz é uma condição social, é obra da justiça, do respeito mútuo, da tolerância. A paz é obra da liberdade, da humanidade, da inteligência e da generosidade”. Isaías Samakuva, Presidente da UNITA.

Doze anos depois do conflito e com lições bem aprendidas, a unidade e a reconciliação nacional passam pelo reconhecimento mútuo, de que somos todos angolanos, por isso condenados, no bom sentido, a vivermos juntos e até com outros cidadãos não angolanos, no quadro da cooperação entre os povos.

Assim, na Angola de hoje, alguns factores que podem pôr em risco a unidade e reconciliação nacional devem ser identificados para a sua mitigação e eliminação. Pois, a redução e irradicação dos riscos pós-conflito pode ser um método efectivo para construirmos a nação angolana e o seu desenvolvimento económico e social.

Em nosso entender são factores de risco para a unidade e reconciliação nacional, os seguintes:

 

1- Factores de risco Económico

 

a) Incompatibilidade entre a abundância dos recursos naturais do país e o nível de vida das populações (armadilha da pobreza);

b) Altas taxas de desigualdade na redistribuição do rendimento nacional;

c) Corrupção institucionalizada;

d) Políticas discriminatórias com base em razões de ordem política e social:

• No acesso ao emprego em empresas públicas e privadas, instituições do Estado, promoções e reconversão de carreira;

• Acesso à justiça;

• Acesso aos serviços de saúde;

• Acesso à educação de qualidade;

• Acesso aos serviços sociais básicos;

• Acesso à terra e à habitação, etc.

 

2- Factores de risco Político

 

a) O desrespeito à Constituição da República de Angola;

b) Intolerância política recorrente em alguns cantos do país;

c) Ausência da institucionalização do diálogo permanente e inclusivo;

d) Timidez na descentralização política (autarquias);

e) Partidarização das instituições do Estado;

f) Instrumentalização partidária das autoridades tradicionais;

g) Partidarização dos meios de comunicação social do Estado;

h) Errada definição dos direitos de propriedade sobre a terra;

i) Fragilização das instituições do Estado;

j) Número de armas que ainda circulam entre as populações.

Identificados alguns factores de risco, urge a necessidade de construirmos a paz social que se traduz na assunção de cada angolano, da responsabilidade de promover a unidade e reconciliação nacional, contribuindo no desenvolvimento económico do país, com ideias novas, com actos que concorram para a justiça social, eficiência e transparência governamental e modernização, para satisfação das necessidades dos cidadãos angolanos. Tal desenvolvimento económico não pode ser conseguido apenas na lógica ou argumento do crescimento económico, traduzido em incremento no produto interno bruto, estabilidade da taxa de inflacção e câmbio.

Deve, sim, ter em conta a erradicação da pobreza, a distribuição justa da riqueza nacional, melhorias no sistema de saúde e educação abrangente, acesso aos factores de produção a todos os níveis e mudança de mentalidade de todos os cidadãos.

A riqueza do país não pode continuar a beneficiar e enriquecer minorias, com acesso a tudo e mais alguma coisa, incluindo créditos cujas garantias são suportadas pela maioria de angolanos com pouco ou quase nada para viver ou sobrevier, tudo na lógica de critérios de pertença a esta ou aquela família, Partido ou raça.

Na mesma senda, os monopólios e oligopólios que prevalecem e se promovem, nalguns sectores da economia angolana, por sinal seguramente prósperos, a exemplo dos das telecomunicações, construção e outros, sejam igualmente eliminados, pois constituem-se em factores de risco para a unidade e reconciliação nacional. A concorrência leal é a melhor via para o bom funcionamento do mercado.

A verdadeira reconciliação nacional passa, sem subterfúgios, por uma melhor gestão dos recursos públicos, valorização dos recursos humanos nacionais, restauração da indústria, controlo da dívida interna e externa, com políticas que promovam resultados de melhoria da qualidade de vida dos cidadãos.

A provisão massiva de serviços básicos sociais como a água, energia, habitação e saneamento básico para todos os angolanos, contribuirá para a pacificação dos espíritos e felicidade pelo usufruto da paz.

Todos os angolanos devem ter oportunidades iguais para aceder aos empregos, tanto em empresas ou instituições públicas, como privadas. Ninguém pode ser excluído por motivo do seu nome de família, do seu Partido, seu local de nascimento, ou cor da pele. Os funcionários públicos, incluindo os agentes de serviço de segurança, devem ser funcionários do Estado e não de Partidos. Os Órgãos de Comunicação Social Públicos, usam recursos de todos os angolanos. Logo, têm a obrigação moral de prestar o serviço público de informar e formar a sociedade, com verdade e isenção.

A história da humanidade e do nosso país em particular, ensinou-nos que para a manutenção da paz, para a unidade e reconciliação nacional, alguns grupos específicos devem ser tidos em conta, numa estratégia de internalização dos riscos pós-conflitos.

Neste âmbito, a importância da juventude, dos antigos Combatentes e veteranos da Pátria, das mulheres e a exposição das crianças, durante e pós-conflito em todos os processos políticos em Angola, são por todos conhecidas. Assim, acções dinâmicas e positivas que promovam a resolução dos problemas que os afligem, são igualmente desafios a observar pelas autoridades competentes.

Estudos sociológicos do número de jovens desempregados, escolaridade e outras vertentes da sua vida, para os empregados, a quantificação dos seus rendimentos ante ao custo de vida, na perspectiva de uma vida digna e feliz, constituem-se igualmente numa base para definição e direcionamento de políticas tendentes a responder as suas espectativas e seu enquadramento na vida produtiva a nível nacional. Pois, capacidades e funcionalidades juvenis bem encaminhadas mitigam sobremaneira conflitos, convulsões sociais e a criminalidade que generalizada, cria instabilidade social.

Os desmobilizados de todas as forças intervenientes no conflito armado, FAPLA, FALA, ELNA e FAC, os Antigos Combatentes e Veteranos da Pátria, são outra franja a considerar no quadro dos compromissos assumidos pelo Estado angolano, internalizando assim os riscos pós-conflito que podem inviabilizar a unidade e a reconciliação nacional.

O acesso diferenciado das mulheres aos benefícios políticos, económicos e sociais resultantes da paz, numa política do seu empoderamento para integração social condigna, afigura-se, igualmente, de extrema importância no quadro da estratégia de prevenção de riscos pós-conflitos, resultantes da exclusão de grupos específicos da sociedade.

Na mesma lógica do espírito de unidade e a reconciliação nacional, um olhar atento às elevadas taxas de trabalho infantil, facilmente visível nas ruas das cidades, aldeias e embalas do nosso país, recomenda-se, tendo em conta a continuidade e a sustentabilidade da nação angolana.

A restauração da dignidade e originalidade do papel das autoridades tradicionais em todo o espaço nacional é outra necessidade nacional, para devolver a paz e a tranquilidade nas aldeias e embalas. Os sekulos e os sobas não podem ser utilizados como activistas políticos, mas sim como agentes de unidade e reconciliação nacional.

A redefinição dos direitos de propriedade sobre a terra é outro imperativo estratégico, para promover a paz, unidade e reconciliação nacional. As expropriações de terras, as demolições de residências dos cidadãos, as ocupações arbitrárias de terrenos, constituem-se em factores de risco pós-conflito. Pelas suas benfeitorias, a facilidade de acesso à terra é um meio de redução da pobreza e também de pacificação dos espíritos.

Assim, o poder político em Angola deve posicionar-se numa perspectiva de equacionar soluções que erradiquem as causas da intolerância, do não respeito mútuo, das desigualdades na distribuição das riquezas, do enriquecimento ilícito, da corrupção generalizada, da insatisfação dos cidadãos, da exclusão social, das greves e manifestações, etc. E não apenas as consequências, ou acções mal concertadas.

Na verdade, o país precisa de criar um mecanismo dinâmico de diálogo permanente entre todas as forças vivas da nação, políticas, sociedade civil, religiosas, tradicional, para constituição duma sociedade inclusiva, digna e igual para todos. 

Excelência, Sr. Presidente

Caros presentes

Para a realização dos desideratos acima expostos, e como a democracia é o estágio mais autêntico da paz, unidade e reconciliação nacional, os angolanos precisam dos seguintes pressupostos políticos para implantação do Estado de direito democrático em Angola, de acordo com o Programa de Governo da UNITA:

1. Uma presidência da República para todos, mais preocupada com a República, do que com o Partido e interesses pessoais, dialogante de forma profunda e realista;

2. Uma governação de todos e para todos, que não governa para os militantes. Um governo para todos que não exclui ninguém por motivos de nome de família, do seu partido, seu local de nascimento, cor da pele;

3. Um Estado que não garante apenas os direitos de propriedade, mas estabelece através de legislação diversificada e implementação da mesma, um conjunto de garantias fundamentais alicerçadas no chamado princípio da “Dignidade Humana”;

4. Os angolanos precisam de um Estado que respeite a Constituição da República de Angola, pois nela estão plasmados os limites do exercício do poder, bem como as garantias, direitos, liberdades e obrigações dos cidadãos;

5. A efectivação da separação e interdependência de poderes, ou seja separação entre o poder executivo (o Governo), o poder Legislativo (Parlamento) e o Judicial (Tribunais) é outro desafio para Angola.

 

Luanda, 13 de Agosto de 2014. -

Muito Obrigada