Luanda - Tinha de escrever acerca do assunto das propinas, que está ultimamente em voga, depois de termos visto o ano lectivo emagrecido de- vido à realização do censo populacional. Muito se falou, mas pouco se escreveu acerca do absurdo que é alterar toda a demais agenda devi- do ao censo populacional.

Fonte: SA

O que as pessoas dizem é que isso não faz sentido, porque senão teremos as agendas alteradas de dez em dez anos, coisa que não ocorre em mais parte alguma do mundo. E acrescentam: então vamos alterar também todos os anos a agenda pública devido à realização (por exemplo) do Carnaval, decretando uma ou duas semanas de férias na- cionais por essa época?

Tenho de reconhecer que, de início, também apresentei a mim mesmo dúvidas desse género. Mas lá concluí que, se calhar, era melhor assim. É que, conhecendo- -nos como nos conhecemos, sabe- mos à partida que se alguma coisa no censo desse para o torto (como realmente aconteceu), o primeiro e último dos argumentos seria: «Não aceitaram a mudança da agenda nacional devido ao grande evento que é o censo populacional. Pois aqui está o resultado!».

Mas acerca do censo popula- cional, falaremos numa próxima ocasião. Para já, vamos abordar a questão relacionada com o fatídico mês de Maio, em que alunos e seus encarregados de educação tiveram de desembolsar sem qualquer con- trapartida. Houve muito pouco excepções a esta regra, sendo uma delas a da Faculdade de Ciências Sociais da UAN.

Muito pouco se falou sobre esta questão, em relação ao ensino ge- ral. Falou-se muito mais no sector do ensino superior, porque neste sector os lesados têm (eles pró- prios) voz e lutam pelos seus in- teresses. Já no ensino geral, quem tem voz não são os alunos, mas os encarregados de educação. E estes, na sua maioria, procuram evitar problemas para os seus educandos.

Mesmo quando sabem que eles até são castigados na escola, pouco fazem normalmente para reivindicar o seu direito à educação (e não a maus-tratos, que mais não são que um sério contributo para humilhar e deseducar – coisa que está em voga no ensino primário e ninguém faz nada para acabar com isso, apesar de ser um mal social cujos efeitos se farão ainda sentir nos próximos 30 ou 40 anos).

A pergunta que os leitores po- dem estar a fazer é: então se mais se falou em relação ao ensino su- perior, por que razão vem este colunista trazer o assunto a uma audiência com o Ministro da Edu- cação (e não com o Ministro do Ensino Superior)? A resposta é simples: uma vez que quem criou este precedente (e este mau hábito) foi o Ministério da Educação, deve ser este departamento a resolvê-lo em definitivo.

Os leitores mais atentos devem estar recordados da rubrica «Consumindo», que tive no «Jornal de Angola» durante exactos dez anos, até que chegou a tesoura e acabou com ela, sem apelo nem agravo, em Junho de 2007. Nessa rubrica, em várias ocasiões, chamei à atenção para o facto de os colégios cobrarem todos os anos pelo menos um mês a mais, como se isso fosse a coisa mais natural do mundo.

Alguns (poucos) encarregados de educação reclamavam, mas a ver- dade é que nunca ninguém moveu uma palha para acabar com esse roubo descarado. Por isso, cá es- tou hoje a abordar o assunto com o Ministro da Educação, com a es- perança de este ministério passar a exigir actuação devida por parte dos colégios.

Uma vez ou outra lá se vão ouvindo desculpas deslavadas para justificar essa ida ao bolso do consumidor, segundo as quais os professores devem receber salário mesmo quando estão de férias. Desculpas como esta são mesmo deslavadas e, até, esfarrapadas. Porquê? Porque se isso tivesse alguma lógica, então quem estivesse internado 6 dias numa clínica teria de pagar 7 dias (porque o pessoal recebe pelos 7 dias da semana) ou quem alugue uma viatura por 12 meses teria de pagar 13 meses de aluguer (porque a lei determina que se pague o 13.o mês aos funcio- nários da empresa de rent a car)...

Tudo isto ultrapassa o limite do absurdo, apenas concebível num quadro de completo desrespeito pelos direitos do consumidor. Qual Ministério da Educação, qual Instituto do Consumidor, qual lei de defesa do consumidor, qual o quê? Nada disso funciona, quando a regra é beneficiar os mais fortes e poderosos, prejudicando os mais fracos. Funciona, pois, o princípio de Mateus: «Ao que tem, ser-lhe-á dado e terá em abundância; mas ao que não tem, até aquilo que tem lhe será tirado».

A questão que se apresenta é: quem tem os colégios? Não estou a falar de pessoas, até porque nada tenho contra quem tem colégios (muito pelo contrário). Estou é contra a roubalheira «legalizada» pelo Estado, que permite que os proprietários de colégios digam que cobram uma propina (por exemplo) de 10 mil kwanzas ao mês, quando a propina real será de 11 mil kwanzas, considerando apenas os meses de aulas (que são aqueles que têm de ser pagos).

O que o Estado tem a fazer é acabar com atrocidades como essa. Se o valor da propina é 10 mil kwanzas, então que seja isso que se cobra, apenas nos meses em que há aulas. Se alguém quer cobrar um mês a mais, então que tenha a coragem de aumentar o valor da propina de modo a deixar de ludi- briar o consumidor do seu serviço – e assim deixará de ser acusado de roubalheira.

É isso que peço ao Senhor Mi- nistro da Educação, em nome de boa parte dos encarregados de educação deste país, que não têm voz. Que haja transparência. Que se acabe com o 11.o mês de pagamento em colégios, já que a lei não estipula (e não pode estipular) uma atrocidade dessas. E que, se o ano lectivo começa no dia 15 de al- gum mês, se pague apenas metade desse mês. Aguardamos solução, senhor Ministro.

Por ora, me despeço do Ministro da Educação, prometendo voltar proximamente ao seu gabinete para abordar a muito séria questão da qualidade de ensino.