Nos cinco países africanos de língua oficial portuguesa PALOP), o ano queagora termina foi marcado por vários escrutínios. Eleições que marcaram a continuidade, com o MPLA a esmagar em Angola e a Frelimo a ganhar em Moçambique, apesar da vitória surpresa do independente Daviz Simango na corrida à câmara da Beira.

ANGOLA - A quebra do petróleo

Angola entrou em 2008 com um fervilhante projecto de reconstrução mas sai do ano com expectativas mais baixas. A crise internacional e a fortíssima quebra no preço do petróleo, colocam sombras no percurso angolano, impondo uma revisão em baixa do Orçamento que se presumia sensatamente estribado na base do barril a 55 dólares. Mesmo assim, com o petróleo em baixa e uma redução considerável da produção, e portanto com receitas globais distantes das que eram projectadas no início do ano, Angola vai manter um andamento alto graças à dinâmica da reconstrução, mas fica por saber se conseguirá realizar alguns dos compromissos eleitorais do MPLA que venceu, de forma esmagadora, as legislativas de Setembro. As eleições, e o triunfo do MPLA com mais de 80% dos votos foram o acontecimento central de 2008. Encerraram o vazio criado por 16 anos sem consulta popular, deram uma maioria arrasadora ao partido que lidera o país desde a independência e permitem-lhe realizar, sem necessidade de qualquer suporte, um dos principais objectivos: a revisão constitucional.

MOÇAMBIQUE - Ao ritmo do Zambeze

O ano acaba como começou. O Zambeze corre cheio, em plena época das chuvas. A barragem de Kariba, na Zâmbia, abriu a primeira comporta e prevê-se que as águas voltem a subir como no início de 2008 quando milhares de pessoas juntaram animais e bens e subiram para os barcos de resgate em busca de locais mais seguros. A 5 de Fevereiro, em plena crise mundial de petróleo e trigo, rebenta uma "revolta popular" em Maputo e zonas periféricas e os protestos contra os aumentos do preço do pão e dos chapa (transportes semicolectivos de passageiros) depressa alastram a outras cidades. O governo negoceia apoios na compra dos combustíveis e os panificadores estudam alternativas para a produção. Em Novembro, a Frelimo vence as terceiras autárquicas. Escapa-lhe apenas a cidade da Beira onde Daviz Simango, ex-Renamo, conquista mais de 60% dos votos. Na capital, o crime avança. Há assaltos a agências bancárias e a esquadras e é assassinado o director de Ordem e Segurança Pública. Em Dezembro há mudanças na hierarquia da polícia e persiste a dúvida sobre o paradeiro de Aníbal dos Santos Júnior (o chefe da quadrilha que matou o jornalista Carlos Cardoso) que fugiu, pela terceira vez, da cadeia.

CABO VERDE - Uma política agressiva

Foi com um enorme passo em frente que Cabo Verde abriu o ano: em Janeiro, passou a pais de desenvolvimento médio, um "prémio-castigo", que louva o notável desempenho cabo-verdiano, mas torna mais complexa a batalha de um território sem outra riqueza que a dos seus homens e mulheres, gente espalhada por ilhas sem recursos, ou pelo mundo, numa diáspora que é ouro para Cabo Verde, pelas remessas dos emigrantes. Ao longo do ano, e para lá do reforço do prestígio global deste país pequeno, pobre mas dotado de capacidade humana, foi a "política de briga" que mais se destacou. Rivais agressivos, PAICV e MpD atravessaram o ano em rude combate verbal, e, de vez em quando, mesmo físico, provocado pelo especial clima eleitoral autárquico. O MpD ganhou o combate, com a especialíssima conquista da capital, a cidade da Praia, mas o ambiente político manteve-se denso e, às vezes, insensato, primeiro com as alusões a uma oposição ligada ao dinheiro do tráfico, depois com as referências ao envolvimento do governo no escândalo associado ao BPN/Sociedade Lusa de Negócios.

SÃO TOMÉ - Luto por naufrágio

A intriga política volta a marcar um ano que termina com a aprovação do maior Orçamento do Estado de sempre. Este "sim2 do parlamento ao OGE de cerca de 150 milhões de dólares poderá ser um voto de confiança ao XIII governo, chefiado por Rafael Branco do MLSTP-PSD, mas há que ver para crer. Em Maio, dias depois de terem deixado passar as contas apresentadas pelo então primeiro-ministro, Patrice Trovoada (líder da ADI), o MLSTP-PSD e o Partido da Convergência Democrática avançaram com uma moção de censura que fez cair o executivo. Após semanas de impasse, Branco forma um governo constituído por quadros do MLSTP-PSD, do PCD e da ADI. No campo da justiça, o julgamento do caso Gabinete de Gestão de Ajudas voltou a ser adiado esta semana. Vários ex-ministros foram notificados para esclarecimentos sobre o desvio de fundos estrangeiros. Em Novembro, sete elementos da Polícia de Intervenção Rápida, os "Ninja", foram condenados por abuso de poder com penas que de dez a 18 meses de prisão, suspensa por dois anos. 2008 foi ainda um ano de luto para as famílias das vítimas do naufrágio do navio que ligava S. Tomé ao Príncipe.

GUINÉ-BISSAU - Nova esperança

O PAIGC ganhou as legislativas e, uma vez mais, volta a esperança, sem que, porém, se afaste a dúvida sobre a real possibilidade de tirar o país do labirinto em que mergulhou. África realiza-se com a simples ida às urnas, coisa que a Guiné tem vindo a repetir com regularidade, sem que até agora tenha conseguido avançar no sentido da normalização e desenvolvimento. Bem pelo contrário. A Guiné sai de 2008 com as mesmas interrogações. De novo com Carlos Gomes Júnior, "Cadoga", no comando do governo, haverá reforma das suas forças armadas? Conseguirá o Estado recuperar-se, passando a dispor de estruturas que sustentem o desenvolvimento? Poderão ser varridas do horizonte todas as ameaças, a maior das quais será a questão do tráfico de droga?


* David Fernandes
Fonte: Diário de Notícias