Washington - Como num partido politico normal, na UNITA parece haver, periodicamente, pequenas crises em que se trocam várias acusações. Uma das acusações, de nepotismo, vai perdendo carga com a instalação de processos democráticos.

Fonte: SA

Vimos, ultimamente, a eleição de «Aly» Mango como Secretário-Geral da JURA, o sector da juventude da UNITA. Ele é filho de Adolosi Alicerces Mango, que faleceu nos confrontos de 1992 em Luanda. Depois de ter estado em vários postos no partido, Adolosi Mango chegou a ser Secretário-Geral.

Conheci Adolosi Mango em 1983, quando fui à Jamba. O TC (Tenente Coronel) Adolosi, como o tratavam, tinha uma figura impressionante: era alto, escuro, bem articulado e grande intelectual.

Naquela época, a UNITA tinha muitos acontecimentos de relações públicas, para convencer o mundo de que não se tratava de um movimento de marginais incultos.

A UNITA tinha muitos amigos franceses. O TC Adolosi não só falava o Francês muito bem, como seguia de perto a política da África Francófona. Um dos seus filhos chama-se Teli, em homenagem a Diallo Teli, o guineense que foi o primeiro Secretário-Geral da OUA.

O TC Adolosi tinha-se destacado no Centro de Estudos Estratégicos Kapessi Kafudanga (CEKK), onde se formava os quadros que iriam para o interior. A UNITA teve muitas falhas – que já foram altamente enumeradas, incluindo mesmo por mim.

Porém, havia também um desejo enorme de afirmação através da formação de quadros. Os meus colegas no CEKK são hoje responsáveis em várias estruturas em Angola.

O TC Adolosi dava-nos aulas de Geopolítica – a interligação dos fenómenos internacionais. Nós, os alunos, tínhamos várias origens: havia os militares que tinham vindo das regiões em que havia guerrilhas (oficiais de batalhões que tinham dado prova no campo, mas que precisavam elevar os seus conhecimentos académicos), estudantes que tinham acabado o curso na Polivalente de Likua e gente como eu, chegada do exterior. No meu curso, havia até alguém saído de uma universidade ocidental.

No CEKK, éramos divididos em grupos de aprendizagem; os conhecimentos tinham que ser partilhados. Quem, por exemplo, lia bem o Inglês, tinha que traduzir os artigos para os outros. Nas aulas de Estratégia (como, por exemplo, instalar uma guerrilha numa região), os comandantes chegados do terreno falavam como a teoria era relacionada com a prática.

No CEKK, tínhamos intelectuais e escritores internacionais que nos davam palestras. Lembro-me claramente do escritor francês Gerard Chaliand (especialista em conflitos armados) e do americano Grover Norquist. Fui eu o seu intérprete numa« palestra dada por este último.

O TC Adolosi era um homem muito sério. Lembro-me que, numa das suas palestras, uma amiga apareceu a mastigar uma pastilha elástica. O TC Mango, altamente enfurecido, mandou-lhe cuspi-la de imediato. Mas ele era também muito justo.

Lembro-me de vários casos em que certas acusações eram feitas contra alguém. O TC Mango analisava-os cuidadosamente; ele era completamente contra as arbitrariedades. Depois ele foi promovido a Chefe do Gabinete do Presidente Savimbi.

O Presidente Savimbi não passava muito tempo na Jamba – ele tinha residências no Etalala, Ponto Trinta e em localidades temporárias ao lado de lagos, onde, para divertir-se, ele dedicava-se à pesca. Em momentos críticos, ele ia mesmo para as frentes de combate. As várias estruturas (inteligência, logística e departamento internacional) passaram a ter um sector peripatético na presidência ou na coluna presidencial – como se dizia.

Naquela época, uma das qualidades que os jovens quadros da UNITA tinham era uma imensa capacidade de trabalho. Lembro-me que às vezes me chamavam às quatro da manhã para o Gabinete do Alto Comandante, cujo chefe era o TC Mango. Às três, tudo já estava a funcionar como se fossem dez de manhã. Os quadros diziam então que a cama foi feita para descansar – e não para dormir.

O TC Mango, naqueles momentos, dava-me o café da manhã (uma infusão de cafeína e uma bolacha cheia de proteínas) e mandava-me rever os documentos em Inglês. Ele lia muito e tinha uma colecção das obras publicadas pela União dos Escritores Angolano. (Afinal tinha que se saber como é que os outros, do lado de lá, pensavam).

Foi do TC Mango que ouvi falar pela primeira vez do Luandino Vieira e como, nas suas obras, ele tentava enaltecer a gíria das sanzalas luandenses. Lembro-me, no gabinete do TC Mango, de uma troca de impressões sobre a literatura africana em Inglês e em Francês.

Ele era um grande fã de Senghor, citando uma vez como tendo dito que se os europeus colonizaram os nossos países, tinha chegado o tempo de nós colonizarmos as suas línguas. O TC Mango gostava de trocar ideias. Muitas vezes, à tarde, na Jamba, ele sentava-se num jardim com um seu grande amigo, o Zito Evangelista (TC Kalhas), que também era benguelense, em debates intensos.

Foi o TC Mango que me mandou trabalhar na Kwacha Unita Press (KUP), como tradutor para o Inglês. Antes de eu ir para lá, ele disse que o sector da informação era muito complicado, pelo que eu teria que me concentrar no meu trabalho.

Na KUP, tive a grande sorte de trabalhar sob tutela do mano Tito Marcolino, figura que já tinha sido jornalista em Benguela no tempo colonial. Foi do mano Tito que aprendi o princípio da pirâmide invertida ao se escrever uma história e a importância de ser conciso. Aprendi também a dactilografar com o mano Tito. Naquele ambiente muito militarizado, ele liderava um ninho literário que era a KUP.

Em Março de 1986, numa manhã, o TC Mango chamou-me e disse que eu iria, finalmente, continuar os meus estudos na Europa. Voamos num King Air para Kinshasa; o TC Mango tinha sido nomeado como representante da UNITA na Alemanha. De Kinshasa, viajamos para Paris no que, para mim, parecia ser um gigantesco avião.

Passamos a noite em casa do mano Lukamba Gato. De manha, fomos juntos ao aeroporto – ele iria para a Alemanha e eu para Londres. No táxi, de repente, o mano Mango falou comigo em Umbundu, o que era raro. Como muitos benguelenses citadinos, ele não usava muito o Umbundu. Disse-me para levar os estudos muito a sério. Por causa da guerra, como disse, o seu sonho de estudar Direito tinha sido interrompido.

Em todo caso, ele iria usar a estadia no estrangeiro para aumentar os seus conhecimentos. Isto não foi possível: o mano Mango empenhou-se seriamente na diplomacia do partido e, em 1991, teve que regressar definitivamente a Angola para ser um dos líderes do partido. Faleceria nos confrontos de 1992.

Há um clipe da cerimonia em que o «Aly» Mango passou formalmente a ser o Secretário-Geral da JURA a circular nas redes sociais. A dado momento, o «Aly» chama a sua mãe ao palco. O filho abraça-a, com os olhos cheios de lágrimas, agradecendo-a pelo que ela terá feito por ele. Chorei, também, quando vi aquele clipe. Pensei no Mano Mango – e o orgulho que iria sentir por ter um filho que, fisicamente, é igualzinho a ele!