Luanda - O nosso lugar de nascimento tem qualquer coisa de transcendente que nos atrai a si. Por mais que nos sustentemos longe dele, a nossa tendência natural é sempre voltar. Ele vai connosco. Ele está dentro de nós. E assim escutamos quando nos chama.

Fonte: SA

O chamado da terra nos leva a virar-se para ela e a transformá-la, não só para o nosso bem-estar, enquanto contemporâneos, mas também para as futuras gerações. É a conjugação dessas respostas que faz com o nosso chão natal se movimente no tempo e no espaço. Faz com que ele se desenvolva.

É nessa faculdade que se pode perceber o facto de que no passado os exploradores europeus que «descobriram» as américas, áfricas e ásias o fizessem não primeiramente para instalar-se nesses confins, mas procurando fontes alternativas de prosperidade para as suas terras natais.

Foi também para satisfazer as necessidades do «Velho Continente» que o tráfico de escravos africanos para as Américas encontrou mercado.E assim durante esses largos tempos os recursos naturais das nossas terras foram sendo pilhados. Tudo em nome da prosperidade das terras dos exploradores.

Nos dias de hoje, tal como no passado, vê-se o caso dos imigantes. Eles partem em busca de melhores condições de vida, levam as suas terras natais no peito, de modo que, do resultado dos seus esforços, parte da renda volta aos seus pontos de partida, aos países de origem. Sempre no intuito de ajudar a desenvolve-los. O seu grande sonho é voltar para casa sob melhores condições.

É essa mesma linha de pensamento que guia as acções dos investimentos de muitos presidentes africanos na hora de empreenderem uma transformação total aos seus redutos de nascimento.

A diferença é que essas «gastanças» são alimentadas pelos cofres públicos, no âmbito de regras unilaterais de governação, servindo somente para acalentar egos vaidosos e glorificar os seus protagonistas.

Tendo como exemplos o antigo presidente da RDC, o excêntrico Mobutu Sese Seko, e o «ex» da República Gabonesa, o janota El Hadj Omar Bongo Ondimba, à priori, poderia se entender que o aspecto sentimental seria a razão do que leva um homem revestido de tanto poder a transformar a terra que o viu nascer num objecto dos seus coqueluches.

Mas, nesses caso, onde o poder não chegava perto do que se conhece por democracia, essa prerrogativa sentimental se revestiria de uma desculpa esfarrapada, já que passava por cima de tudo e todos, e ultrapassava todas as fronteiras do dever, no contexto de uma organização de Estado de direito.

Mobutu, quando promoveu a metamorfose desenvolvimentista na selva tropical zairense, tinha como intenção vir a tornar a cidade de Gbadolite, por si fundada nas bandas que foram o seu berço, como a capital do seu país dos sonhos. Ele era realmente «o rei» e isso estava ao seu alcance. Não precisava consultar outras instancias do poder para que visse os seus desejos realizados. E foi o que fez!

Construída para glorificar a omnipotência de Mobutu, com sua sumptuosa residência presidencial, seus bancos de grandes dimensões e suas avenidas cerimoniais, entre outras extravagâncias, hoje deploravelmente arruinada, Gbadolite vive os seus dias de extrema degradação num «show apocalíptico».

«Senhor Todo Poderoso», Omar Bongo, que considerava sua propriedade tudo o que estivesse dentro das fronteiras gabonesas, transformou a localidade do seu nascimento numa grande urge em crescimento.

De um simples aldeamento nasceu uma cidade que leva o seu próprio nome: Bongoville. E essa terá sido a maior e talvez melhor «cereja» do presidente gabonês num «bolo» de outros «bongos» pelo país, exaltando o nome do seu «criador»: Universidade Bongo, Aeroporto Bongo, muitos hospitais Bongos, um estádio e um Bongo Gymnasium Mobutu e Omar Bongo foram alguns exemplos.

Seus sucessores, porém, ainda não dão a entender se essa mentalidade tenha sido já ultrapassada. A lista inclui outros componentes. Todos vivem, ou viveram sempre relutantes em deixar o poder e diante da indignação popular são considerados «corruptos» e «ditadores».

Seja como for, há mesmo qualquer coisa de sagrado «de onde nós viemos» que faz com que «para onde nós vamos» a última morada seja o mesmo solo que nos viu nascer.

Mobutu, embora tenha sucumbido em Marrocos, teve aprovado o regresso dos seus restos mortais para que fossem condignamente enterrados na sua terra. Omar Bongo, na medida em que promoveu o desenvolvimento da região em que nasceu, estava a preparar o seu sepulcro, pois é lá que os seus restos mortais «descansam».

Chegamos à conclusão que a vida começa e acaba no mesmo lugar. E se assim é, a prosperidade que procuramos empreender sempre ao nosso local de origem, à nossa terra natal, é uma revelação inconsciente do facto de sermos «imigrantes» na Terra. É essa (in)consciência que move a religiosidade humana. Transcende a nossa compreensão, por mais que tentemos explicá-la.

 

Na consciência mais ampla, podemos experenciar que somos portadores de um destino divino e humano e que tanto um como o outro tem suas obscuridades. Enquanto o estino humano encontra na transformação da natureza a prosperidade da sua «terra santa», o destino divino tem uma terra prometida de prosperidade eterna, que só existe depois da morte.

(*) Semanário Angolense