Luanda - Por ter sido demasiado extensa, apenas nesta edição concluímos a entrevista que o antigo secretário-geral da JURA, Mfuka Muzemba, que continua sendo deputado à Assembleia Nacional pelo Galo Negro, concedeu ao Semanário Angolense.

*N. Talapaxi S. E Hélder Simões (fotos)

Fonte: SA

Semanário Angolense (SA) – Não há como a actividade dos partidos da oposição deixar de limitar-se à Assembleia Nacional?

Mfuka Muzemba (MM) - Houve uma orientação que limitou o Parlamento a fiscalizar as acções do Governo. Esta orientação corresponde a uma grande violação ao princípio democrático e um desprezo ao povo. O Governo quando vai ao Parlamento não vai discutir o Orçamento Geral do Estado, mas, sim, despachar. Não se auscultam os parceiros sociais, que são a sociedade civil, instituições públicas e até privadas. Toda a produção legislativa que a Assembleia tem tido é resultante de solicitações do Governo. E mais: o Parlamento, basicamente, só aprova as leis do Governo.

SA – E a voz dos partidos da oposição não conta?

MM – Os partidos da oposição não são uma força bloqueante. E, em determinados casos, o partido governante faz demonstrar que os falhanços das políticas públicas são da co- responsabilidade da oposição. Basta sentir, às vezes, na opinião de um cidadão comum, de que todos são «farinha do mesmo saco». Há casos em que a oposição não tem qualquer responsabilidade, mas assume porque o partido governante faz passar esta mensagem. Quando vivemos em regime democrático, o Parlamento, como um organismo democrático, não pode ser domesticado nem tido como caixa-de-ressonância do Executivo. Fica lugar de representação fictícia e limitada a alguns grupos previamente seleccionados, raramente electivos e geralmente manipulados.

SA - Como será a conversão e em que futuro será aplicada?

MM - A composição dos parlamentos é resultado das eleições. Se queremos realmente aumentar a intensidade da democracia, temos que garantir parlamentos equilibrados, resultantes dos processos eleitorais, com partidos competitivos, que tenham capacidade de penetrar e convencer o eleitorado. Nós temos um partido (governante) que asfixia a oposição e temos uma oposição, em muitos casos, desorientada e inactiva, em determinados casos.

SA - Diante da pressuposta inoperância da oposição quanto às transformações necessárias para responder aos anseios de democratização, o país depende de uma revolução que possa ou deve acontecer no partido governante?

MM - Acho que os partidos não poderiam esperar por milagre. Isto em política não existe. Penso que o MPLA está bem. Está a governar e não se sente incomodado na sua governação. Não lhe acontece nada, quando até, por vezes, governa mal. Está folgado, então está bem. Quem se apresenta como alternativa é que poderia fazer mais; sendo mais agressivo, aproximar-se mais do cidadão, fazer mais actividades, criar mais acções e protagonizar factos políticos. Muitas vezes, a oposição, quando critica, não tem alternativa. Basta ver a falta de qualidade que temos nos debates políticos.

SA – Há o risco de atitudes extremas na reacção dos partidos ou dos jovens, sem que sejam violentas? É possível isso?

MM - A minha maior preocupação não são os partidos, pelo facto de percebermos que estão desacreditados. Não existem referências de liderança de partidos com capacidade alternativa ao poder. As paixões de muitos mais velhos não correspondem às expectativas dos jovens, tanto mais é que não há interacção entre a juventude e as lideranças políticas. A juventude quer encontrar outros espaços de participação em modelos ou referencias que correspondam às suas expectativas.

 

Diálogo com a Juventude «Fui um dos grandes mentores do encontro com o Presidente»

SA - O que é que a UNITA faz em prol deste jovem que quer um país diferente?

MM - A minha passagem pela JURA foi de um trabalho mais externo do que interno. Eu também dei rosto à JURA. Foi durante o meu «reinado» que conseguimos estipular nos estatutos do partido a cota de participação dos jovens de 20% em todos órgãos. Inclusive a cota de participação de 20% na lista de candidatos a deputados. E foi através deste meu «reinado» que a JURA conseguiu ter dois jovens eleitos deputados. Conseguimos também, em Luanda, inclusive nas capitais, ter uma base de apoio forte de jovens não tradicionais da UNITA. E foi através do meu «reinado» que a UNITA saiu dos 16 para os 32 deputados.

SA - Acredita que este ganho estabilizou-se e deu outra consciência à juventude?

MM - Foi através do meu «reinado» que se ganhou intervenções públicas da juventude, que começaram a surgir os movimentos revolucionários juvenis e, em determinados casos, animei muitas das acções de reivindicação pública. Tivemos uma passagem muito curta, mas que foi de muito sucesso e de muitos ganhos, inclusive, para o partido. E isso é uma realidade que ninguém pode desmentir.

SA - Dentro do Conselho da Juventude a JURA foi mais actuante?

MM - E o Conselho Nacional da Juventude passou a ter mais importância com a nossa dinamização. Nós dinamizamos inclusive a juventude dos outros partidos e as outras organizações cívicas. Fui um dos grandes mentores e protagonistas do encontro que o Presidente da República teve com os jovens. O CNJ foi arrastado por nós.

SA - No quadro do processo de democratização que ganhos viu nesse encontro?

MM - Valeu a amabilidade do PR ter conversado com os jovens, ter dialogado e escutado directamente dos jovens as suas preocupações.

SA - Que diferença houve, em termos de abertura, entre esse encontro e o diálogo com a juventude?

MM - Todas as outras acções subsequentes relacionadas com a juventude tiveram como inspiração o encontro que o PR manteve com os líderes juvenis. Despertou o interesse do Executivo, sobretudo do PR, no sentido de se colocar os problemas dos jovens no centro da agenda governamental. Os problemas dos jovens não mereciam a atenção da governação. O Diálogo Com Juventude podia não ter o sucesso desejado mas foi muito importante para se ter uma linha orientadora das políticas juvenis do Estado.

 

O homem na pele de escritor Vem aí o «Livro de Revelações»

Na conversa com o SA, o jovem político dos «maninhos», além de ter sabido esquivar-se das perguntas relacionadas ao caso que o levaram a suspensão do cargo de Secretário-geral da JURA, revelou que em breve vai aparecer no mercado como escritor.

O livro, que está na fase de escrita, trará a público muitas das respostas que Mfuka Muzemba não aceitou dar agora.

O também deputado da UNITA, ao deixar claro que não diria tudo, fez saber que a cada dia que passa escreve umas linhas para o livro que está a preparar, com «o propósito para esclarecer a verdade dos factos», como diz.

«Quero esperar que também os leitores gostem do livro que estou a escrever», rematou.

SA – Podemos esperar que todo o segredo seja revelado nesse livro?

MM - Podem não ser segredos, mas teremos boas novidades para explicar com verdade essa situação toda que se passou sobre mim. Fez muito eco na imprensa nacional e internacional. Fui comparado até ao líder do ANC. Tivemos algumas situações que merecem um pouco mais de ponderações, mas vencemos essas barreiras todas.

SA - Para quando então essa obra?

MM - Estou numa velocidade a três níveis. Primeiro, a minha vida pessoal, familiar. Depois a vida parlamentar. E estamos a perspectivar o nosso futuro. Isso remete-nos a muitas corridas. Dar um horizonte temporal seria colocar o pé em falso. Até porque podemos tê-la mais cedo, como podemos também tê-la mais tarde.

SA - Está tendo alguma parceria?

MM - Como retrata questões muito pessoais, então tenho estado nesse exercício sozinho. Há capacidade para isso! É possível que depois incluamos outras pessoas ou instituições para darmos melhor qualidade e conseguir corresponder ao nível daquilo que pretendo alcançar.

SA – Trata-se de um trabalho biográfico?

MM - É mais literário. Temos muito para falar. Começamos a vida política muito cedo. Começamos nos movimentos sociais até chegar ao partido. É muita coisa. Julgo que o futuro ainda reserva-nos muita coisa mesmo!

Bilhete de Identidade

Mfuka Fuakaka Muzemba nasceu no dia 07 de Agosto de 1981 (33 anos). É natural de Luanda. A sua origem é bakongo, sendo os seus pais (ele alfaiate e ela doméstica) originários de Maquela do Zombo, província do Uíge. Formado em Direito, participa em vários eventos internacionais como prelector e também como assistente em universidades e outras instituições de Portugal, França, Bélgica, Holanda e Quénia. Hoje é deputado da Assembleia Nacional pela UNITA. Mas já foi Presidente do Movimento dos Estudantes Angolanos, membro da assembleia da Universidade Agostinho Neto, representante-chanceler da Associação dos Estudantes da Universidade Agostinho Neto, tendo também passagem pela Associação dos Estudantes do PUNIV. Secretário-geral da juventude do Galo Negro até à realização do III Congresso da JURA neste mês de Julho, considera-se um dos precursores dos movimentos de protestos que começaram a ter lugar nos últimos anos, tendo já sido preso em algumas ocasiões.