Luanda -  Dos meus iniciais cruzamentos profissionais com o percurso do Presidente José Eduardo dos Santos recordo, também, Cuba, no ano de 1989. Andava eu por lá como estudante de jornalismo na centenária Universidade de Havana e, ao mesmo tempo, ligado à Rádio Nacional e ao Jornal de Angola como correspondente.

Fonte: Revista Vida

A comitiva angolana ficou alojada no Laguito, um majestoso complexo protocolar que acolhe, em regra, os estadistas estrangeiros que visitam a ilha caribenha.

Fidel Castro aproveitou para soltar um dos seus talentos mais celebrados, o de entusiasmar os seus hóspedes ilustres com as paixões que ao longo da vida cultivou. E mergulhar nos labirintos da produção de alimentos para depois fazer cálculos para a direita e para a esquerda, discutir produtividade, rendimentos e vantagens nutricionais, é uma delas.

Por isso, não faltou ao programa uma ida a uma exploração bovina nos arredores de Havana. Aproveitei uma brecha no embalo de Fidel Castro para, com o meu espanhol avantajado pelos anos de residência entre os cubanos, pedir-lhe que permitisse uma fotografia com os jornalistas angolanos. “Cómo no, chico. José, ven también para hacernos una foto con tu gente!”, aceitou Fidel, no seu jeito despachado de sempre. E fizemos a foto com os dois Chefes de Estado, guardada até hoje no mais seguro dos baús lá de casa. Volta e meia espreito-a para constatar o que o tempo fez de colegas como o Fernando Tati, o Victor Silva e a mim mesmo.

Do aniversariante do dia 28 de Agosto recordo ainda uma missão nos Estados Unidos, nos tempos memoráveis de Bill Clinton na Casa Branca. Tinha acabado de acontecer o (tardio) reconhecimento de Angola por parte da América, num saudável gesto de pragmatismo do presidente saído de Arkansas e de boa memória para os angolanos.

Pelo Jornal de Angola, cobrimos o Fernando Tati e eu a digressão do Presidente Dos Santos por quatro cidades americanas, Washington, Houston, San Francisco e Nova Iorque. Duas eu, e as outras, ele.

Em San Francisco acotovelávamo-nos vários jornalistas num apertado corredor de um hotel para o jantar oferecido pelo Presidente da poderosa Chevron, numa daquelas situações embaraçosas a que se sujeitam mil e uma vezes os profissionais da comunicação por nem sempre ser possível saberem, antecipadamente, qual o melhor lugar para se posicionarem. A caravana passou tão rente a nós que a Primeira Dama desacelerou o passo, lançou o olhar para a direita e perguntou com o seu sorriso aberto: “Senhor director, por cá? Há quanto tempo?”

Para os colegas gozões, foi logo: “estás preso Luís, o FBI vem agora dar cabo de ti”. Corremos para o salão onde discursariam o PR e o boss da petrolífera americana que opera em Malongo. Sem tempo para gargalhadas!

A Adis Abeba, sede da Organização de Unidade Africana (OUA) – que evoluiu depois para a actual União Africana-, terei ido mais do que uma vez cobrir missões do Chefe de Estado. Marcou-me particularmente uma, pelo seu desfecho risível, que vale como ensinamento para os que agora começam como repórteres sobre os imprevistos desta vida.

Aconteceu assim: o Presidente José Eduardo dos Santos, segundo informação transmitida aos jornalistas, deveria discursar num dia determinado, mas acabou por faze-lo na véspera. Como dispúnhamos de tempo, resolvemos todos ir ao grande mercado da cidade, numa colina com vista dominante sobre a capital etíope, e famoso não apenas pelas suas sedas e tapetes mas também pelos rebanhos de ovelhas que cruzam o asfalto no caminho para lá.

Os dealers conseguiram-nos os melhores câmbios para birres dos preciosos dólares que levávamos como ajudas de custo e atirámo-nos como feras esfomeadas sobre as barracas, dispersando-nos. Um a dois minutos depois, andavam oficiais do protocolo angolano à “caça” dos jornalistas angolanos porque a viagem de regresso a Luanda, no avião presidencial, seria dali a meia hora. Foi correr até ao Ras Hotel, fazer as malas de qualquer maneira, táxi e…aeroporto. À entrada da aerogare, estava um jovem piloto angolano em formação na Etiópia, que tinha o sonho de ver, ainda que ao longe, o Presidente José Eduardo dos Santos.

Mais feliz ficou porque ganhou um presente inesperado: montanhas de dinheiro etíope foram-lhe parar aos bolsos, pois não havia como regressar a Luanda com aqueles maços de destino incerto!