Luanda - AnalfabetismoNão, não é mais da maka do 8 de Setembro, se é ou não “Dia Internacional do Jornalista” ou “Dia Internacional do Jornalista Angolano” ou ainda, o que me parece ser mais acertado, “Dia da (Ressuscitada) UJA”,  que esta crónica se vai ocupar.

Fonte: Revista Vida

Espero que nesta maka, pelo menos tenha em definitivo, ficado claro que as Nações Unidas não têm nada a ver com a “efeméride do camarada Fucik”.

O resto dou de barato, pois cada um pode criar e celebrar o seu mundo/comunidade internacional, até sem sair de casa, nem contactar ninguém. Não contem é comigo para animar tais farras.

Hoje o assunto é de longe muito mais sério e dramático, embora no limite não deixe de ter a haver também com a própria liberdade de imprensa e com o resultado do trabalho dos jornalistas.

Isto, se tivermos em conta as centenas de milhões de pessoas espalhadas (ou abandonadas?) por este mundo de que Angola faz parte, que não conseguem ler um jornal ou uma revista por desconhecerem o alfabeto, com o qual compomos as “perigosas” palavras que já levaram

à morte alguns/muitos de nós, no exercício da sua profissão.

E vou começar esta incursão pelo fim, isto é, pela última ideia que vem expressa na Mensagem da UNESCO para o “Dia Internacional da Alfabetização” que se assinalou no passado e disputado 8 de Setembro.

A búlgara Irina Bokova, que é a DG da referida agência onusiana, que assina o texto, diz-nos a terminar que “o futuro que nós queremos começa com o alfabeto.”

Com base neste desejo é fácil concluir-se, sem necessidade de contratarmos algum consultor mais sofisticado e dispendioso, que em Angola, só neste quesito, continuamos a ter milhões de compatriotas nossos sem futuro, por nunca terem aprendido a ler, aos quais se juntam outros tantos que, depois de terem sido apresentados ao “Dikota Alfabeto”, se esqueceram dele por nunca mais o terem usado.

Como é mesmo que o Sr. chama e quantos anos tem?

O nosso alfabeto impresso, que surgiu depois dos manuscritos, é de facto um daqueles kotas bwé antigos, do tempo do Gutemberg, que ao que consta foi na Alemanha da kaparandanda, numa cidade chamada Mongúcia, o pioneiro da modernidade, ao “printar” o primeiro livro, que terá sido a Bíblia, num processo altamente inovador para a época, mas que durou 5 anos, isto é, de 1450 a 1455.

A história comparece aqui a borrifar estes “secos e molhados” de forma algo incidental, apenas para darmos uma ideia sobre o tempo que já lá vai desde que os livros impressos, com os quais hoje aprendemos a ler e a escrever, fazem parte dos instrumentos mais estruturantes da civilização cristã ocidental.

Como sabemos, há histórias bem mais antigas de outras civilizações milenares que já lidam com outros alfabetos que não têm nada a ver com o nosso.

Essas pessoas, note-se, sabem ler tão bem ou melhor do que nós, tendo por isso acesso directo ao conhecimento, sem precisarem que alguém, do tipo tradutor/interprete, lhes diga o que se está passar à sua volta.

O que é facto preocupante é que passados todos estes séculos, o mundo continua cheio de pessoas altamente marginalizadas, por não dominarem nenhum alfabeto básico e que hoje são conhecidos como sendo os analfabetos.

É para esta gente toda, ainda sem futuro, que a UNESCO relaciona este ano o “Dia Internacional da Alfabetização”  com o desenvolvimento sustentável para, segundo Irina Bokova, “relembrar uma simples verdade: a alfabetização não apenas muda vidas, ela também as salva”.

Contas da UNESCO, que certamente pecarão por diferença, apontam para a existência de mais 780 milhões de adultos no mundo inteiro que não sabem ler, escrever ou contar, sendo 2/3 mulheres.

Para além disso e ainda segundo a mesma estimativa, mais de 250 milhões de crianças são incapazes de ler uma simples frase mesmo que metade delas tenha passado quatro anos na escola.

Este é pois o genérico de uma equipa que não consegue jogar os actuais desafios do progresso por incapacidade técnica dos seus membros.

Que está excluída do campeonato apesar de ter um numero mais do que suficiente para alinhar em qualquer modalidade e nos dois géneros.

Em Angola as estimativas oficiais admitem que o país participe daquela selecção mundial com 30% da sua população, outra projecção que, quanto a nós, também pecará por alguma diferença.

Não se sabe, entretanto, se nestes 30% já estarão incluídos os nossos jogadores que depois, por falta de uso do equipamento, se esqueceram do alfabeto e as crianças que saem da escola sem conseguirem ler depois um revista ou um jornal e muito menos de escreverem seja lá o que for, como mensagem mais elaborada.

Conheci algumas destas crianças que para além lerem o “Dudú come matete” no livro escolar, depois, quando confrontadas com um anuncio publicitário na via pública, ficam mais “impercebentas” do que boi a olhar para palácio.

 

Todos sabemos que uma das mais pesadas heranças do colonialismo foi o analfabetismo, mas 40 anos depois de Portugal ter bazado, começa a já não fazer grande sentido estarmos a olhar para o passado para justificar o presente da nossa paisagem em matéria de literacia.

[Entende-se por literacia como sendo a capacidade de cada

indivíduo compreender e usar a informação escrita, contida em vários materiais impressos, de modo a desenvolver  seus próprios conhecimentos. A sua definição vai além da simples compreensão dos textos, para incluir um conjunto de capacidade de processamento de informações, que poderão ser usadas na vida pessoal de cada indivíduo.]

Como se vê por esta definição, a alfabetização e a literacia não são bem a mesma coisa, pelo que o panorama angolano nesta matéria pode ser bem mais dramático do que, as (sempre) omissas estatísticas oficiais deixam entender.

Angola terá assim nesta altura um défice ao nível do capital humano minimamente qualificado, que não pode deixar ninguém indiferente e que também  nos ajuda a perceber a persistência das (ainda) alarmantes taxas de pobreza/exclusão social no conjunto da nossa sociedade.

 NA- Publicado no semanário “O País/Revista Vida/Secos e Molhados” (12-09-14)