Lisboa - Ocupado com um trabalho académico na Europa, há muito não tenho disponibilidade de aparecer por aqui. Nos últimos dias devido a esse trabalho, passei por Africa do Sul e Moçambique, e, como se fosse a primeira vez, impressiono-me com o rumo diferente que os partidos congêneres do MPLA, (ANC e FRELMO) estão a dar aos seus países, mesmo não dando de bandeja o poder aos seus adversários, a quem se esforçam por tratar como gente igual.

Fonte: facebook

Em Maputo jovens me reconhecem na rua, o que me deixa confuso quando penso que já deixei há muito tempo funções que me pudessem colocar como figura visível, mesmo num país irmão como Moçambique. Logo me recordam que o ano passado eu dera uma entrevista a uma tv privada que teve muita audiência. Logo me lembrei de algo que é extremamente grave para quem constrói um país e tem de fazer ouvir todas as vozes, sobretudo a dos mais velhos, quando no meu país só podem ser ouvidas vozes a favor de quem detém o poder, onde até os discursos mais moderados, desde que procedam de gente "inconveniente" são banidos ou deturpados. Soube há tempos que um intelectual cuja obra um dia eu citei, como desempenha algumas funções públicas, foi lhe chamada atenção pelo facto, talvez para me vir dizer um dia que nunca mais o cite, "para não estragar-lhe o pão".

 

Para onde vamos? Entretanto, com o conselho de mais velhos, com uma sociedade civil que se exprime e discorda, o descarrilamento que ia acontecendo logo foi corrigido, em Moçambique. Corre uma campanha de onde vai resultar um presidente que será de região diferente dos arredores da capital e o 4º desde a independência. Coragem dos dirigentes da FRELIMO que não derretem a personalidade a beira do bafo do poder e deixam um espaço dos seus corações para pensarem no interesse nacional. Sem deixar de cuidar de ocupar o espaço empresarial deixado pelo colonialismo e pela economia estatizada. Entretanto chegam-me notícias que o Doutor Feijó tem estado a fazer algumas críticas ao funcionamento do sistema administrativo e outros aspectos. Envio-lhe uma mensagem pública por aqui, recordando-lhe que tendo sido ele um dos responsáveis pelo desvio do rio não deveria queixar-se da falta de água. A menos que se trate de mera conversa de diversão.

 

Alguém dirá que eu também tenho responsabilidades nisso. Nunca o neguei. Mas pronuncio-me contra a grande anormalidade de entregar o país a uma só pessoa há quase 15 anos e em 2012 escrevi "Angola: a terceira alternativa", com propostas para uma transição pacífica do "eduardismo" que mina o país, para um regime que sirva minimamente todos os angolanos, salvaguardando pessoa e a honra do Presidente José Eduardo dos Santos, que apesar dos seus erros considera-se que serviu de algum modo o país e, no mínimo (raciocínio de Tutu e Mandela) ele é um ser humano.

 

Tive oportunidades para, neste período, escolher outro caminho, por exemplo, arrastar-me para reocupar alguns cargos públicos e guarnecer algumas quintas minhas; resisti a ameaças encomendadas de morte, um sítio para onde todos caminhamos irreversivelmente, valendo apenas o legado que deixamos. Continuo a pensar que nunca é tarde. Mas a verdade é que o caminho escolhido para construir (ou reconstruir) Angola nos últimos anos, não faz sentido em todos os principais sentidos. Abraço aos amigos.