Luanda - Esta semana algures na Net deparei-me com uma fotografia aérea do Kwanza dando-me um grande plano do rio mais falado de Angola, na hora em que ele se prepara calmamente para desaguar no Atlântico.

Fonte: Revista Vida

Nesta majestosa imagem  a aproximação do Kwanza à foz é feita de forma tão suave, que ainda dá para ver a sua última curva antes de deixar que a famosa ponte o atravesse, sem pagar qualquer portagem no local por onde todos passamos quando deixamos Luanda em direcção ao sul.

Por imagem e por incrível que pareça, nunca tinha tido à mão de semear uma visão tão clara e tão abrangente da recta final do Kwanza, pelo que decidi partilhá-la no meu facebook, onde é actualmente a minha fotografia de capa.

Pelos vistos vai lá ficar umas boas semanas a simbolizar algo que nos representa como angolanos de forma tão generosa e sem qualquer maka, daquelas que estão por aí a dividir-nos artificialmente, por mais que digam o contrário e nos convençam que é assim mesmo que tem de ser.

Com as incertezas de sempre, sabemos, contudo, que não é por ali que devemos ir, pois já percorremos em tempos o referido trilho e deu no que deu.

Como sabemos a unanimidade é algo que a política angolana não tem conseguido produzir por razões que todos conhecemos ao ponto de até hoje como Nação, ainda não termos “eleito” pela necessária maioria requalificada alguns valores/símbolos com os quais nos poderíamos identificar facilmente sem outras imposições que também fazem parte da nossa “história do desconseguimento”.

Se a unanimidade acaba por não ser recomendável, já o consenso é desejável, partindo do principio que neste exercício de aproximação há sempre um espaço de debate acalorado e em pé de igualdade, onde as nossas ideias se cruzam com a do próximo ou do vizinho, com a possibilidade deste  choque parir algo diferente, mas sem se afastar muito do que ambos os contendores defendiam antes de começar a peleja.

[Esta diferença entre unanimidade/consenso traz para aqui um outro "casal" igualmente problemático que é o da tolerância/aceitação.

Captado esta semana algures numa das televisões onde se comunica em português, retive o seguinte pensamento, cito de memória:

"Tolerância acaba por ser uma manifestação de arrogância de quem não está de acordo connosco. O correcto seria aceitação."

Estou a digerir, concordando desde já que a aceitação do outro tal como ele é e não como nós gostaríamos que ele fosse, é a parte mais difícil da relação política civilizada numa mesma comunidade.

Há de facto alguma evolução no campo da tolerância, que não está a ser acompanhada com a mesma velocidade no território vizinho da aceitação, havendo mesmo a registar alguns paradoxos nesta coabitação. Com efeito há pessoas que nos toleram, mas para elas seria muito melhor que não tivéssemos vindo ao mundo.]

Mas voltemos a ausência das unanimidades/consensos na nossa política.

Resta-nos a natureza para procurarmos e encontrarmos os símbolos da nossa identidade nacional, o que já é muito mais fácil e tem sido conseguido, com os resultados positivos que se conhecem.

Neste âmbito e entre todas as maravilhas que a natureza colocou no nosso caminho, não tenho muitas dúvidas em escolher o Kwanza como sendo aquela que de forma mais expressiva nos representa como angolanos, sendo até uma das garantias da nossa própria sobrevivência.

Não temos, contudo, nenhuma data específica para celebrarmos o rio como celebramos as personalidades da nossa vida política.

O problema é que ninguém sabe quando é que os rios nascem e muito menos quando é que eles vão morrer, o que não nos impede de os elegermos para os devidos efeitos.

Na legenda à fotografia que serve de capa ao meu facebook escrevi a seguinte mensagem:

É assim que “termina” a maior e mais antiga história de amor que a natureza tem com Angola, numa entrega total e diária, onde ninguém pede nada em troca e sem o risco (enquanto não chega o fim do mundo) da morte separar os dois amantes…

“O que sobra vai no mar”, diria, se estivesse vivo, o Sô Santo do Viriato da Cruz.

São 960 Km de carícias profundas entre abraços, beijos e amassos, com curvas e contracurvas, subidas e descidas, sempre com muita energia pelo meio a caminho de Kalunga.

É caso para dizer: Aprendam com o Kwanza a amar Angola todos os dias, de manha, a tarde e a noite, sem domingos, nem feriados.

De facto com o Kwanza que nasce e morre em Angola, sem nunca ter saído daqui, temos todos muito a aprender, particularmente quando somos chamados a desempenhar cargos públicos.

À falta de outros exemplos mais consensuais, há uma lição diária de bem servir o outro, sem pensar em nós próprios, que os rios nos dão.

É esta lição que fica aqui para reflexão transportada para todos os campos da vida social.

As pessoas passam, mas os rios ficam.

Prefiro inspirar-me neles, nos rios, para prosseguir esta travessia pela vida que já vai longa…

NA-Texto publicado no semanário “O País/Revista Vida/Secos e Molhados” (19-09-14)