Luanda – A política do Estado não requer apenas a audácia e astúcia em lidar com fenómenos complexos, mas sobretudo, a ponderação e a prudência de saber esperar por melhores momentos, enquanto se amadureça uma situação, que exige a tomada de decisões difíceis e condizentes. Pois que, a astúcia do tigre ou do leão se ajusta melhor à politica do Estado, do que o uso da força bruta do touro.

Fonte: Club-k.net
Neste respeito, um estadista romano aconselhava o seguinte: «O Príncipe, sobre quem assenta o destino do povo, deve antes de mais ter a cabeça fria; seguir os seus desígnios com tenacidade, sem escrúpulos de consciência; empregar mais inteligência e o artifício que a força. Numa palavra, a Virtu, que significa, força de carácter, inteligência e coragem».  

Esta reflexão vem a propósito da situação político-diplomática e militar que se desenrola actualmente na Síria e no Iraque, onde a Administração Obama tem estado a forjar uma Coligação ampla, composta por mais de 40 Países Ocidentais e Árabes, contra o autoproclamado Estado Islâmico (ISIS), que tomou de assalto o Norte do Iraque, a partir da Síria. Se trata, de facto, de uma Coligação mista e complexa, composta por Países Ocidentais, da OTAN, e Países do Mundo Árabe, na qual o Irão está paralelamente envolvido nas acções militares dentro do Iraque contra o fundamentalismo islâmico, uma dissidência da Al Qaeda, fundada por malogrado Bin Laden.   

No ano passado, 2013, os Rebeldes Sírios, apoiados pelas Potencias Ocidentais contra o Regime do Bashar al-Assad, bem entrincheirados no Alepo e nos arredores de Damascos, a capital da Síria, foram abandonados à sua sorte. Por interesses estratégicos, que visavam o desarmamento de armas químicas na Síria, além da pressão interna americana, o Obama ficara dissuadido do lançamento dos bombardeamentos aéreos contra alvos estratégicos na Síria.

Nesta altura, a opinião pública americana e de outros países ocidentais era crítica contra qualquer intervenção militar das potências ocidentais na Síria. Mesmo o Vaticano, na pessoa do Sumo Pontífice, saia a terreiro nesta campanha dissuasiva à acção militar.  

Em troca de bombardeamentos aéreos, Obama pressionava Damascos para que as Nações Unidas recolhessem e destruísse todo o arsenal de armas químicas que se encontravam na Síria. Tivera sido, nestas circunstancias em que, os Rebeldes Sírios, pró-ocidentais, foram traídos pelas potências ocidentais e tiveram que resistir sozinhos contra a máquina da guerra do Bashar al-Assad, apoiado pelos diversos grupos extremistas islâmicos, de orientação terrorista.

Naquela altura, era evidente o facto de que, a decisão Obama de sacrificar os rebeldes sírios a favor do desarmamento de armas químicas, teria consequências nefastas e desastrosas contra o combate ao terrorismo internacional, fundado no fundamentalismo islâmico.

Por outro lado, torna-se difícil saber bem até que ponto as Nações Unidas tiveram êxito de recolher e destruir o arsenal de armas químicas na Síria. Pois, era evidente que, o Bashar al-Assad aproveitaria desta oportunidade de ouro para quebrar a espinha dorsal da Resistência Síria Pró-ocidental; credibilizar o regime; consolidar a aliança antiocidental; e transformar a Síria numa praça-forte da cruzada islâmica contra a Civilização Ocidental.

Seria, por outro lado, ingénuo se pensasse que, Obama não soubesse de tudo que aconteceria nestas manobras dilatórias, de tentar contornar a pressão da opinião pública americana e dos países ocidentais. Com uma rede vasta de serviços de inteligência e contra-inteligência, assegurados pela tecnologia mais avançada de satélites, drones, radares, vigilância aérea, sistema informático e de telecomunicação, a Casa Banca e Pentagon têm o domínio de tudo, em pormenores, daquilo que ocorrem diariamente no Mundo. Esta gama de informação, de primeira mão, permite a Casa Branca e o Pentagon seguirem de perto a pista das actividades dos elementos nocivos à segurança dos EUA e dos seus aliados.

Portanto, devido aos valores democráticos que obrigam os Governantes obedecerem escrupulosamente à vontade do povo, apesar das contrariedades descritas acima, Obama teve a obrigação e o dever de respeitar a opinião pública do povo americano e dos países aliados.

Num regime autocrático, como da Rússia, a voz do povo não tem eco nenhum sobre a governação e sobre a política externa do Kremlin. No caso da Crimeia, Waldemar Putin, tomara a decisão que convinha a sua estratégia, e não hesitara de anexá-la, por força das armas.

Com certeza, se Obama estivesse nas mesmas condições do Putin, no auge do conflito na Síria, nas circunstancias do então, do ano passado, ele teria avançado com bombardeamentos aéreos e com a tomada do Damascos – arrancando o mal pela raiz. Como diz no adágio popular, para grandes males grandes remédios.

Agora, ao não proceder como acontecera, havia em vista uma série de consequências, dentre as quais, tornaram-se uma realidade efectiva hoje, nomeadamente:

a) O fortalecimento do Regime Assad e a implantação das bases operativas dos grupos extremistas islâmicos, dentro da Síria, que vieram servir-se de trampolim para o assalto e a ocupação do Norte do Iraque.

b) O amadurecimento da situação, dando origem ao surgimento do Estado Islâmico, melhor doutrinado, organizado, estruturado, treinado, equipado e financiado.

c) A agravação de relações interétnicas em Bagdad, entre Xiitas, Sunitas e Curdos, forçando a queda do Primeiro-ministro cessante, Nuri al-Malik; o surgimento do novo governo inclusivo e representativo, sob a liderança do Haidar al-Abadi; e o engajamento do Irão nas operações militar no Iraque, contra o Estado Islâmico.     

d) A tomada de consciência da opinião pública ocidental e árabe sobre o perigo que os extremistas islâmicos dispõem à segurança mundial, tendo em conta os seus desígnios expansionistas e repressivos, bem como os actos bárbaros contra civis indefesos (limpeza étnica) e contra pessoas inocente, comparável ao Nazismo.

e) O isolamento da Rússia devido seu envolvimento na Ucrânia, contando com sanções económicas e com a presença militar significativa da OTAN no Mar Báltico, no Mar Negro e no Mar Mediterrâneo. Ameaçando directamente a segurança da Rússia – reticente em engajar-se no teatro militar do Médio Oriente, onde os custos de guerra seriam muito elevados.   

f) A tepidez da China de não alinhar-se com nenhuma das partes, mantendo relações distanciadas quer com a Rússia quer com o Ocidente; mas manifestando o seu repúdio ao extremismo islâmico que já se manifesta dentro da China, na fronteira noroeste.

Este contexto é o resultado da virtude do Barack Obama que consistia na tenacidade (apesar de contrariedades), na flexibilidade e na prudência. Além de saber respeitar a opinião pública interna e externa, dentro dos marcos institucionais e jurídico-legais, do direito internacional, Obama tem sido capaz de mobilizar e congregar a comunidade internacional, através dos mecanismos da diplomacia. Isso, por si só, viabilizara, num curto espaço de tempo, forjar uma Coligação ampla, de cerca de 40 Países Ocidentais e Árabes, de ideologias diferentes, contra os alvos do Estado Islâmico no Norte do Iraque e na Síria.

Desde o fim da II Guerra-mundial, em 1945, é a primeira vez surja uma Coligaçao desta amplitude e natureza, com um certo grau de «consenso» contra a civilização islâmica, assente no fundamentalismo cultural e religioso. Este conflito, no sentido mais restrito, está embutido nele elementos doutrinais, religiosos, étnico-culturais, inter-raciais, históricos, civilizacionais, económicos e geoestratégicos.

Numa palavra, é um confronto entre a Civilização Ocidental, assente no Cristianismo; e a Civilização Árabe, enraizada no Islamismo. Se trata, decerto, de uma cruzada que acaba de assumir dimensões improporcionais de hostilidades e da afirmação politico-ideológica. É uma teia de arranha, de múltiplos interesses, entrosados entre si, que inviabilizam, em certo grau, a lealdade cultural, racial e patriótica – alargando o leque de aderência e o espaço de implantação e expansão.

O actual conflito no Médio Oriente é o início de um conflito prolongado cujo desfecho é incerto. Ele reúne todos ingredientes para assumir proporções incalculáveis no Continente Africano, ao Sul de Sahara, onde as raízes do islamismo árabe estão bem assentes e crescentes.

A África Subsaariana está mergulhada numa teia islâmica, cuja postura não tardará de manifestar-se. Quando mais cedo for, melhor ainda será para a emancipação e a protecção de sua identidade cultural e direitos de soberania.

Só que, países africanos, como Angola, com níveis elevadíssimos de corrupção e de instituições públicas partidarizadas e personalizadas, sem conceitos e fundamentos de Estado, são vulneráveis e frágeis de se defender diante grupos islâmicos, bem estruturados, doutrinados, treinados, equipados e financiados. Facilmente deixarão de infiltrar-se e corromper-se pelos agentes poderosos árabes, com negócios já entrosados com as elites política africanas, cujas infra-estruturas islâmicas estão bem espelhadas pelos centros urbanos e zonas rurais.

Aproveitando, deste modo, a desorganização administrativa, a pobreza extrema, a incompetência institucional, a ineficácia do sistema judicial, a corrupção dos serviços de defesa e de segurança; e sobretudo, a ausência do espirito patriótico, que arrasta a burguesia primitiva, sem regras, sem valores morais e sem princípios políticos coerentes.

Em síntese, o conflito actual no Iraque e na Síria, não só destabilizará toda a região do Médio Oriente, mas trará no teatro das operações o Israel, para neutralizar os redutos do Estado Islâmico no Líbano. O Egipto, sem dúvida, é um gigante estratégico na região, que assegura o Mar Vermelho, o Canal do Suez, que dá acesso ao Mar Mediterrâneo, e ao Porto estratégico da Alexandria.

Na luta contra a «Irmandade Muçulmana», do Mohamed Morsi, esta é uma oportunidade importante para o Governo actual do Egipto, do Abdel Fattah el-Sisi, para desfazer-se desta organização fundamentalista e ir ao encalço das suas fontes de apoio e de financiamento na região, sobretudo na Síria.

Pela importância geoestratégica da Turquia, com uma larga fronteira comum com a Síria, Iraque, Irão e Rússia, será obrigada a posicionar-se e oferecer seu espaço geográfico e infra-estruturas militares, no contexto da Grande Coligação transatlântica, para o Médio Oriente. A entrada do Israel na cena, que agravará o conflito Israel-Palestino, criará algumas rupturas no seio dos Países Árabes, nesta Coligação.

O desdobramento de forças terrestres ocidentais no Iraque, com a intensidade de bombardeamentos aéreos, aumentará as baixas, quer nas tropas coligadas, quer na população civil, que terão reflexos negativos sobre a opinião pública americana e europeia; baseando-se na experiencia da Guerra do Vietnam.  

No decurso desta campanha, do Médio Oriente, alterar-se-á a constelação geopolítica desta Região, reforçando o controlo americano sobre o Golfo da Pérsia, que terá repercussões profundas sobre o Golfo da Guiné e sobre o próprio mercado petrolífero.

O controlo efectivo da Região aquática do Mediterrâneo, que liga a Europa, o Norte da Africa e o Médio Oriente, uma bacia extensa de tráfico marítimo. Os Estados Unidos da América, desta forma, irão reforçar a sua supremacia no Mundo. Obrigando a China ajustar bem a sua estratégia em Africa, que consiste na expansão e na coabitação com as Potencias Ocidentais.

A Rússia, por sua vez, estará na defensiva, com espaço reduzido de manobras e de projecção de sua influência no Mundo, relegando-se à terceira categoria. Além disso, a Rússia está restringida em alargar a zona-tampão na Europa do Leste e afirmar sua presença no Mediterrâneo, através do Mar Negro. Pois que, os Navios Ocidentais, nesta campanha, estão a operar neste estuário, do Mar Egeano, contra alvos estratégicos na Síria e no Iraque.

Por outro lado, obrigará os grupos extremistas islâmicos reagrupar-se noutras regiões do mundo, sobretudo na Africa Subsaariana, propicia devido a má-governação e a falta de instituições públicas devidamente organizadas, estruturadas e subsidiadas para poder impedir qualquer infiltração e implantação dos elementos terroristas.

Enfim, para chegar onde Obama está hoje, e onde pretende chegar com esta estratégia subtil e visionária, deve ao seu forte carácter de coragem, firmeza, flexibilidade, ponderação, prudência, abertura, rapprochement e o pensamento perspicaz. Sem dúvida, Obama é um estadista astuto, integro, solidário e dotado do espirito humano.

África tem razão de se sentir bem e orgulhosa com personalidades como Nelson Mandela, Kofi Annan, Martim Luther King Jr. e Barack Obama, cujas sabedorias e feitos, tiraram a África do complexo de inferioridade, que tinha-se enraizado na consciência dos próprios africanos e na imaginação abstracta dos outros povos do Mundo.

Todavia, o grande desafio da África é como se libertar do jugo da sua elite politica e da burocracia tecnocrática, enfeudadas na burguesia corrupta e nepotica; que é a origem da dilapidação do rendimento nacional e da fuga de capitais. Sendo essas, as fontes principais da pobreza, da fome, do atraso, da iliteracia e de epidemias, como a VIH/SIDA e a Ébola.  A Juventude e a Classe média têm um longo caminho difícil e sinuoso, ainda por percorrer e desbravar. Sem perder a vista da colisão, em curso, entre a Civilização Cristã e a Civilização Islâmica.