Luanda - A propósito da subida do preço dos derivados do hidrocarboneto, na ordem dos 46,4%, levou-me à postar no facebook o seguinte: “Preço do pão subiu em Moçambique, o povo destruiu bancos e queimou edifícios; no Brasil o aumento de 20 cêntimos nos transportes provocou caos que trouxe reformas. Em Angola, o combustível subiu e o povo correu às bombas um dia antes para encher bidões e depósitos de carros com combustível. Que amontoado de carne e osso humanos idiota! Até parece que comeram o cérebro frito com cuca”. Diante deste juízo ou proposição, a minha amiga Sizaltina Cutaia, reagiu evocando exactamente o mesmo argumento oficial cimentado, reforçado e costurado pelos “intelectuais orgânicos” como diria o filósofo Italiano Antonio Gramcis. Essencialmente os intelectuais de plantão, são os que a filósofa camaronesa Axelle Kabou, classificou-os como meros “alfabetizados” pelo facto de terem certificados, mas servem as máquinas do status quo. Na realidade não merecem o estatuto de intelectual. E o pensador Italiano diria que tudo que afirmam não tem independência cognitiva, mas visa manter e legitimar uma máquina ideológica na qual estão presos nas tetas para empobrecer o estado delinquente com vista a promover benefícios grupocêntricos que em última análise são particularistas.

 

Fonte: Club-k.net

Tenho plena consciência que as pessoas que abrem o peito, afirmando a necessidade de justiça social e opondo-se com clareza ao poder dominante, nos bastidores ou na esfera pública, não devem manter-se num criticismo cego e catastrofista do tudo está mal, mas quando a sua consciência, honestamente interpela a anunciar que algo é correcto, pode e deve, por razões éticas ─ evocar a virtude da opção governamental, sem cair na ridicularidade “yesmannista” do “so goodismo absoluto”. Por exemplo, eu penso que neste momento, em Angola, está garantido de maneira mais ou menos plena, o direito humano de ir e vir. Hoje as pessoas podem sair a qualquer hora com seu carro e partir para algum lugar deste país.


Basicamente, os “sem dignidade” ligados ao poder, defendem que o preço do combustível subiu porque era uma necessidade premente com vista a racionar gastos da parte do Estado. Uma factura que subsidiava os derivados do petróleo na ordem dos 38 à 40 milhões de USD por ano. A Sizaltina referiu-se a esta armadilha argumentativa oficial, escrevendo o seguinte no facebook: “Pode ser porque o povo entende que não faz sentido que o estado continue a subvencionar o combustível e incorrer a uma despesa anual absurda de 38-40 milhões de dólares. Eu prefiro acreditar que o cérebro continua intacto”. Sinceramente, não perderia o meu tempo, a escrever este artigo, se este poster fosse de pessoas que nós sabemos que dirão que Angola caminha para o nível da Holanda, da Austrália, do Ghana, da Namíbia, etc. Que é um milagre económico do milénio. Mas sei que a pessoa que postou este comentário se preocupa com a justiça social, até que se prove o contrário. Só posso crer que caiu involuntariamente na armadilha do monopólio da enunciação oficial.


A hipótese de que o povo entende que não faz sentido a continuidade do subsídio é de uma fragilidade argumentacional completamente insustentável pelas seguintes razões fenomenológicas: 1. Depois do meu poster no facebook, mais de 100 pessoas manifestaram-se de acordo. Este é o povo; 2. Na realidade, tecnicamente este povo não sabe compreender com precisão, o que é isto de subvencionar preços do combustível, logo, não tem opinião, mas sabe quando é que o preço é bom ou mau para as suas possibilidades; 3. Não há nenhuma absurdidade com o subsídio anual aos combustíveis se olharmos para o índice de miséria da maior parte da população e o uso de tal combustível para manter geradores a funcionar em casa;  4. Este achismo de que talvez o povo acha que o governo não deve subsidiar, cai em terra, na medida em que o povo correu às bombas para comprar ainda no preço anterior. Isto prova que quer que prevaleça o subsídio; 5. O cérebro deste povo não está intacto. A prova é que matam Wilbert Ganga e não se manifestam, mas vão aos milhares no aeroporto receber o vencedor do Big Brother e continuaram com passeata de Kms à pé. Isto demonstra o Estado da inteligência colectiva calcinada e doente de um povo, com poucas excepções, claro.


À luz de conceitos fundamentais da economia, os combustíveis, são produtos com valor  agregado, ou seja, eles não valem em si mesmo. Seu preço tem repercussão noutros bens e serviços. Se o preço da maçã soube, não tem implicação noutros produtos como o trigo ou a carambola, mas a subida do preço da gasolina e do gasóleo altera o preço dos transportes, do pão, do frete para qualquer tipo de mercadoria que tem inevitavelmente repercussão negativa ao consumidor final. Se Angola tem das cidades mais caras do mundo, mas o povo sobrevive com menos de 2 dólares dia, um governo e cidadãos comprometidos com a justiça social não podem permitir que o que aconteceu se mantenha.  

 
Dizer que o governo angolano gasta 50 milhões de dólares em subsídio com combustíveis e é um perigo para as contas públicas é uma falácia económica, injustiça social e falta de responsabilidade política e patriótica. Ora vejamos, segundo o grupo hegemónico, Angola já não é um país de monocultura económica, porque graças as reformas fiscais do “Omnisciente” e o bom ambiente de investimento privado, há cada vez mais dinheiro nos cofres do Estado porque tem fontes diversas de receitas. Se é verdade, então, o subsídio se pode manter, uma vez que na época que só dependíamos do petróleo o Estado teve capacidade para manter tal gasto nas contas públicas.
Levantemos a hipótese segundo a qual, a preocupação do poder é mesmo “austeridade” com vista a que o valor anteriormente destinado ao subsídio, agora seja usado para os sectores sociais e ajudar os mais desfavorecidos conforme sustentam na retórica nominalista do poder e daqueles que se deixaram cair nesta armadilha. Uma vez que a capacidade de execução do orçamentado e o programado nos planos de investimentos públicos tem sido na ordem de 50% à 70%, ou seja, mais de 30% do planeado e orçamentado pelo Estado angolano não é executado por falta de seriedade, desvio, ausência de fiscalização, abandono de obras por parte de empresas, etc. Isto significa, que só será mais dinheiro para os que em nome do Estado servem interesses privados. Uma vez que as pessoas que se beneficiavam do subsídio para ter combustível no gerador, na moto, no carro, etc. e deste país não se beneficiavam de mais nada, se não isto, agora não terão nada à usufruir. Talvez seja um pouco exagerado, dizer que não se beneficiarão de nada, mas pense! Alguém que estuda numa instituição privada, trata-se em clínicas privadas, construiu a sua casa num desses bairros chamados “Os Queimados”,  “Cú-do-Boy”, Kamaniña (fezes), etc. qual é o benefício que tem das riquezas do país?


Agora, parece importante evocar os argumentos tendo como pano de fundo, aqueles países onde efectivamente existem subsídios. Onde o Estado está mesmo presente na vida dos cidadãos. O que tecnicamente são os Estados de Bem-Estar Social, sustentado no pensamento de John Keynes.


Tomarei Portugal como primeiro exemplo, pelo facto de estar em crise económica e financeira e sob um plano de resgate violento e políticas de austeridade que estão perto de pôr fim o Estado-Providência. Portugal tem 736 mil desempregados, segundo o Instituto Nacional de Geografia e Estatística. Mais de metade destes num quadro de desemprego crónico, ou seja, pessoas que perderam a esperança de encontrar emprego porque procuraram hà mais de 6 meses ou um ano sem sucesso. Dentro da lógica do Estado-Providência, estas pessoas recorreram ao subsídio de desemprego correspondente a 419,22 euros como tecto mínimo e máximo de 1257,66 euros, deduzidos de 75% do anterior salário líquido, precedente ao desemprego. Se subtrairmos a metade dos 736 mil desempregados, teremos como resultado 368 mil pessoas que recebem o subsídio de desemprego. Se multiplicarmos o subsídio mínimo, 419,22 euros pela metade de desempregados crónicos e beneficiários dos subsídios, o Estado Português, gasta só em subsídio de desemprego mais de 154. 192.000 euros por ano.


“Na maior parte dos países da União Europeia, o subsídio de desemprego varia conforme a idade, o estado civil e o tempo sem trabalho e, em muitos Estados-Membros, existem apoios conforme o desempregado tem, ou não, dependentes. De acordo com os dados da Comissão Europeia, é possível concluir que a Bulgária, a Eslovénia, Malta e Chipre pagam subsídios de desemprego mais baixos do que Portugal. Na Bulgária, alguém que fique sem emprego corre o risco de não receber mais de 110 euros por mês. Na Eslovénia, a prestação mínima é de 350 euros. Em Chipre, o subsídio mais curto ronda os 410. Em Malta, o valor é fixo. Se for solteiro, recebe 221 euros e se for casado aufere 337 euros. Na Irlanda, o subsídio de desemprego tem um montante fixo de 752 euros por mês. Na Grécia, o valor mais baixo é de 454 euros, mais 10 por cento por cada filho. Em Espanha, o valor mínimo depende consoante haja filhos ou não. Quem não os tem, recebe um mínimo de 426 euros. Quando há dependentes, o desempregado tem direito a um subsídio de, pelo menos, 570 euros” (SOUSA, 2014). Parece que este quadro geral que Guilherme Sousa apresenta, é bastante elucidativo. Se o leitor quer comprometer-se com a verdade ética e a racionalidade científica, poderá perceber que outros países gastam mais que Portugal para não falar desta espelunca que é Angola em que os cidadãos estão literalmente esquecidos pelo poder auto-instituído.


Cada um pode usar a sua calculadora em casa e multiplicar os valores correspondentes a cada país e verá que em Angola quase nada é feito para o benefício genuíno deste povo que ainda não é cidadão, que tem mero estatuto de “preservativo eleitoral”. Mesmo em crise, a Espanha gasta a cada ano mais do que Portugal só em subsídios de desemprego, uma vez que tem mais de 5 milhões de desempregados, entre os quais mais de 2 milhões de espanhóis no desemprego “crónico”. Para não prolongar, seria escusado evocar outros subsídios que estes Estados dão aos cidadãos em nome da democracia e da justiça social.


O que é absurdo e estúpido é o facto de um país que tem mais de 30 anos de independência, não ter criado refinarias para poder responder a demanda nacional. Cidadãos lúcidos e governo sério teriam exigido a construção de refinarias para evitar que o crude bruto seja vendido à China e os seus derivados para abastecer as nossas bombas sejam comprados na Europa. Isto é que é falta de inteligência de um povo e pior ainda, daqueles que detêm o destino desta espelunca que não merece o nome de país.

 
Pela forma pueril como este facto grave está a ser visto, vale a penas citar o exemplo de Canadá que aos emigrantes desfavorecidos atribui-se casa, é garantida saúde, educação e alimentação. Só em alimentação e transporte, os emigrantes pobres tê um subsídio de 500 USD mês. Se multiplicado pelo valor de 2000 emigrantes ano que recebem tal verba (uma parte, uma vez que há mais beneficiários), resulta numa factura nas contas públicas de 100.000.000 USD. Isto é absurdo? Acho que na lógica de muitos angolanos, diriam porquê gastar cem milhões de dólares por ano à favor dos imigrantes? Meus amigos, a dignidade humana não é físico-matemática, nem econométrica é metafísica, por isso, nada é demais quando se trata de cuidar do melhor recurso deste mundo: a mulher e o homem. Se Canadá gasta mais do que cem milhões por ano para com os emigrantes, então, gastar 38 ou 40 milhões de dólares para os angolanos que vivem como cães e ratazanas é grande coisa? Como devem notar, os países da UE também garantem subsídios aos emigrantes. Sei que muitas pessoas que lerem ou estão à ler este texto sabem. Foram beneficiários ou conhecem pessoas que vivem de subsídios do Estado de acolhimento mesmo sendo estrangeiros. Isto é absurdidade?


Sendo os EUA, um país federado, as várias regiões da federação, têm normas variadas inclusive na assistência social aos emigrantes. Por exemplo, no Estado de Maine, um dos mais acolhedores para com os emigrantes carenciados, provada a tua incapacidade financeira, os serviços de assistência social garantem uma casa modesta conforme a dimensão da tua família que ronda entre 400 USD para solteiro e 700 USD para casais. Tem ainda direito a uma pensão alimentícia em cartão correspondente à 200 USD, até a concepção do “permit work” (autorização para trabalhar). Isto ninguém contou-me. Eu vi e convive com emigrantes angolanos, somalianos, chadianos, afegãs, sudanesas, etc que vivem nesta condição. Estão lá aos milhares. Então os EUA estão metidos em estupidez e absurdidade? Até não são americanos porque apoia-los com tanto dinheiro?


O poder escudou-se nas orientações do FMI, como uma das justificativas para este aumento. Países e continentes com intelectuais sérios na Americana Latina, rejeitaram em bloco as imposições do FMI e Banco Mundial, porque são máquinas neoliberalistas ao serviço dos países do centro geopolítico e geoestratégico global. Nenhum país no mundo conseguiu criar justiça social com as directivas do FMI. Pelo contrário, o resultado sempre foi catástrofe. O Brasil e todo bloco do Mercosul, só se tornaram influentes no mundo quando adoptaram políticas de esquerda e dando chute às barbáries do FMI. Por acaso em algumas ocasiões o FMI recomendou para que haja transparência na gestão dos recursos petrolíferos, mas isto nunca foi acatado. Porque?


Outro argumento que demonstra a insustentabilidade desta falácia de que este corte trará justiça social tem a ver com o facto de países que têm petróleo e outros que importam terem preços abaixo de Angola. Há casos de países com preço um pouco acima, mas não produzem petróleo, como é o caso de Moçambique que tem o litro de gasóleo a 1 USD e Cabo Verde 136,10 escudos (1,234 euros), enquanto o de gasóleo 118,60 escudos ( 1,07 euros). A Guiné Bissau vende o litro de gasóleo por 405 francos CFA (menos de 1 USD) e o de gasolina à 625 FCFA (1 USD). Importa ainda frisar, que normalmente, os países ao ajustarem os preços, fazem-nos com percentagens baixas entre 7%, 8%, 10% e 15%. Estas são as percentagens que se podem observar nos incrementos de aumentos e não esta violência brutal na vida das pessoas, na ordem de 46,4%. É que neste país, as pessoas que alteram os preços não vivem do trabalho duro e honesto. E o mais grave é que estes que têm o monopólio da enunciação na midia e sobre o estilo de vida dominante que não valoriza o dinheiro, vive desonestamente. Curiosamente, muita gente, mesmo não sendo do poder, engoliu esta cultura de desvalorização do dinheiro. Tal cultura expressa-se em dizeres como: “barateiro”. Nome dado às pessoas que solicitam descontos na hora de uma transacção, ou ainda quando chamam-te “agarrado” ou “korocotó”, quando espera na caixa do super-mercado 10 Kwanzas de troco. Povos destruídos moral e intelectualmente, não sabem que quando 2000 pessoas deixam 10 Kwanzas de troco, em um dia, o super-mercado fica injustamente com 20000 Kwanzas e multiplicado por 30 dias do mês, serão 600000 Kwanzas (6000 USD). Tudo aqui é muito caro, ultrapassando preços de potências mundiais como Estados Unidos. Existem restaurantes dos musseques de Luanda com toda imundice, e têm preços mais caros do que no centro de Nova York. Por exemplo, um quarto de uma pizza em Nova York podes encontrar à 1 USD, mas aqui custam 3 a 5 USD. Se quase tudo é caro, o que torna a vida das pessoas insustentável, só isto justifica a não subida do gás butano ou outro derivado do petróleo usado no dia-a-dia.


Os bárbaros do poder sabem o que estão à fazer. Têm consciência que isto os beneficia, mas muitos de nós, até patriotas cairam na armadilha falaciosa do subsídio excessivo e que seu corte visa promover bens sociais. O pessoal do poder tem cartões e chega na bomba com autorização do partido e não paga pelo combustível, e você? O meu amigo Fernando Macedo, para o qual tenho grande estima por saber conciliar ética e ciência, defende que temos de preservar a nossa sanidade moral e não banalizar a opinião pública. Se este país é mesmo teu e meu, vamos mudar para transformá-lo!