Luanda - Angola é um país seguro, onde ocorrem fenómenos próprios de quem viveu muitos anos em guerra e que agora assiste a um ciclo de desenvolvimento. Esta caracterização é feita pelo porta-voz da Polícia Nacional, comissário Aristófanes dos Santos, que, na entrevista que se segue, não minimiza problemas que pontualmente ocorrem e nem mistifica as responsabilidades da corporação.

Fonte: NJ
Policia assassinatos de Kamulingue e Cassule.jpg - 18.86 KBQual a situação de segurança pública do país?
Numa análise realista e devidamente calculada, podemos entender a segurança pública do país, em geral, como estável e devidamente controlada, se tivermos em linha de conta que o país tem uma superfície terrestre de um milhão duzentos e quarenta e seis mil e setecentos quilómetros quadrados e as maiores cifras criminais concentram-se apenas em três ou quatro províncias, Luanda, Huíla, Huambo, Benguela e Cabinda, com algumas oscilações. Veja que temos províncias em que se registam um a dois crimes/dia e, na sua maioria, são bagatelas criminais. Portanto, a situação é estável e controlada.

Há um tempo, o Presidente da República mostrou-se preocupado com a situação da segurança do país. De lá para cá, houve alguma evolução que permita afirmar que o quadro é estável?
A preocupação do Presidente da República é legítima. Afinal, trata-se do mais alto mandatário do país e, ainda que morra uma pessoa apenas, constitui sempre sua preocupação. Porém, não podemos escamotear que nos meses de Junho, Julho e Agosto a criminalidade, sobretudo em Luanda, conheceu algum aumento, não em número, mas pela gravidade na forma como alguns crimes foram cometidos, destacando-se os casos de homicídio, violações e, como sempre, as ofensas corporais. Naturalmente, perante este quadro, o Presidente da República e todos nós, forças e serviços de segurança, não poderíamos ficar alheios.

Há ou não um clima de insegurança no seio das populações?
Penso que no nosso caso não se coloca a questão da insegurança. O senhor jornalista veio da sua casa até aqui e fê-lo porque estava seguro, não temia qualquer represália. Quando falamos em insegurança das populações, estamos a falar daqueles países onde, em muitos casos, a ordem foi subvertida, onde o Estado não tem o controlo da segurança no plano interno. Esse não é o nosso caso. Agora, não podemos escamotear que num país que viveu tantos anos de guerra e está em franco desenvolvimento haja situações de alteração da ordem e segurança de forma pontual e, por isso mesmo, os Estados criam as polícias para a garantia e reposição da ordem onde ela tenha sido revertida.

Podemos considerar Luanda uma cidade segura para viver?
Luanda tem uma dinâmica própria por ser a capital de um país em franco crescimento e, como sabe, as grandes cidades geram criminalidade, porque concentram mais pessoas, têm mais casas e mais problemas. No nosso caso, com a desestruturação arquitetónica da província, a falta da toponímia, as dificuldades de ordem social, enfim, tudo isto acaba por criar situações de alteração da ordem, porque os amigos do alheio aproveitam-se desses e de outros factores para obterem bens indevidamente. Mas, mesmo assim, dentro de um contexto geral, a segurança em Luanda é estável. É preciso avaliar a situação de segurança dentro de um contexto global. Não estamos na República Centro Africana, RDC, Guiné Bissau ou noutros países, cuja situação de insegurança atingiu proporções alarmantes. Esse, felizmente, não é o nosso caso.

Muitos populares reclamam suposto fraco policiamento no interior dos bairros periféricos. Quer comentar?
Enganam-se os que pensam que a quantidade de efectivos policiais nas ruas gera um sentimento de segurança. Em meu entender, a presença massiva de efectivos policiais fardados na via pública acaba por gerar, em muitos casos, um sentimento de insegurança, porque as pessoas questionam-se sobre o porquê de tantos polícias na rua. Isso não é bom. Julgo que não é por aí que se garante a segurança pública, mas com a criação de planos de segurança pública concretos. Digo planos de segurança pública porque eles devem envolver necessariamente todos os actores sociais. Veja, por exemplo, a maior parte dos roubos ocorre no período nocturno, em locais com pouca ou nenhuma iluminação. Não cabe à polícia colocar luz naqueles locais. Uma boa parte dos homicídios são praticados por pessoas conhecidas das vítimas que, em convívios familiares e de amizade, acabam por se desentender. Como é que a polícia pode, por exemplo, evitar os inúmeros casos de violação e estupro que ocorrem no seio familiar, se não houver denúncias, entre outros factos que ocorrem e não chegam ao nosso conhecimento?

Sente que os cidadãos têm confiança na Polícia Nacional?
Sinto que a relação entre a polícia e o cidadão é boa, mas precisa ser melhorada. A polícia tem de continuar a criar mecanismos de proximidade para que os cidadãos percebam que sobre si impende a garantia da sua própria segurança. Precisamos melhorar o atendimento aos cidadãos nas esquadras, persistir na formação contínua dos polícias, melhorar os mecanismos de inspecção e controlo interno da nossa actividade, enfim. No fundo, cabe à polícia a criação de premissas para que os cidadãos se aproximem cada vez mais da sua polícia. Felizmente, as orientações emanadas superiormente do comandante- geral da Polícia Nacional e do próprio ministro são bastante claras acerca dessa matéria e pensamos que estamos no bom caminho para que possamos, em breve, evoluir para um modelo de policiamento de proximidade, onde existe a corresponsabilização das partes na segurança. Em que o Estado, através das forças e serviços de segurança, tem um papel e os outros actores sociais têm, de igual forma, a sua responsabilidade, na medida em que a segurança é de todos e de cada um de nós.

Quais os crimes que mais preocupam a Polícia Nacional?
Todos os crimes preocupam as autoridades, até porque sendo crimes carecem da nossa atenção, mas há certas tipologias criminais que mais preocupam as forças policiais. Os homicídios voluntários constituem uma grande preocupação porque está em causa a vida humana, que é inviolável e, portanto, é sempre preocupante, quando num país se registam homicídios. Porém, não é a maior tipologia criminal em Angola, porquanto, as ofensas corporais voluntárias registadas no país constituem uma média de 25 crimes/dia. Durante este ano, de Janeiro até ao presente mês, foram registados mais de 6 mil crimes de ofensas corporais voluntárias, sendo que a Huíla foi a província com maior índice de ofensas corporais neste período, com 705 casos, contrastando com Luanda, que apenas registou 381. Outro tipo de crime que ainda preocupa as autoridades policiais são as violações, que têm uma média de três crimes/dia. No período de Janeiro a Setembro, registámos 667 casos no país, maioritariamente ocorridos em residências, no seio familiar ou por pessoas próximas das vítimas. Os roubos continuam igualmente a preocupar. De Janeiro à presente data, registaram-se no país 2.653 roubos e a província da Huíla continua a liderar essa tipologia criminal, com 794 crimes de roubo. Os homicídios voluntários mantêm a média de três crimes/dia, sendo que grande parte deles foi praticada por pessoas conhecidas das vítimas durante a convivência.

Que medidas adoptam para evitar essas ocorrências?
Quanto às medidas, elas são divididas em proactivas e reactivas. As proactivas são essencialmente as várias acções de proximidade que a nossa polícia realiza todos os dias junto da população e, neste capítulo, há uma melhoria substancial na forma de atendimento ao público e na comparticipação dos cidadãos na garantia da sua própria segurança. Já as medidas reactivas são todas as acções que a polícia realiza com vista a descobrir e deter os malfeitores. Desde Janeiro a Setembro, em várias operações policiais, a polícia apreendeu 539 armas de fogo de diversos calibres e, só em Luanda, foram 364 armas de fogo. Apreendemos 751 viaturas por diversas infracções ao Código de Estrada, bem como 114 viaturas que haviam sido roubadas a pacatos cidadãos. Também 2.453 motorizadas, 24 telemóveis e 220.328 quilogramas de cannabis sativa. Como vê, há um trabalho muito forte da Polícia Nacional que tudo faz para a manutenção e a reposição da ordem.

Sabemos também que a polícia está a trabalhar com as FAA. Isto não demostra alguma incapacidade por parte da polícia para combater a criminalidade?
(Risos) Não, não! A situação é esta: A Polícia Nacional em Angola é a força que garante a ordem e segurança no plano interno, e digo claramente que temos forças e meios suficientes para o fazer. Pese embora alguma dificuldade que existe num país em reconstrução que viveu um longo período de guerra, com todas as consequências que advêm desse factor, a ordem e a estabilidade no plano interno nunca esteve em causa. Quanto ao trabalho com as FAA, sempre aconteceu. Aliás, desde os primórdios da nossa independência, que Polícia Nacional e as Forças Armadas sempre trabalharam juntas, cada um com o seu papel. Por exemplo, nas patrulhas conjuntas, as FAA intervêm sempre que se verifiquem situações que envolvam militares. Portanto, é importante perceber que as FAA têm a nobre responsabilidade da garantia da soberania do país e a polícia a garantia da ordem e da segurança no plano interno. Trata-se de um trabalho de cooperação e não de substituição de uma força por outra, pois caso contrário estaríamos a reverter a ordem constitucional.

A saída da DNIC da alçada directa do Comando Geral da Polícia Nacional não fragilizará a actuação da corporação?
Não, penso que não, aliás longe disso. É tudo uma questão de limites de competências, porquanto, a garantia de manutenção e ou reposição da ordem e segurança pública continua a ser da responsabilidade da Polícia Nacional, nos termos da Constituição e da lei. E mais. Os casos para julgamento sumário continuarão a ser da responsabilidade da Polícia. Portanto, a PN vai continuar a fazer o seu trabalho e os serviços gerais de investigação criminal terão actuação. Acaba até por ser uma forma de descongestionar a actividade policial e penso que não haverá qualquer colisão de competências. O importante é servir o país.

É comum a PN prender primeiro para depois investigar. Quando é que se vai mudar este figurino?
Essa não deve ser a regra e nem é comum, pois a investigação deve anteceder a prisão, salvo nos casos de flagrante delito, ou nos termos previstos na lei sobre as revistas, buscas e capturas. Agora, os casos de violação às normas devem ser denunciados e, naturalmente, medidas serão tomadas.

Recentemente, saiu uma nova lei para as empresas de segurança privada. De lá para cá o que melhorou?
Trata-se de um normativo legal que veio substituir a antiga lei, que se mostrava obsoleta. É uma lei moderna, que cobre as lacunas da anterior. Porém, ela deve ser regulamentada e é nisso que estamos a trabalhar. No entanto, através da Direcção Nacional de Ordem Pública temos continuado a fiscalização e encerramento das empresas que não cumprem com os pressupostos legais.

Têm havido várias denúncias, dando conta de que alguns assaltos contam com a participação de elementos afectos às empresas de segurança privada. Como é que a polícia encara este fenómeno?
Nestes casos, sempre que estejam envolvidos efectivos das empresas privadas de segurança, o procedimento é notificar a empresa, verificar a sua idoneidade e responsabilizar criminalmente os infractores, na medida em que a responsabilidade criminal é individual, pese embora a instituição tenha a sua quota de responsabilidade.