Luanda - A posição da UNITA sobre as medidas de desconcentração orçamental anunciadas para as Administrações municipais de Luanda, apresentada pelo Presidente Isaías Samakuva, apanhou o regime de surpresa e atrapalhou o trabalho da sua máquina de propaganda. Na vã tentativa de escamotear a inconstitucionalidade das medidas, surgiram logo os juristas, peritos e comentadores do costume a falar de um ‘novo modelo de governação’ para Luanda, que não existe. Por isso, vimos rebater e rejeitar tais manobras.

Fonte: Club-k.net

A Constituição de 2010 manda criar novos entes territoriais autónomos

As medidas anunciadas não constituem um novo modelo de governação. Luanda continua a ter o mesmo modelo arcaico de governação municipal, que é um governo centralizado, não eleito pelos munícipes, inserido na Administração Pública do Estado e dependente do ‘chefe’ do poder central, que é o Titular do poder executivo do Estado. Este modelo já foi revogado pela Constituição de 2010 que instituíu, no seu Título VI, órgãos autónomos do Poder Local para governar os municípios todos do país.

Assim, o novo modelo de governação para os municípios do país, o único que a Constituição estabelece e admite, é o modelo autonómico. Este modelo baseia-se em quatro princípios fundamentais: princípio da autonomia local, princípio da descentralização político- administrativa, princípio da separação de poderes e princípio democrático.

Nos termos do artigo 214.o. da CRA, “a autonomia local compreende o direito e a capacidade efectiva de as autarquias locais gerirem e regulamentarem, nos termos da Constituição e da lei, sob sua responsabilidade e no interesse das respectivas populações, os assuntos públicos locais”. Este direito, só pode ser exercido pelas autarquias locais, e não pelos governos provinciais nem pelas administrações municipais.

Quer dizer, o Senhor Presidente da República não deve, desde 2010, interferir na gestão dos assuntos públicos locais. As administrações municipais deviam e devem deixar de existir. Atribuir mais dinheiro e competências a um órgão que já nem devia existir é uma medida inconstitucional, por omissão, e não só, na medida em que prejudica o processo de criação dos órgãos constitucionais (as autarquias locais) e desvia os recursos que a elas e só a elas a Constituição manda distribuir.

No lugar das administrações municipais, a Constituição de 2010 manda criar novos entes territoriais autónomos, novos ‘governos’ municipais, separados do Estado, chamados autarquias locais, correspondentes ao conjunto de residentes em certas circunscrições do território nacional para assegurar a prossecução de interesses específicos resultantes da vizinhança, mediante três órgãos próprios representativos das respectivas populações.

Não se deve pois confundir Administração Municipal com Poder Local. Os Administradores municipais não constituem o poder local previsto na CRA. Eles são parte do poder central do Estado e dependem do ‘chefe JES’, que não foi eleito pelos munícipes para ser o ‘Presidente da Autarquia’, nos termos do artigo 220o da CRA. O poder local não é poder do Estado, é poder democrático dos cidadãos, autónomo ou separado do poder do Estado. O seu chefe é o ‘Presidente da Autarquia’, que não é subordinado do Presidente da República, pois é eleito directamente pelos cidadãos e presta contas a uma Assembleia Municipal eleita pelos cidadãos.

O novo modelo de governação que a Constituição estabelece no seu Título VI para todos os municípios de Angola exige a criação imediata, por lei, dos três órgãos de gestão do poder autárquico, a saber: as Assembleias Municipais, dotadas de poderes deliberativos, os órgãos executivos colegiais e os Presidentes das Autarquias. Exige, igualmente, a observância de um novo modelo de eleição para os seus titulares.

Segundo o novo modelo de governação municipal que a Constituição estabelece para Angola inteira, Cazenga deve ter um presidente eleito pelos moradores do Cazenga, Longonjo deve ter um Presidente eleito pelos moradores do Longonjo, Maquela do Zombo deve ter um Presidente eleito pelos respectivos residentes, Lobito deve ter um Presidente eleito, Camacunde, Mavinga, Tombwa, Cazombo e Buco Zau devem ter, todos e cada um deles, presidentes eleitos pelos respectivos munícipes em eleições livres, justas e simultâneas. Os candidatos podem ser membros de partidos políticos ou cidadãos independentes.

Como bem afirmou o Presidente Samakuva, são estes presidentes eleitos que devem elaborar em primeira instância os programas de investimentos públicos, os orçamentos e os planos de desenvolvimento dos municípios. E quem os aprova em primeira instância são também órgãos autónomos, as assembleias municipais, compostas igualmente por representantes eleitos pelos respectivos munícipes. A responsabilidade da gestão dos dinheiros públicos deve ser repartida entre o Executivo central e os Presidentes (executivos) municipais. Utilizar o poder executivo central para adiar essas medidas de descentralização atravês de manobras dilatórias, constitui um grave atentado à democracia participativa e uma violação à Constituição.

De igual modo, o anunciado aumento eventual da fatia orçamental para as administrações municipais, não constitui um novo modelo de governação. Significa apenas distribuir no papel a mesma fatia orçamental entre ‘JES’ e ‘JES”. Ele é o chefe do executivo central e é também o chefe do executivo municipal. A Constituição manda separar a gestão dos dinheiros públicos entre UM executivo central e CENTO E SESSENTA E UM executivos municipais AUTÓNOMOS, quer dizer, independentes do executivo central.

Cada autarquia constitui uma unidade orçamental autónoma. Cada uma delas deve ter o estatuto, não de mera província, mas de um autêntico ‘governo autónomo’. É por isso que o Presidente Samakuva afirmou que as medidas anunciadas para Luanda são insuficientes. Dizer que os Administradores de Luanda, e só os de Luanda, têm um novo modelo de governação porque vão elaborar os instrumentos de gestão orçamental que deveriam ser elaborados por órgãos autónomos do poder local, eleitos pelos cidadãos, constitui, no mínimo, um insulto à nossa inteligência, areia nos olhos dos incautos ou conversa para boi dormir.

Os assuntos específicos locais relativos ao saneamento básico, à gestão das redes públicas de água, à gestão do lixo, à educação das crianças, à saúde, etc. não são da competência do Titular do poder executivo do Estado ou seus nomeados. São da competência da Administração autónoma, que é constituída pelos cidadãos organizados em autarquias locais. A inexistência da administração pública autónoma constitui uma inconstitucionalidade por omissão.

A Constituição de 2010 manda o Senhor Presidente da República largar o poder municipal e devolvê-lo aos cidadãos. Antes, o Senhor Presidente da República, podia eventualmente procurar resolver os problemas dos munícipes de Luanda no quadro dos interesses da Administração central do Estado, mas agora já é tarde, porque a CRA não o permite. Ao fazê- lo agora, vem prejudicar e protelar a criação efectiva das autarquias locais, ofendendo assim os princípios constitucionais da autonomia local, da descentralização administrativa, da separação vertical do poder executivo e da democracia participativa.

Está claro que o OGE para 2015 vai incluir ‘peças inconstitucionais’ e desviantes, que deveriam ser elaboradas, aprovadas e controladas por órgãos de entes territoriais autónomos. Não terão, certamente, a nossa aprovação. Como deixou claro o líder da oposição, cito, “quem deve elaborar e aprovar os programas de desenvolvimento municipal são os cidadãos de cada município, através dos seus representantes eleitos nos órgãos das autarquias locais”, e não os subordinados do Presidente da República, que pretende apenas, e mais uma vez, distribuir todo o dinheiro dos angolanos entre JES e JES.