Luanda - O general armando da Cruz Neto está a ser apontado, pela justiça espanhola, como o principal beneficiário angolano de uma fraude de 41,4 milhões de euros (cerca de 50 milhões de dólares) que envolveu um contrato de venda de armas e equipamentos, por parte de Espanha, à Polícia Nacional.

Fonte: El Pais/Novo Jornal 

Recebeu 6,5 milhões de euros

O julgamento do caso, denominado “Angora”, decorre na Audiência Nacional, instância localizada na capital de Espanha, Madrid.

Segundo noticia a imprensa espanhola, Cruz Neto – que ocupou o cargo de embaixador de Angola em Madrid entre 2003 e 2008 – recebeu 6,5 milhões de euros (8,2 milhões USD) como contrapartida pela transacção, enquanto a filha arrecadou 25 mil euros (31,6 mil USD).

Os termos da operação, incluída num negócio de 152,9 milhões de euros (193,7 milhões USD), vieram a público no início desta semana atra- vés do testemunho de um dos arguidos, Juan Carlos Cueto, responsável máximo da Comercial Cueto 92, em- presa que, em conluio com a Defex, terá aplicado o golpe.

De acordo com Cueto, que as- sumiu em tribunal ter assistido ao casamento da filha de Cruz Neto – o que atesta a proximidade ao antigo Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas de Angola –, a transferência para a herdeira do ex-embaixador processou-se para uma conta corrente domiciliada em Itália.

Já a compensação do general é associada à sua empresa Abangol Limitada, sediada em Benguela, para a qual os fundos terão sido desviados.

Deputado  da UNITA visado  

Durante o julgamento, o nome do deputado da UNITA Demóstenes Amós Chilingutila também foi mencionado, ainda que por causa de um filho. Embora a identidade do herdeiro de Amós Chilingutila não surja nas páginas dos jornais, os investigadores referem que o filho do antigo vice-ministro da Defesa – cargo que ocupou entre 1996 e 1998 – recebeu 5 mil euros (cerca de 6,3 mil USD) através de uma conta em Paris, França.

Além dos dois políticos angolanos, os factos relatados em tribunal incriminam Guilherme Augusto de Oliveira, antigo representante da empresa Defex em Luanda, contra quem foi ordenado um mandado de busca e captura.

Apresentado como uma personagem-chave nesta trama, o suspeito continua em parte incerta, situação a que não será alheio o facto de ter dupla nacionalidade: angolana e portuguesa.

As dificuldades na localização de Augusto de Oliveira podem também explicar-se, segundo a imprensa espanhola, pela alegada falta de inte- resse das autoridades angolanas no processo.

Apesar de o Estado angolano ter sido a principal vítima da fraude – tendo em conta que não chegou a receber todo o material contratualizado, o qual, ainda por cima foi ne- gociado 200 e 300% acima dos valores –, o jornal El País assinala que Luanda respondeu com silêncio às comissões rogatórias (instrumento de cooperação judicial) enviadas por Espanha.

O Novo Jornal tentou confirmar estas informações junto das autori- dades judiciais nacionais, mas, até à hora de fecho desta edição, não foi possível ouvir qualquer responsável angolano.

Investigação contra corrupção internacional

o processo “Angora” foi desencadeado pela Polícia espanhola, em parceria com as autoridades do Luxemburgo, e insere-se numa investigação contra a corrupção interna- cional e o branqueamento de capitais.

Num comunicado divulgado no passado mês de Junho, a Guarda Civil de Espanha reve- lou que foi alertada, em 2013, pela congénere luxemburgue- sa, para transacções finan- ceiras suspeitas oriundas de contas bancárias espanholas.

Na sequência do aviso, verificou-se que as verbas pro- vinham de um contrato para a venda de equipamento policial a Angola, celebrado entre o Go- verno angolano e o consórcio União Temporal de Empresas, formado pelas firmas Defex (semi-pública) e Comercial Cueto 92 (privada).

A investigação conduziu a 16 rusgas, repartidas por Espa- nha, Luxemburgo e Portugal, que resultaram na detenção de 10 pessoas e na apreensão de material informático, docu- mentos, imóveis e veículos, bem como no congelamento de contas bancárias.

O balanço das operações po- liciais incluiu ainda o confisco de 116 mil euros, 200 libras e mais de 16 mil dólares.

As provas recolhidas levaram à prisão preventiva de altos quadros da Defex e da Comer- cial Cueto 92, acusados de cor- rupção, fraude fiscal, suborno, branqueamento de capitais e associação criminosa.

Além das suspeitas que re- caem sobre os gestores – liber- tados mediante o pagamento de fianças chorudas, que no caso do ex-presidente da Defex, José Ignacio Encinas Charro, atingiu os 100 mil euros (cerca de 126, 6 mil USD) –, vários documentos incriminam a advogada Beatriz García Paesa, sobrinha de um conhecido ex-espião espanhol (Francisco Paesa).

Segundo a imprensa espanhola, a jurista, que pertencia a um escritório de advogados do Luxemburgo, é apontada como a principal responsável pelo “desenho” do esquema, que envolvia a transferência do dinheiro para contas em Gibraltar, Hong Kong, Suíça, Ilhas Caimão e a portuguesa Ilha da Madeira.