Luanda - Armando Manuel (ministro das Finanças), Abraão Gourgel, (ministro da Economia), José Pedro de Morais Júnior (ex-ministro das Finanças) e Manuel da Cruz Neto (ex-viceministro das Finanças) estão entre os cidadãos que serão notificados a comparecer na 8ª Secção de Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda, na condição de declarantes, para prestarem esclarecimentos sobre o Caso BNA/Transferências

Fonte: O Pais
BNA.jpg - 86.55 KBA dupla de representantes do Ministério Público, encabeçada por Isabel das Neves Robelo, anunciou que os governantes integram a lista de depoentes nesta Quarta-feira, 8, ao proceder a leitura do acto de pronúncia na segunda sessão deste mediático julgamento.

Nesta lista de declarantes constam ainda vários quadros seniores do Ministério das Finanças e do Banco Nacional de Angola, no caso, Eduardo Severino de Morais (ex-ministro das Finanças), Amadeu Jesus Maurício (ex-governador do BNA), José Cabal Panga, Ilda Maria Jamba, Helena Paiva, Kussonga Francisco e Conceição Luanga. Bem como as cidadãs Jesuína Rosa Andrade, Maria Celeste Trigo, Marta Barroso, Nelson Gomes, Carlos Custódio, Eugénio de Castro, Rosalina Nascimento, Cláudio José, Maria do Nascimento, António de Azevedo, entre outros.

O primeiro dia de julgamento esteve reservado a apresentação da acusação por parte do Ministério Público, que durou mais de três horas, e de requerimentos por parte dos advogados de defesa dos arguidos.

O ex-vice-ministro das Finanças, Manuel Neto, foi relacionado ao processo por ser a pessoa que detectou graves irregularidades na execução de 11 operações de pagamentos sobre o exterior, consubstanciada na existência de um saldo negativo na Conta Única do Tesouro e nos Impostos Petrolíferos, no dia 20 de Novembro de 2009.

Na qualidade de ministro das Finanças em exercício notou o desfalque aos verificar os procedimentos com que foram feitos alguns pagamentos que criaram um rombo financeiro de 74 milhões de dólares e, sem perder tempo, comunicou o afacto ao então governador do BNA, Abrão Gourgel.

No dia seguinte, isto é, 21 de Novembro de 2009, ambos comunicaram o sucedido às autoridades competentes que solicitaram ao Banco Espirito Santos de Londres (na qualidade de correspondente do BNA, no exterior) e aos bancos beneficiário que bloqueassem os valores que ainda tivessem em sua posse.

Os documentos em posse do tribunal atestam que o Departamento de Gestão de Reservas efectuou as 11 transferências para o banco privado acima mencionado, somando no total 93 milhões, 943 mil e 209 dólares, entre os dias 10 e 16 de Novembro desse mesmo ano.

Ao analisarem os documentos supostamente emitidos pelo Ministério das Finanças que autorizavam a realização de tal operação, descobriram serem falsos e que não entraram no Banco pelos mecanismos legais.

O ministro das Finanças, Armando Manuel, na data dos factos Director Nacional do Tesouro, poderá ser excluído da lista caso as partes envolvidas no processo concluam que os seus depoimentos, prestados durante a fase de instrução processual, sejam suficientes.

Dos 27 indivíduos arrolados no processo, a equipa de juiz, liderada por José Pereira Lourenço, julgará quatro réus à revelia, nomeadamente, Adelino Dias dos Santos, Eduardo dos Santos, José Augusto Manuel (mais conhecido como Zé do Pau Grande) e Francisco Nhanga Meio de Carvalho por se encontrarem foragidos.

Os arguidos Moisés Ismael Afonso e Lino Bambi, estão em liberdade mediante termo de residência, e Moisés Domingos Martins e Augusto dos Santos tem a prisão suspensa desde 17 de Março e 8 de Junho deste ano, por se encontrarem adoentados.

Atendendo ao facto de os crimes cometidos pelos demais não admitirem liberdade provisória, todos aguardam pela decisão final do julgamento enclausurados na Comarca Central de Luanda (CCL), com excepção de Carina António que está presa na Cadeia de Viana.

As falsas ordens de transferências

“Presume-se que em finais de Outubro e princípio de Novembro de 2009 o arguido Domingos Serafim recebeu do co-réu Francisco Nhanga Meio de Carvalho, agora em parte incerta, as coordenadas bancarias das empresas DIP Valor e Energy Trading Group SA, sedeadas no Banco Português de Investimento (BPI), em Portugal e de uma companhia que está localizada no Banco Abu Adabi Comercial Bank, no Dubai”, disse o procurador.

Acredita-se que a primeira terá sido cedida por Guilherme Lopes, director da DIP Valor, ao passo que a segunda foi por um dos seus sóciosgerentes ou administradores e a terceira por Afonso Salama, que está desaparecido.

Constam ainda que para além de contas em bancos portugueses, Serafim recebeu de outros integrantes da quadrilha as coordenadas bancárias de mais dez contas situadas em bancos Alemães, Chineses, Suíços e da Áustria. Os investigadores que conduziram o processo apuraram que foram os arguidos Domingos Serafim e Luís José Bango que falsificaram, em casa do primeiro, as sinopses, protocolo e ofícios de pagamentos que ordenavam a transferência de sete milhões, 560 mil e 470 dólares para a conta da Energy Trading Group SA.

O documento com o número 1030/ Minf, datado de 5 de Novembro de 2009, dizia que este montante serviria para efectuar o pagamento de uma factura número 189/2009 sobre diversos materiais que foram fornecidos ao Ministério da Educação, emitida por esta empresa.

Num outro documento falso com o número 1031/Minf, é autorizada a transferência de oito milhões, 507 mil e 951 dólares para uma conta da DIP Valor, SA, alegando que a mesma se destinava ao pagamento da factura 15/2009, referente ao fornecimento de diversos materiais.

Já no ofício 1032/Minf, com a mesma data, se ordenava a transferência de Sete milhões, 555 mil e 208 dólares para a conta situada num banco alemão, pertencente a uma empresa situada país, com a mesma justificação. Com o documento número 1033/ Minf, ordenavam a transferência de 11 milhões, 730 mil e 50 dólares para uma conta no Banco Abu Adabi Comercial Bank, no Dubai, da empresa Evity Generation Trading LCC, para o pagamento de duas facturas.

A declaração de transferência número 1034/Minf determinava o envio de seis milhões, 310 mil e 450 dólares para a conta da empresa Vlad Corporation Lda, sedeada num banco em Hong Kong, na China. O documento dizia que este montante se destinava ao pagamento da factura 231/2009.

Num outro documento falso, com o número 1036/Minf, era ordenada a transferência de 16 milhões, 800 mil e 850 dólares para a conta da empresa Dissacar Lda, sedeada no Banco Millenium em Portugal, para o pagamento das facturas 236 e 237/2009.

Por outro lado, no ofício número 137/Minf, datado de 5 de Novembro de 2009, orientava-se a transferência de nove milhões, 530 mil e 650 dólares para uma conta sedeada na Caixa Geral de Deposito em nome da empresa Ipegest SA, para o pagamento da factura 31/2009.

O número 138/Minf é referente a uma declaração que ordenava a transferência de seis milhões, 856 mil e 320 dólares para a conta da Imon Finance, sedeada no Banco da Suíça, destinado ao pagamento da factura nº 216, conforme o ofício nº 23 do Ministério das Pescas de 20 de Setembro de 2009.

No documento com o número 139/ Minf, a quadrilha ordenava a transferência de 17 milhões, 230 mil e 720 dólares, sedeada num banco de Viena da Áustria, em nome da empresa Wold Wald Offece Trading, justificando que a mesma se destinava ao pagamento da sua factura número 111/2009.

Na penúltima declaração de transferência forjada pela dupla, Domingos Serafim e Luís José Bango, com o número 1041/Minf, constava o envio de cinco milhões, 818 mil e 550 dólares para da empresa Wells LCC Lda Company, situada na Caixa Geral de Depósitos (em Portugal). Alegadamente para o pagamento das facturas nº 53 e 54/2009.

A quadrilha ordenou ainda, por intermédio da ordem de transferência nº 1042/Minf, o descaminho de nove milhões, 877 mil e 518 dólares para uma conta sedeada no banco Abu Adabi, de uma empresa Evity Generation Trading LCC, referentes ao pagamento da factura 87/2009, de diversos equipamentos que terão sido enviados ao Ministério dos Transportes.

Constatou-se que coube ao coarguido José Augusto Manuel (que se encontra em fuga), a missão de forjar a assinatura do então ministro das Finanças, Eduardo Leopoldo Severin de Morais, e usou o selo branco para validar o documento. De seguida, terá forjado ainda a assinatura do Director Nacional do Tesouro, José Tanga.

“As referidas empresas não forneceram bens ao Estado Angolano e nem este recebeu as respectivas facturas e que os números usados em cada uma deles foram fornecidos por Pinto Costa Cambanba (foragido), então funcionário do Gabinete do Ministro das Finanças”, disse.

Disse ainda que foi o Eliseu Vua Nvunge, estafeta do gabinete do Governador do BNA quem terá submetido os documentos a assinatura, no meio de outros ofícios que seriam assinados por Abraão Gourgel, evitando assim ter de passar pela verificação.

Acusou o réu Francisco Mangumbala de ter aproveitado da função que exercia para destruir todos os documentos falsos de forma a não existirem provas materiais dos crimes que cometeram.

Mais de 45 milhões de dólares por recuperar

Com esta acção, os supostos infractores surripiaram dos cofres do Estado 42 milhões, 78 mil e 82 dólares. Parte deste montante regressou ao país, algum tempo depois, tendo caído numa conta de Domingos Serafim, seis milhões, 255 mil dólares americanos que terão sido repartidos entre si.

“Dos 24 milhões, 132 e 326 dólares, regressou ao país 13 milhões, 644 mil e 149 dólares para a conta de Sérgio José Joaquim que foi repartido entre ele, os co-arguidos e alguns dos seus familiares”, disse o representante do Ministério Público.

Disse que para além das 11 operações, os investigadores concluíram que o grupo já realizava estas acções desde 2007 e, deste período até a data em que foi descoberto, terá furtado cerca de 159 milhões, 971 mil e 671 dólares.

Do qual 15 milhões e 900 mil dólares (referentes ao período de 2008) e 144 milhões, 71 mil e 61 dólares (de 28 de Setembro a 20 de Novembro de 2009). “O BNA foi assim ardilosamente defraudado desta soma monetário, entre outras quantias que ainda não foram apuradas, em consequência dos pagamentos de boa-fé que efectou quando o Estado não devia às empresas e as pessoas que beneficiaram ilegalmente disso”, declarou.

Esclareceu ainda que “dos 159 milhões, 971 mil e 671 dólares que terão sido roubados, foi recuperada a quantia de 98 milhões, 300 mil e 206 e faltam 61 milhões, 671 mil e 400 dólares”.

Disse que aos montantes devolvidos do exterior, acrescenta-se a totalidade dos dinheiros apreendidos aos arguidos orçados em 16 milhões, 532 mil e 302 dólares, 30 mil Euros e 26 milhões, cinco mil e 207 kwanzas. Sem incluir as residências, viaturas e bens imóveis.

Com estes montantes, à Procuradoria acredita que falta recuperar menos de 45 milhões, 139 mil e 156 dólares e presume que se encontram em contas dos arguidos e dos seus comparsas no exterior do país.

Advogados exigem libertação dos réus

Os advogados de defesas dos réus procuraram esgrimir todos os argumentos possíveis para convencer a equipa de juizes e a dupla de representantes do Ministério Público sobre a necessidade soltar os seus constituintes e de que alguns deles foram vítimas das circunstâncias.

Sérgio Raimundo defendeu que devia existir um pouco mais de respeito pelos cidadãos e a sua dignidade, tendo em conta que eles já deviam ter sido postos em liberdade por se encontrarem em excesso de prisão preventiva.

“Eles estão privados de liberdade durante muito tempo, mesmo depois de terem permanecido fora da cadeia mediante o pagamento de uma caução (durante mais de três anos), não se meteram em fuga e sempre estiveram presentes em todos os actos”, argumentou.

Com base nos itens acima mencionados, apelou que o tribunal devia fazer uma interpretação das normais na perspectiva norma-texto e não na perspectiva norma-problema, isto é, hoje em dia é preciso abandonar a tese segundo a qual “dura lex sed lex” porque vigora a “chamada” jurisprudência dos valores.

Argumentando que isto implica que o aplicador da Lei deverá, ao interpretar a norma, deve fazê-lo como norma-problema e não como norma-texto. O que consistirá em olhar para a norma e reconstituir o pensamento do legislador no momento da sua criação e da sua aplicação, tendo em atenção os valores que a própria lei visa proteger.

“Nós falamos de cadeia para pessoas que não constituem nenhum perigo para o normal andamento do processo, o que não faz sentido.

Por isso deixamos aqui a nossa contestação na esperança de que sirva de reflexão para este tribunal e o Tribunal Supremo, que emitiu a decisão de recolher os réus à cadeia”, finalizou.

Quem também se juntou a este coro, mas com outros fundamentos foi o advogado António Penelas, que não só pediu a liberdade do seus constituinte, como também a devolução de todos os seus bens.

“Pedimos que o nosso constituinte seja ilibado de todas as acusações que pesam sobre si, que seja mandado em paz para casa e devolvidos todos os seus bens apreendidos na fase de instrução preparatória que estavam na altura em sua posse”, defendeu.

Já o defensor de Fernando Gomes Manuel “Mangumbala”, alegou que o mesmo era um simples contínuo e que estava a ser vítima das circunstâncias, visto que não participou na operação e nem sequer recebeu dinheiro proveniente desta operação.

Disse que o arguido não tem empresa nem conta bancária no exterior do país, visto que as que possui estão sedeadas em Angola, como comprovam os levantamentos feitos pelos investigadores, cujos documentos se encontram anexos ao processo. “Os seus movimentos bancários comprovam que não recebeu um único kwanza do dinheiro que terá sido desviado”.

O Ministério Público solicitou, no final da apresentação do acto de pronúncia, que os réus sejam mantidos em prisão preventiva por inamissibilidade de liberdade provisória, atendendo ao estipulado na alinha A) do Artigo 10ª da Lei 18/92 de 17 de Julho.