Luanda - No passado dia 15 de Outubro, o Presidente da República de Angola voltou à Assembleia Nacional para fazer o seu habitual discurso sobre o estado da nação. O presidente abordou diversos assuntos, desde o adiamento das autárquicas previstas para não antes de 2017 à reforma no poder judicial. Só que para a minha geração apenas um assunto chamou realmente a atenção, trata-se do facto dos números recolhidos durante o CENSO populacional revelarem que temos mais mulheres do que homens nas terras da palanca.

Fonte: Jovens da banda

Quase que instantaneamente depois do anúncio, houve um fervor nas redes sociais. Eram jovens angolanos por toda e de toda a parte, particularmente de sexo masculino, a jubilar com os dados e interpretando das mais variadas formas o pronunciamento do Presidente, sendo o consenso comum a favor da poligamia.

Apesar de parecer brincadeira, este assunto é bastante sério e deve ser analisado com cuidado pois por mais incrível que pareça já assola veemente a camada juvenil angolana.

A poligamia é o sistema onde uma pessoa partilha mais de um parceiro ao mesmo tempo. O termo é de origem grega e significa vários casamentos. Temos a tendência de utilizar o termo para associar à homens que têm mais de um relacionamento conjugal mas a poligamia na verdade está dividida em duas partes: a poliginia que neste caso refere-se ao exemplo anterior (o mais comum de acontecer) e a poliandria onde uma mulher possui mais de um parceiro.

Cometemos constantemente o equívoco de associar a poligamia ao adultério, que acontece geralmente quando uma pessoa comprometida, entenda-se como casada, possui um outro relacionamento sem que nenhum, ou apenas um, dos outros envolvidos saiba. No caso dos relacionamentos polígamos, todos os envolvidos conhecem e conformam-se com a situação em que se encontram.

Verdade seja dita, a poligamia faz parte da história da evolução humana. O Livro mais antigo do mundo, a Bíblia, conta-nos que alguns dos seus personagens ilustres foram polígamos: Abraão, Jacó, Davi e Salomão, por exemplo, tiveram várias mulheres. Outros livros que se seguem como o Alcorão, que reconhece e faz menção do antigo testamento da Bíblia sagrada, actual Torah- livro dos judeus, relembram que Maóme também foi polígamo, aliás, a prática é até hoje adoptada em países muçulmanos onde os homens podem ter até quatro mulheres no máximo, enquanto o cristianismo hoje repudia tal prática.

Alguns cristãos e até ateus, praticantes ou simpatizantes do costume, tentam justificar os seus actos questionando por que D-us permitiu a poligamia antes e por que houve a mudança de posicionamento no Novo Testamento(?).

A resposta pode estar nas suposições de alguns historiadores religiosos que ligam esta mudança ao facto de nunca ter sido o plano inicial de D-us para o casamento dar ao homem várias mulheres (Gênesis 2:24). Quando isso aconteceu, alguns factores contribuíram para tal, sendo o principal a grande percentagem de mulheres em relaçāo a homens, pois ao contrário do que muitos jovens (machos) acham, estes números elevados não são uma particularidade de Angola.

Estatísticas actuais mostram que aproximadamente 50.5% da população mundial é composta por mulheres. Supondo que era assim nos tempos medievais, onde as guerras brutais por conquistas de terras levavam muitos homens precocemente à morte, aumentando ainda mais estas percentagens, e partindo do princípio de que naquele tempo o homem era o patriarca da família, concluí-se que era praticamente impossível as mulheres auto sustentarem-se sem recorrer a escravidão ou a prostituição. Daí a necessidade de existir a poligamia para proteger e providenciar pelas mulheres que provavelmente não achariam um marido de outra forma. 

Em África a poligamia está presente há muitos séculos também, porém de acordo com historiadores, um dos grandes preconceitos das pessoas é o de achar que o hábito extende-se por todo o continente.

Focando-nos na África Austral por motivos óbvios, é sabido que os primeiros povos a habitarem nestas terras, foram os khoisans e já foi dito aqui que eles eram e são monógamos.


Em alguns povos que foram aparecendo depois provenientes do Oeste de África, estabelecendo-se em áreas desocupadas, como os Zulus, Xhosas, Bailundos, Mucubaís e Mumuílas, a poligamia realmente era inerente mas por factores que nem sempre estiveram ligados a cuncupiscência(desejo sexual) dos homens e sim ao cumprimento das obrigações sociais destinadas a reforçar os laços entre grupos de família ou clãs. Quando o motivo não estava ligado a alianças políticas, eram casos de mulheres viúvas ou abandonadas que precisavam de um pai de família para sustentar a ela e aos seus filhos. 

Hoje em dia com a independência da mulher e a crescente habilidade de auto sustentarem-se, o costume da poligamia tem desaparecido continente afora. Os poucos que fazem apologia a prática, afirmam que ao terem mais de uma mulher, estão apenas a honrar os seus costumes, mas são homens que ao oposto dos mucubaís e dos mumuílas não resistiram à integração. Os Mucubais e os Mumuilas mesmo durante a guerra não abandonaram o seu território, as mulheres ainda hoje quando solteiras andam nuas da cintura para cima, decoradas com colares e pulseiras untadas com fezes de boi. Os homens apenas cobrem-se com peles e não abdicam das suas catanas.

Portanto os jovens que querem voltar as origens, devem fazer como se deve ser e não apenas por metade. Hoje já não podem alegar que as guerras têm vitimado vários pais de família e por isso usam a poligamia como método filantrópico. Também não podem alegar que precisam de mais de uma mulher para fazer alianças políticas e territoriais.

Não precisam igualmente preocupar-se tanto com os números revelados pelo Presidente sendo que estes ainda não definiram quantos destes homens e mulheres são crianças, idosos, jovens, gays e lésbicas.

O que eles não podem, é usufruir dos direitos de uma sociedade organizada com leis e obrigações ao mesmo tempo que aproveitam desorganizá-la com hábitos e costumes tribais sob o protesto de estarem a honrar as sua origens.

O presidente da África do Sul é citado várias vezes como exemplo de um homem polígamo numa sociedade moderna. Jacob Zuma tem mais de uma mulher sim, mas isso de acordo com o casamento reconhecido por lei no Direito costumeiro Sul Africano. Os homens sul africanos só podem usufruir deste direito se não forem casados de acordo com o Direito civil que proíbe a poligamia. Um homem sul africano só poderia migrar de um casamento civil para o costumeiro renunciando o primeiro, ou seja, o divórcio no casamento civil seria inevitável.

Em Angola a poligamia fere primeiro o princípio monogâmico, regra milenar absoluta erigida como um bem jurídico digno de tutela penal, sendo que o anteprojecto do Código Penal de Angola previa o crime de bigamia no seu artigo 221º. Depois, o casamento poligâmico põe em causa o princípio da igualdade dos cônjuges reconhecido na nossa Constituição, nos artigos 35º e 23º.

Como disse a antiga Ministra da Justiça, Dra. Guilhermina Prata, “não se trata de fazer sermões à pessoas sobre a sua vida íntima, trata-se sim de enfrentar um enorme problema social”. Claro que independentemente do que dizem os jovens na brincadeira, a poligamia não depende apenas do homem, afinal quando um não quer, dois não fazem, mas, supondo que seremos nós os futuros alicerces desta nação e com muito para ensinar aos nossos filhos, convém pensarmos desde já no tipo de sociedade que tencionamos criar (homens e mulheres) e apresentar ao mundo, principalmente quando pretendemos instaurar princípios como a civilização, democracia e modernidade.