Luanda - Na última sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, Angola foi um dos países que foram eleitos ao Conselho de Segurança, como membro não-permanente, num órgão composto por 15 membros, sendo 5 permanentes e 10 não-permanentes. O Conselho de Segurança da ONU é um «Órgão Decisório», responsável por manter a paz e a segurança entre os países do mundo. Tem poder de tomar decisões vinculativas que os Estados-Membros acordam em realizar, nos termos do artigo 25º da Carta das Nações Unidas, em forma de Resolução. 

Fonte: Club-k.net

As Nações Unidas é a sede da diplomacia multilateral, onde convergem todas as Nações do Mundo e através da qual a politica externa dos Estados-Membros da comunidade internacional encontra o espaço propicio de interacção, conjugação e materialização. O multilateralismo baseia-se no princípio segundo o qual, vários países devem cooperar (na igualdade e na reciprocidade) para que sejam alcançados determinados objectivos de interesse comum.

É na base deste princípio, de cooperação multilateral, que inspirou a fundação das Nações Unidas, assente nos valores e princípios plasmados e consagrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada em 10 de Dezembro de 1948, na Resolução 217 A (III), da Assembleia Geral.

Neste respeito, o Artigo 1º da Declaração Universal, estipula o seguinte:

“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espirito de fraternidade.”

A razão e a consciência do ser humano, dotado por si, inerente da sua personalidade, que são os atributos do seu Criador, constituem os elementos-base sobre os quais assentam a liberdade, a igualdade e dignidade em direitos. Nos considerandos da Declaração Universal o destaque cai sobre o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis como sendo o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo.

Portanto, a fundação das Nações Unidas baseou-se no princípio consagrado da dignidade humana, que deve ser respeitado escrupulosamente por todos Estados do mundo, sem excepção, no exercício da legislação, da governação e da administração da justiça.

Importa, nesta óptica, destacar, em síntese, as funções e as atribuições do Conselho de Segurança das Nações Unidas, órgão decisório:

a)        Manter a paz e a segurança internacionais de acordo com os princípios e propósitos das Nações Unidas;

b)        Investigar qualquer disputa ou situação que possa vir a se transformar em um conflito internacional;

c)         Recomendar métodos de diálogo entre os países;

d)        Elaborar planos de regulamentação de armamentos;

e)        Determinar se existe uma ameaça para a paz ou acto de agressão e recomendar quais medidas devem ser tomadas;

f)         Solicitar aos países que apliquem sanções económicas e outras medidas que não envolvam o uso da força para impedir ou deter alguma agressão.

g)        Decidir sobre acções militares contra agressores;

h)        Recomendar o ingresso de novos membros na ONU;

i)         Exercer as funções de tutela das Nações Unidas em “áreas estratégicas”;

j)         Recomendar à Assembleia Geral a eleição de um novo Secretário-geral e, em conjunto com a Assembleia, escolher os juízes da Corte Internacional de Justiça;

k)        Apresentar relatórios anuais e especiais à Assembleia Geral.

Observando bem, dentre as competências do Conselho de Segurança, referenciadas acima, sobressai visivelmente, na essência, alínea i) que se trata da “tutela das Nações Unidas em áreas estratégicas.” A tutela, significa a autoridade legal sobre uma pessoa menor ou interdita. Ou seja, a sujeição ou obediência técnica ou administrativa, imposta legalmente a um organismo ou a uma extensão territorial sob a jurisdição desta.

As “áreas estratégicas, “em referência, incide-se sobretudo no domínio da supremacia que se encarna este órgão decisório, de equacionar a «ordem mundial» e de fazer obrigar todos os Estados e Nações do Mundo sujeitar-se a sua autoridade suprema. Tendo a legitimidade politica e legal, técnica e administrativa, de presidir e decidir sobre o destino da humanidade, sem prejuízo a soberania de cada Estado-Membro. Isso explica a enfase reflectida sobre a “tutela em áreas estratégicas” da política internacional, no âmbito do multilateralismo.

Por isso, para a credibilidade e legitimidade deste órgão multilateral, tão poderoso, os membros integrantes (permanentes e temporários) deviam munir-se de integridade moral e de prestígio de modo a servir-se de modelo para combater efectivamente as mazelas que enfermam as sociedades modernas, como grandes desafios contemporâneos, que ameaçam a segurança mundial e o bem-estar da humanidade.

Alias, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, sobre a qual repousa as Nações Unidas, foi proclamada como a mais alta inspiração do Homem para erradicar a injustiça social, a escravatura, o racismo, a opressão, o colonialismo, a exploração do homem, a má-governação, o atraso, e sobretudo, os actos de barbárie, que revoltam a consciência da Humanidade. Na expectativa de que, haja de facto o advento de um mundo em que os seres humanos sejam “livres de falar e de crer, libertos do terror e da miséria.”

Porém, o advento do novo mundo, com as características acima referenciadas, não parece existir e afirmar-se como devia ser. A barbárie e o défice da liberdade de falar e de crer, libertos do terror e da miséria, prevalece e é constante, com maior incidência no Médio Oriente, na Asia, em Africa e na América Latina. Isso justifica, nesta logica, a presença no Conselho de Segurança das Nações Unidas de regimes autocráticos, bárbaros e corruptos, como o caso especifico de Angola, cuja liderança é a mais corrupta da Africa, e na qual a «liberdade de falar e de crer» é restringida e reprimida. Os órgãos públicos de comunicação social, por exemplo, estão partidarizados, censurados e vedados o acesso das forças políticas do país e da sociedade civil.

Como patriota, filho de Angola, seria o meu prazer e orgulho, do nosso país estar no Conselho de Segurança das Nações Unidas, através do qual teríamos o melhor perfil e espaço de actuação para defender os interesses de Angola, da Africa e de outros povos do Mundo, no âmbito da reciprocidade e de interesses mútuos. Mas, na realidade, este mandato, da entrada no Conselho de Segurança, terá sido tão premente lutar por ele? Quais os benefícios reiais que trarão ao povo angolano, no melhoramento das suas vidas? Portanto, terá sido valido os recursos avultados investidos neste empreendimento, tão gigantesco?

Ora bem, os meandros da diplomacia multilateral, neste caso específico, são altamente complexos, como uma teia de arranha, que exige muito tacto, muitas manobras e muito dinheiro para montar vários mecanismos de “lobbying;” que devem ser financiados, orientados, conduzidos e movimentados, no intuito de alcançar os alvos e as metas predefinidas. Numa situação, como de Angola, associada à corrupção endémica e aos desvios de fundos públicos, provenientes do petróleo, onde operam as multinacionais petrolíferas, das potências mundiais, membros permanentes do Conselho de Segurança, o jogo torna-se ainda mais complicado e bastante complexo.

Pois que, o jogo de interesses, de acesso ao “ouro negro,” tendo em conta a instabilidade crescente no Médio Oriente, a competição desenfreada atinge os níveis exacerbados e de ruptura entre as grandes potencias industrializadas. Nessas circunstâncias, que é óbvio, não só a virtude de flexibilidade e de pragmatismo que conta na balança, mas sim, prevalece o princípio de «give and take», i.e., dá cá, toma lá. Neste jogo de cintura, de saber dar e receber, em troca, as potências industrializadas sempre terminam por impor a sua vontade expressa, em detrimento daqueles que ousarem desafia-las, no círculo do poder, como no Conselho de Segurança da ONU.

Os 5 Membros Permanentes do Conselho de Segurança (China, França, Rússia, Reino Unido e os EUA) têm uma influência esmagadora, e quase arrastam consigo os 10 Membros Não Permanentes, os quais, nas decisões estratégicas, em determinadas situações, são meramente levados a reboque. Pois que, o peso económico, tecnológico, cientifica, know-how e militar (armas nucleares) realçam, de certo modo, a potencialidade e a influência de um país neste Órgão decisório das Nações Unidas. O subdesenvolvimento do Continente Africano, a má-governação e a dependência tecnológica enfraquecem o seu desempenho junto dos Fóruns Internacionais, como nas Nações Unidas. Portanto, o perfil e o papel de Angola no Conselho de Segurança da ONU, nesta fase conturbada, será reduzido, subsidiário e infinitesimal, para justificarem este investimento avultado de recursos financeiros.  

No meio de tudo isso, a questão fulcral é o recuo que se vai registar no processo da democratização do país, como recompensa do papel que Angola vai prestar à comunidade internacional, na qualidade de polícia e de bombeiro da região, com fornecimento de tropas para a intervenção militar nos Grandes Lagos e na República Centro Africana. 

Pondo, assim, em risco a vida dos nossos filhos, como carne de canhão, expostos ao terrorismo internacional e à expansão do fundamentalismo islâmico. Lançando-os na fogueira sem qualquer protecção legal, ao abrigo da alínea (m) do Artigo 119º da Constituição da República de Angola, no que diz respeito as competências do Chefe de Estado, nos seguintes termos: “Declarar o estado de guerra e fazer a paz, ouvida a Assembleia Nacional.” O que (em todas operações feitas pelas FAA fora do território angolano) não tem sido feito, isto é, «ouvida a Assembleia Nacional» antes de proceder ao envio da tropa angolana ao exterior, fora do território nacional.

Logo, as Potencias Ocidentais, representadas no Conselho de Segurança, ameaçadas pelo Estado Islâmico, não poderão pressionar e dissuadir o Regime Angolano na neutralização do processo democrático em curso no país. Veremos, nos próximos tempos, a introdução de vários instrumentos jurídico-legais, com fim de endurecer o sistema autocrático e restringir o espaço democrático e as liberdades e os direitos fundamentais. O Parlamento Angolano, neste respeito, já se encontra maniatado, sem capacidade de exercer as funções legislativas e fiscalizadoras, para garantir a participação institucional efectiva nos assuntos do Estado – como órgão representativo. 

Todavia, neste momento de euforia e da emoção politica, os louros ou as cedências deste exercício, da entrada no Conselho de Segurança, poderão estar escamoteados ou mesmo despercebidos. Em todo caso, a verdade é uma, este investimento avultado na conquista do assento no Conselho de Segurança, nesta fase de indigência extrema, que afecta mais de 70% dos Angolanos, constitui um acto irresponsável, de desperdício de recursos e de esbanjamento, que visa apenas o «show off», como forma de branqueamento de imagem do Presidente Angolano.

No meu entender, este dinheiro avultado, teria frutos deliciosos e benefícios tangíveis, se estivesse sido investido no sector social, na agricultura, no fomento rural e no combate a seca cíclica na Região Sul de Angola, sobretudo nos Gambos, onde as comunidades locais vagueiam, como nómadas, a procura da água e de alimentos. Na realidade, não só precisamos de potenciar o desenvolvimento humano, mas sobretudo, de estancar a despovoação rural e o empobrecimento do campo, que aprofunda as assimetrias socioeconómicas e regionais. Isso, como consequência, resulta-se na sobrepopulação dos centros urbanos, como Luanda, onde o «exército de reserva» cresce de modo astronómico, sem infra-estruturas de realce. Enfim, sem emprego, sem habitação, sem saneamento básico, sem escolas suficientes, sem serviços adequados de saúde, sem água potável, sem luz eléctrica, sem subsídios sociais, sem seguros sociais adequados e sem salários condignos para os angolanos.

Gerando, desta forma, todos os males que assolam a nossa sociedade, tais como: As desigualdades sociais, a corrupção, os desvios do erário público, a exploração da força de trabalho, a penúria, a fome, a delinquência, o terrorismo, o alcoolismo, a prostituição, a violência domestica, as doenças endémicas, a droga, o tráfico dos seres humanos, o abandono das crianças, a destruturação familiar, a alienação cultural, etc. No cômputo geral, a juventude é a vítima principal desta situação melindrosa, que compromete o futuro desta e da sociedade, em geral.

 

Em suma, a entrada no Conselho de Segurança é bem-vinda. Só que, é uma armadilha que tem várias implicações, tanto positivas quanto negativas. Um verdadeiro bumerangue, de uma jogada arriscada, num tabuleiro de xadrez.  A essência, nesta matéria, é continuarmos a bater-se pela nossa liberdade de falar e de crer, dotados de razão e de consciência – na dignidade e na igualdade em direitos. 

Luanda, 26 de Outubro de 2014

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