Luanda - Intervenção do Raul Danda no debate sobre sinistralidade rodoviária


Excelência Senhor Presidente da Assembleia Nacional;
Cara Ministra dos Assuntos Parlamentares;
Ilustres Colegas Deputados;
Minhas Senhoras e meus Senhores:

Na minha língua, a língua ibinda, diz-se: “vatilya, mu’nzila”. É preciso cultivar perto da via por onde passam as pessoas. Para que estas apreciem o nosso trabalho e digam “este senhor ou esta senhora trabalha muito; trabalha bem”. Não nos felicitemos, não nos elogiemos, porque trouxemos este assunto a debate. É preciso deixar que outros o façam. Apenas uma nota introdutória.

O Debate sobre a “Prevenção e Sinistralidade Rodoviária em Angola”, surge numa altura em que o País regista uma subida exponencial de mortes nas suas estradas, figurando, com muita tristeza, nos lugares cimeiros à escala mundial. Por isso, a exemplo da Conferência sobre Sinistralidade Rodoviária, realizada em Janeiro do ano em curso, aqui em Luanda, este debate será mais um passo para se encontrarem soluções que possam, com eficiência e eficácia, travar a tremenda e sempre lamentável perda de vidas humanas no nosso país.

Deverá este debate servir igualmente de mola impulsionadora para que sejam dados passos firmes, sólidos e consequentes na senda da efectivação da paz nas nossas estradas, porque o que acontece nelas é uma verdadeira “nova guerra” em Angola, a olhar para os danos que causa, quer humanas, quer materiais, mas sobretudo aquelas.

O relatório acabado de apresentar representa a realização de algum esforço, não obstante o mesmo ser ainda exíguo, se o que se pretende é, de facto, uma análise cuidada do fenómeno e a apresentação de propostas para a solução do problema. Por outro lado, tem de haver coragem para colocar o dedo na ferida – como é hábito dizer-se – porque assuntos desta natureza não se compadecem com alguns exercícios de marketing quer político, quer de outra índole. Não sabemos que critérios têm sido eleitos para a escolha e indicação da assessoria que trabalha nestes relatórios, mas devemos, desde logo, pedir aqui que não venham sempre dos mesmos comités, com a mesma especialidade. Os vícios dificilmente seriam corrigidos.

Hoje, evocar um “conflito armado” há muito falecido, como tendo influência no que se chama “acções e comportamentos causadores da sinistralidade rodoviária” é, no mínimo, desperdiçar acções, dar um tiro no escuro.

Senhor Presidente da Assembleia Nacional,
Mui cara Ministra dos Assuntos Parlamentares,
Ilustres Colegas Deputados:

Quem mata os nossos cidadãos nas estradas e até nas residências, muitas vezes invadidas por viaturas descontroladas que vão reclamar vidas de famílias inteiras que saem do sono normal para o sono eterno?


É o consumo exagerado de álcool; álcool vendido com maior facilidade que a água, álcool que, incrivelmente é mais barato do que um mesmo volume de água (esta, sim, que dá vida); álcool elevado em campanhas de promoção das mais variadas bebidas alcoólicas; álcool objecto de marketing em todas as televisões, rádios e jornais; marketing feito quase exclusivamente por menores, por jovens, como que a ensina-los que beber e embebedar-se é uma virtude; álcool distribuído como se de pão se tratasse, nas maratonas políticas que proliferam pelo país, qualquer motivo sendo válido para o efeito; o álcool que leva à embriaguez, esta à falta de lucidez, e esta, por sua vez, ao cometimento dos mais variados excessos e crimes. A responsabilidade nunca tem paternidade?

Quem mata nas estradas ou a partir delas é o mau estado das vias, das estradas, feitas a três pancadas, no eterno pensar de que o importante será fazer e não fazer bem; estradas que por vezes têm buracos, outras vezes parece que são os buracos que têm alguma estrada… Na edição do dia 28 de Outubro (anteontem, portanto) trazia, uma matéria sobre o estado da estrada Andulo-Malanje e alguém dizia, e eu vou citar: os taxistas são obrigados a fazer manobras perigosas para evitar os buracos na estrada” – fim de citação.

Quem mata é a corrupção que grassa e desgraça o país. Os agentes da polícia auferem salários baixos e, para complemento salarial, fazem recurso à gasosa. E aqui, as notas (de kwanzas ou de dólares) substituem completamente qualquer carta de condução, qualquer título de registos de propriedade, qualquer livrete. O dinheiro faz esquecer o bloco de multas que os agentes trazem debaixo do braço. O Executivo diz: “as viaturas X, Y e Z não podem fazer transporte de passageiros”! Mas o automobilista, que dá o dinheiro que o Executivo não dá, ganha sempre a batalha, quando o agente da polícia tem de decidir entre fazer cumprir a lei e levar o alimento à família que ficou em casa. E, apesar de estarmos a dizer que este assunto não devia ser politizado – e concordamos que não – do lado dos “nossos camaradas” ninguém se quer referir à maldita corrupção, como se ela não existisse, como se ela não fosse uma das grandes responsáveis da sinistralidade rodoviária no nosso país, como se apenas o Presidente, dos “camaradas” e da República, fosse o único a saber da sua existência e a reconhecer que ela é nefasta e merecedora de uma guerra sem quartel.

Quem mata é a falta de controlo que permite que os motociclistas, no país, se comportem e se movimentem sem quaisquer regras. Para estes, não existem regras de trânsito: o semáforo, para eles, está sempre no verde; têm sempre prioridade; o passeio e a estrada confundem-se; e a polícia, só olha.
A exemplo do que acontece em todo o país, muitos jovens em Cabinda, arranjam algum dinheirinho, vão ao Massabi comprar motorizadas vindas do Congo Brazzaville e que têm custo acessível, e, sem nunca terem aprendido a conduzi-las e com total desconhecimento das regras de trânsito, nunca chegam à cidade de Tchiowa com vida, abalroados por esta ou aquela viatura com que se cruzam.
Isso não tem culpados?

Senhor Presidente,
Ilustre Ministra,
Caros Deputados:

Os indicadores constantes das tabelas do relatório em debate, apontam para um crescimento das vítimas da sinistralidade rodoviária em Angola, ano após ano. E aqui, um paradoxo: como é que se coloca Angola no quinto lugar da Sinistralidade Rodoviária, em África, quando, já em 2009, os dados da OMS, citados pela Angop, diziam que o nosso país já ocupava o triste 3º lugar à escala mundial?

Uma das causas não referenciadas é a relativa aos fracos índices de ensino, quer no seio dos agentes da polícia, quer no dos automobilistas, apesar de nas recomendações/Constatações ser exigido, como requisito, a apresentação de certificados de habilitações. Só, parece que nos esquecemos que esses documentos podem bem ser comprados, assim como a própria carta de condução, tal é a maka “que estamos com ela”.

Os investimentos quer na construção de novas estradas, quer na reabilitação das já existentes, não têm sido proporcionais aos novos paradigmas do desenvolvimento e à intensidade do tráfego Rodoviário, intra e interurbano, provincial ou nacional. É disso facto, o exemplo da estrada nacional Luanda/Benguela, que, no formato actual, é equivalente a um sentido apenas numa rodovia municipal ou intraurbana.
Aqui mesmo na cidade de Luanda, faltam passagens aéreas, há problemas graves de iluminação… Quem passa pela chamada “ponte partida” (vejam o nome), que leva à Comarca de Viana, conhece os transtornos de transpor aquele troço porque há séculos que aquela ponte partida anda partida.

Há algum tempo, um governante deste país, falando numa rádio comercial, dizia, de forma clara e desinibida, que devia haver mais seriedade na construção de estradas e pontes, pagando o justo por um trabalho sério. Falou como angolano, como cidadão, olhando para os problemas de frentes. Ainda ontem, o Clero Angolano tecia duras críticas ao estado das estradas e às avultadas somas de dinheiro que se gasta para fazer tão pouco, em termos de qualidade. O Clero não falou em nome de nenhum partido político. Falou por Angola e pelos angolanos.


E aqui, queremos olhar para o Relatório que nos foi apresentado, tomando nota disto e daquilo, elogiando aqui e ali, como se o cerne do problema fosse provar que o relatório é bonito! Não, caros colegas, o problema que nos traz aqui é a prevenção e a sinistralidade rodoviária. É para isso que temos de olhar. Se viemos fazer este debate é porque as coisas andam mal; muito mal. E isso tem que ter responsáveis. Responsáveis que são angolanos, que são deste planeta e não de Júpiter.


Uma colega aqui perguntava se, face à constatação de irregularidades na estrada, que medida os colegas que fizeram a constatação tiveram. Bem! Andar com um colete da polícia e multar o cidadão? Deixe-me lembrar que do mesmo modo que passam no rodapé da TPA os contactos da Polícia Nacional, as rádios deste país, sobretudo as comerciais, andam fartas de falar dessas irregularidades. Alguém aqui não tem ouvido os gritos de desespero do “Man-Ngomito” da Rádio Mais, ressalvada a publicidade? O que é que a chamada telefónica a anunciar e denunciar a irregularidade faria que não fazem os anúncios e denúncias que ouvimos quotidianamente nas rádios? Caros colegas, o assunto é sério e nele não há lugar nem para brincadeiras nem para tergiversações ou lucubrações.

Senhor Presidente,
Ilustre Ministra,
Caros Deputados:

Estamos a debater um assunto de tamanha importância, que atravessa e preocupa todos os sectores da nossa sociedade, e somos “brindados” com a ausência, nesta sala, daqueles que têm um papel preponderante a desempenhar quer na prevenção, quer na contenção, quer na minimização deste fenómeno. Onde estará o Senhor Ministro do Interior? Onde andará o Senhor Comandante-Geral da Polícia? Onde estarão os responsáveis da Viação e Trânsito que até têm responsabilidades acrescidas porque é no seu sector onde se vendem as cartas de condução, se recebe a “gasosa”, o “saldo”ou a “cuca”, para que o examinador perca toda a rigorosidade e deixe passar gente que não percebe nada de condução muito menos de código de estrada? Onde estão? Esta ausência tem a ver com imputação de falta de importância ao assunto, desprezo por esta instituição, ou falta de responsabilidade? E entre estas três, qual seria a pior?

Senhor Presidente,
Ilustre Ministra,
Caros Deputados:

• Precisamos de apresentar relatórios melhor elaborados e imparciais, deixando de recorrer às mesmas fontes e aumentar o universo de participantes das pesquisas.

• É imperioso desencorajar as maratonas da cerveja, com paternidade bem conhecida – pois são sempre os mesmos a gastar dinheiro público nessas coisas – pois isso é um verdadeiro incentivo ao embebedamento que leva à morte;

• É urgente melhorar a remuneração e as condições de trabalho dos agentes com intervenção directa ou indirecta na viação e no trânsito, protegendo-os, assim, dos actos de corrupção, punindo, com exemplaridade, os que incorrerem em tais práticas;

• Impõem-se investir mais no rigor e qualidade de ensino no país, bem como na formação técnico-profissional, para elevar a consciência dos cidadãos e dos servidores públicos sobre as suas responsabilidades sociais;

• É imperativo que as políticas relativas às estradas nacionais sejam revistas, adaptando-as à dimensão proporcional e à intensidade do tráfego rodoviário, dentro dos padrões universalmente recomendáveis. Fazer não basta. É preciso fazer bem. Isso é que é eficiência.


Senhor Presidente,
Ilustre Ministra,
Caros Deputados:

O Grupo Parlamentar da UNITA, como sempre, vai remeter, por escrito, as suas recomendações – como já dizia o meu colega Fernando Heitor. Isso vai resultar? Ou será apenas mais um exercício que ficaria por isso mesmo?

Se concordamos todos que o assunto é transversal; que tem implicações nas vidas de todos nós, de forma directa ou indirecta; se concordamos que assunto preocupa de forma profunda toda a gente, não seria altura que quem tem a chave do cadeado que fecha a transmissão destes debates nos desse algum fôlego, algum espaço, alguma liberdade para que os angolanos acompanhem e vivam o debate sobre estas matérias? Prendem-nos assim porquê?

A maior responsabilidade para se inverter o actual quadro da sinistralidade rodoviária, é sem dúvidas, do Executivo. Não deve fugir da sua responsabilidade pois é para isso que foi eleito.

A Assembleia Nacional terá um papel importante se lhe for devolvida a competência constitucional e normal de fiscalizar os actos do Executivo. Só assim este debate terá sido proveitoso.

Muito obrigado, Senhor Presidente.

Luanda, 30 de Outubro de 2014.-


Raúl M. Danda
Presidente do Grupo Parlamentar da UNITA