Luanda - “Opinion-maker” me confesso desde que me conheço, embora não goste nada deste anglicismo e muito menos da sua tradução em português, que dá um prosaico “fazedor de opinião”.

Fonte: Rede Angola

Estaria sem dúvida muito mais confortável se a tradução resultasse num “fazedor de sonhos”, pois ainda acredito que o sonho comande a vida, mas é mesmo só quando estamos a dormir e a utilizar inconscientemente este recurso, sobre o qual o sonhador não tem qualquer controlo, por mais que os seus próximos lhe desejem todas as noites “sonhos cor-de-rosa”.

As duas variantes fazem-me lembrar processos fabris de reprodução mecânica em série, como se as pessoas andassem a produzir opiniões sob encomenda ou ao quilo, que é também, note-se, uma desconfiança que acompanha permanentemente os “profissionais deste ramo” da palavra dita e escrita.

Com efeito, esta perspectiva quantitativa não corresponde à ideia que eu tenho, e defendo, de sermos ou devermos ser, todos protagonistas activos da liberdade de opinião, como um dos activos mais saudáveis que as sociedades abertas colocaram à disposição de todos os seus “clientes”, que são os cidadãos, enquanto titulares individuais da soberania popular.

É para já um dos poucos “produtos” que ainda não paga nenhuma taxa de valor acrescentado, por ser ele próprio o melhor “IVA da restauração” quando se trata de contribuir para uma gestão politicamente mais equilibrada da coisa pública com recurso à cidadania, tão apreciada e destacada na retórica do politicamente correcto.

Desde miúdo que me lembro de ter ideias próprias e sobretudo de discordar com o parceiro, embora não desse muita importância a esta “profissão de fé”.
Não imaginava por outro lado, qual viria a ser a sua colocação na hierarquia dos valores mais estruturantes do próprio projecto democrático, que na altura ainda era uma miragem.
Não podia estar mais certa a sabedoria popular, quando se ouve dizer que a “cada cabeça, uma sentença”.

Por outras palavras, este provérbio diz-nos que as pessoas passam toda a sua vida a emitir juízos de valor.
O problema desta imensidão de juízos é que a esmagadora maioria deles acaba por ficar na cabeça do próprio “juiz”, sem chegar ao conhecimento da opinião pública e publicada, como agora se diz, para não se confundirem as coisas.

Estou perfeitamente de acordo com esta separação das águas, diante das últimas tendências da nossa ” passarellelocal”, que apontam para uma grande confusão neste âmbito.
De facto, às vezes não se percebe bem de que é que se está a falar ou quem é que está a exercer o direito de opinião. Se é o próprio “opinion-maker”, ou se ele está a servir de porta-voz de mais alguém, que normalmente até são entidades abrangentes, colectivas e abstractas do tipo o “nosso povo entende” ou os “cidadãos deste país acham”, ou ainda os “angolanos estão convencidos que”.
A tal ponto as coisas assim se apresentam, que se começam a correr alguns riscos mais sérios na hora de se darem os nomes aos bois.

Trata-se de uma tarefa imprescindível se quisermos ter a casa da comunicação social mais arrumada e menos propensa à disseminação/multiplicação de alguns conhecidos e resistentes “vírus”, que são verdadeiros mutantes.

Feita que foi a separação entre a informação jornalística e a publicidade, com a obrigação legal desta última ser devidamente identificada para não ser confundida com a primeira, é altura de se trabalhar agora em profundidade na separação da opinião pública da opinião publicada. Para tal, talvez o mais aconselhável fosse a elaboração de um “manual de instruções” que o “opinion-maker” deveria levar sempre debaixo do braço.

Feitas algumas consultas junto do diversificado mercado dos especialistas nesta matéria, encontrei em Hannah Arendt a melhor fórmula a título de introdução para começar esta tarefa, que não é muito simpática no âmbito do irritante meta-jornalismo ao qual todos estamos sujeitos.
“Os factos são a matéria das opiniões, e as opiniões, inspiradas por diferentes interesses e diferentes paixões, podem diferir largamente e permanecer legítimas enquanto respeitarem a verdade do facto.”

Penso que este parágrafo resume de forma espectacular a essência desta nossa “dissertação” sobre a necessidade de não fazermos confusão entre os nossos desejos pessoais e a realidade circundante.
“A liberdade de opinião é uma farsa se a informação sobre os factos não estiver garantida e se não forem os próprios factos o próprio objecto do debate”.
Com esta segunda incursão na lavra da Hannah, as coisas ficam ainda mais esclarecidas.

Evita-se deste modo que o comentário/análise se transforme rapidamente num género de ficção literária ou numa narrativa surrealista, onde se presumem uma série de coisas a partir das quais se tiram depois conclusões definitivas sobre sentimentos das populações ou estados de espírito sobre como certas comunidades reagem a determinadas pressões da conjuntura.


Ainda a título de introdução deste “manual”, poderíamos acrescentar como conselho útil e quase obrigatório para o “profissional do ramo”, que ele procurasse evitar falar de pessoas que não lhe passaram qualquer procuração e com as quais nunca contactou para procurar saber o que é que elas realmente pensam disto ou daquilo.