Lisboa - Compaoré tinha desistido de se candidatar a um quinto mandato, mas não queria abandonar o poder. Cedeu à pressão política e aos protestos nas ruas. País continua mergulhado na incerteza e região teme movimento revolucionário.

Fonte: Publico

Depois de um dia de resistência, em que disse “compreender” a mensagem de protesto nas ruas mas recusou deixar o Governo, o Presidente do Burkina Faso, Blaise Compaoré, resignou-se a abandonar o poder – que tinha tomado pela força em 1987 e se preparava para prolongar, concorrendo à quinta reeleição consecutiva no próximo ano. A teimosia do líder de Ouagadougou ameaçava arrastar o país para o caos e a crise; agora, a sua saída de cena, acossado e sem glória, arrisca inflamar os ânimos nos países vizinhos e na região, onde uma série de governos autocráticos temem um efeito de contágio.

Num comunicado divulgado ao fim da manhã à população do país, Blaise Compaoré informou ter invocado o artigo 43 da Constituição para “declarar um vazio de poder e permitir o estabelecimento imediato de uma autoridade de transição que convocará eleições num prazo máximo de 90 dias”. A decisão, justificou o Presidente demissionário, foi tomada pela “necessidade de preservar os avanços democráticos, bem como a paz social no país”, perante a persistente intranquilidade da ordem pública, o saque de propriedade pública e privada e o risco de uma cisão no Exército nacional.

Classificado como o arranque da “primavera subsariana”, pelos opositores ao regime, o espírito de revolução parece, para já, confinado ao Burkina Faso, uma antiga colónia da França que era elogiada pelos aliados ocidentais como um bastião de estabilidade na “agitada” região do Sahel. O país continua a albergar uma importante base militar gaulesa, que serve de apoio para as operações de combate à Al-Qaeda e outros movimentos islamistas na África Ocidental.

Sem Governo e com a Assembleia Nacional dissolvida desde quinta-feira, o chefe das Forças Armadas, general Honoré Nabéré Traoré assumiu a condução do país para o poder não cair na rua. “Considerando a urgência da tarefa de salvamento da nação, decidi assumir a partir deste dia a responsabilidade de chefe de Estado”, declarou, assim que foi conhecida a resignação de Compaoré. “Comprometo-me solenemente a promover, sem demoras, as consultas necessárias para dar início ao processo de retorno à ordem constitucional, tão depressa quanto possível”, insistiu.

Mas a iniciativa do general não pôs fim nem à instabilidade nem à incerteza no país – que no imediato reagiu com festa e foguetes às notícias da demissão de Compaoré. Depois da explosão de violência nos protestos da quinta-feira, que culminou como cerco ao palácio presidencial, a ocupação do canal público de televisão, o incêndio e saque da Assembleia Nacional e da destruição de um dos mais importantes hotéis de Ouagadougou, foi a vez da celebração.

Fontes citadas pela BBC apontavam para uma possível fuga e futuro exílio de Blaise Compaoré, que estaria a caminho do Gana. Uma fonte diplomática francesa garantia, porém, que o ex-Presidente tinha deixado a capital, mas não abandonara o país. O antigo capitão do Exército, que ascendeu ao poder num golpe militar e depois abandonou o uniforme, ainda é uma figura temida para alguns dos países vizinhos.

O seu substituto (temporário?) tampouco é muito bem visto em Ouagadougou. Um manifestante ouvido pela BBC na Praça da Nação explicava que a população prefere ver o poder nas mãos do antigo ministro da Defesa, general Kouamé Lougué, que está identificado com a oposição ao regime. “O que nós fizemos não foi um golpe de Estado, foi uma revolta popular. Organizámo-nos, lutámos e vencemos, e agora estamos a dizer que este é o homem que escolhemos para líder. Por que continuam a forçar-nos a aceitar um homem que não nos serve e não queremos?”, questionava-se.

A mesma ideia foi repetida pelo activista (de oposição) Monou Tapsoaba, que em declarações à AFP confirmava que “o povo não quer o general Traoré no poder. Precisamos de um líder credível, e não de um homem de mão de Compaoré”. Logo pela manhã, ainda antes da demissão do Presidente, a oposição em bloco – um conjunto de 34 grupos e partidos políticos – tinha deixado claro que os protestos só terminariam com a “saída incondicional” de Compaoré e o fim “puro e simples” do seu regime.

Aspirações para a mudança

As últimas 24 horas de Compaoré no poder foram frenéticas. Com a capital a arder, o Presidente começou por suspender o envio para votação no Parlamento de uma proposta de reforma constitucional para acabar com o limite de mandatos, depois dissolveu o Governo e o Parlamento, aceitando negociar um executivo de transição até às eleições de 2015, e acabou por decretar o estado de emergência e instaurar a lei marcial no país.

“Ouvi a mensagem das ruas e percebo as fortes aspirações para a mudança”, sublinhou, numa mensagem destinada a acalmar o país. No cair do pano, esta sexta-feira, o ex-Presidente renovou o apelo à calma e moderação da população – os saques e pilhagens continuaram ao longo do dia, incluindo nas residências da família Compaoré – e pediu aos “actores políticos e à sociedade civil para assumir as suas responsabilidades e travar a turbulência que apenas atrasa o desenvolvimento do país”.

Costa do Marfim deu asilo ao ex-presidente de Burkina Fasso

A Costa do Marfim confirmou neste sábado que o ex-presidente de Burkina Fasso, Blaise Compaoré, está exilado no país após renunciar, forçado pelos protestos violentos que exigiam sua saída do poder.

'O presidente da República informa ao povo marfinense, aos residentes da Costa do Marfim e à comunidade internacional que o presidente Blaise Compaoré e sua família foram amparados na Costa do Marfim', disse em comunicado o chefe de gabinete do presidente Alassane Ouattara, Marcel Amon-Tanoh.

Amon-Tanoh disse que Ouattara está muito preocupado pela crise que atinge Burkina Fasso.

'O presidente espera que este país irmão retorne, o mais breve possível, à paz e à estabilidade', acrescenta o texto.

O ex-presidente de Burkina Fasso chegou a Yamoussoukro, capital política da Costa do Marfim, às 22h do horário local de ontem, em um comboio militar.

Pressionado por uma série de protestos violentos nas ruas do país durante os últimos três dias, o ex-presidente renunciou ontem após 27 anos no poder, conquistado através do golpe de estado.