Luanda – Quis a história do nosso país que as suas gentes tivessem que passar pelo que passaram. Uma atroz colonização  de cerca de cinco longos séculos que entretanto vieram a terminar, depois de uma luta de libertação  levada a cabo por aqueles que tiveram a oportunidade de participar de maneira activa e directa, mas também a contribuição  daqueles que, dentro dos limites geográficos controlados pelo regime colonial, sempre foram encontrando formas de colocar o seu grãozito de área nesse grande edifício que é a Angola independente, a Angola dos nossos sonhos, infelizmente ainda a espera de realização.

Fonte: Club-k.net
http://club-k.net/images/Virgilio%20Samakuva.jpgTriste é de constatar que as discrepâncias entre angolanos acirraram.se muito mais durante os 39 anos da suposta independência do que nos cinco séculos da colonização. No tempo da colonização, pensávamos todos como angolanos, pensávamos como donos de uma mesma terra ocupada por uns conquistadores, pensávamos só como um povo debaixo do mesmo opressor. Havia um sentimento de mais unidade, muita solidariedade entre os angolanos e em particular entre os autóctones.

Quando nessa altura, com muito ardor e juventude, clandestinamente escutávamos as emissões de “Angola Combatente” emitidas a partir das antenas de “La Voix de la Revolution Congolaise” de Brazaville, ou o ”Liberdade e Terra” das antenas de “La Voix du Zaïre” de Kinshasa, o calor e único desejo que  sentíamos era o de participar. Era o desejo de ver este combate triunfar.  

Era o de ver esta terra livre do colonialismo, ser dirigida enfim pelos seus legítimos filhos, para possibilitar que essa maioria oprimida a que pertencíamos, visse luz e tivesse uma vida decente. Porém, as desilusões e o redimensionamento de posicôes, foram chegando mais tarde e não direi que cada um não teve a sua visão e forma de reagir a elas.
 
As minhas, por exemplo, começaram no dia em que escutei do meu então querido programa “Angola Combatente”, uma notícia de uma acção  de luta do MPLA, supostamente ocorrida na zona  onde eu estava naquele momento, sem que tal tivesse acontecido. Muito longe de pretender negar a importância e o efeito persuasivo positivo desse programa no seio dos jovens que éramos, não posso deixar de mencionar que a partir daquele dia fiquei triste e comecei a duvidar de todas outras informações que me chegavam por esse canal.

Novos elementos foram-se acrescentando com o comportamento do MPLA-PT já no terreno depois do 25 de Abril, o que selou definitivamente a rejeição deste, e a minha inalterável aderência a UNITA em 1974. O resto? Divisões, desinformação, calúnias, provocações, bordoada, assassinatos, foi assim a história desta Angola.

Quando há dias li um dos nossos jovens, muito activo no facebook comentar que ouvira de um respeitável patriarca lamentar que entre o regime colonial e o que nos governa hoje, preferia o colonial, não me assustei de forma nenhuma. Considerei isso uma chamada de atenção muito séria para aqueles que dirigem este país. Uma chamada que devia ser tomada em consideração pois ela indica que muito está a falhar.

Mas o mais triste do filme é quando, num contexto como esse, os que governam orgulham-se de terem o país que não têm, o país das miragens, o país dos gabinetes confortáveis, o pais do luxo na miséria, o país dos écrans de uma televisão que tudo manipula, só para defender o quintal do chefe de tudo.

Se olharmos para o que de mais importante acontece nesses últimos tempos pelo país fora, podemos rapidamente concluir que temos o país dos nossos sonhos adiado por conveniência daqueles que desde o primeiro momento procuraram a mentira, a divisão  dos angolanos e a violência, para melhor reinarem. É lamentável termos que dizer isso do nosso próprio país, mas por ser o que temos na realidade, não podemos chamar pão a uma pedra, nem vice versa.

Já vai longo o percurso desde o 11 de Novembro de 1975. Eis-nos, nas vésperas das festividades que vão marcar o 39º aniversário da proclamação da dita independência, e a situação é a que conhecemos todos. Desta forma, mais do que um momento para festas, este devia ser um momento para reflexão séria, que permita fazermos um balanço objectivo do percurso e fase em que nos encontramos;  

Um momento para repensar estratégias que possam acabar com essas frustrações da maioria dos angolanos reflectidas no desabafo do patriarca acima mencionado. Foram-se 39 anos e à medida que nos aproximamos do onze, revejo tudo.

Revejo o ardor da fase da transição: revejo as “manchettes” das primeiras ediçôes dos jornais A Província de Angola, O Comércio, O Planalto, o Lobito ou o jornal de Benguela;  revejo a azáfama na organização  e realização daquela viagem da JURA do Huambo a Luanda para assistirmos a tomada de posse do Governo de Transição  da nossa nova  Angola;

Revejo a histórica e jamais vista mole de gente que no aeroporto da então Nova Lisboa, ofereceu ao Muata da Paz aquela inigualável recepção  na sua primeira chegada ao Huambo; a sua primeira chegada a Luanda, sem no entanto esquecer também a primeira chegada das delegaçôes do MPLA  e da FNLA à capital; revejo o entusiasmo e sobretudo aquelas caras de ansiedade e esperança inocentes de muitos angolanos,  hoje traidos.

Revejo vários episódios que se foram sucedendo ao longo dessa fase; o comportamento dos nossos líderes e os esforços, em particular por parte do dr. Savimbi para impedir qualquer derrapagem do processo e o que se seguiu. Sim, revejo o triste Pica Pau; essa triste ponte do Cuanza no Dondo; o atentado no Bié, contra o avião do presidente da UNITA no início de Agosto daquele ano;  

As cerimónias daquela noite anterior ao primeiro  11 de Novembro  para mim passadas no estádio de Cacilhas e no Palácio do Governo no Huambo;  a triste debandada dos portugueses apavorados;  a nossa partida compulsiva da cidade do Huambo, devido a invasão  russo-cubana naquele mês de Fevereiro de 1976; o filme  da coluna de tanques cubanos a passar a escassos metros do meu abrigo, nas entranhas do que considerava meu, meu, meu. Relembro a minha impotência e revolta ao ver esse espetáculo;

Revejo a partida para a resistência naquela primavera; as duras noites da guerrilha, o esforço e a determinação  do Povo na resistência contra essa invasão  russo cubana, revejo o soldado Chihoko e todos os companheiros que  iam ficando cada dia e  para sempre, aos quais dedico este texto;  as derrotas, mas também as retumbantes vitórias das FALA que obrigaram o MPLA a mudar o  estridente grito “ao inimigo, nem um palmo da nossa terra” para o meigo “sim às negociações com o   inimigo” e a aceitação também compulsiva (e afinal teórica) do multipartidarismo. Revejo, a traição que nos levou para sempre, os saudosos jovens e brilhantes oficiais Adalberto Neto Epalanga e José Nogueira Kanjundo ocorrida ainda no início do processo negocial; revejo, os tristes episódios do fatídico 31 de Outubro e primeiros dias de Novembro de 1992;

As tentativas de aproximação e de novo, as traições que vitimaram muitos mais responsáveis da UNITA e angolanos em geral por todo o país no longo caminho que visava retomar o dito processo de reconciliação  enfim; revejo o filme que enegrece as páginas da nossa história e entristeço-me ainda mais ao constatar que aos nossos 39 anos de idade, há ainda responsáveis do regime,  que se divertem com tudo isso e preferem persistir na via de sempre com discursos de incitação à violência, essa ante câmara de assassinatos seguidos de desinformação,  que incluirá sempre e sempre, a transformação  das vítimas em verdugos.

De entre esses tantos episódios e actos que marcaram a história desses 39 anos quero, para terminar, mencionar só mais três, todos eles ocorridos nos últimos 8 meses do corrente ano:

Primeiro: O bárbaro assassinato de três membros da UNITA que teve lugar no Kassongue, no princípio do último mês de Março. Refiro-me aos cidadãos Mariano Justino Ndavoka; Alberto Canivete; Matias Malanga.

Ao ter feito parte de uma delegação  parlamentar que foi até ao terreno,  e ter vivido in loco, o drama daquelas famílias que dias antes, tinham assistido a esse acto digno da idade da pedra, em que viram seus entes queridos a serem mortos à pedrada, à paulada e à catanada  só porque queriam preparar uma actividade política, um direito que eles acreditavam que lhes conferia a CRA, isso ficou marcado  e guardo comigo a necessidade de encontrar explicação  para tanta barbárie, em pleno 12º ano de paz militar. À plena luz do dia, os habitantes dessa parcela do território nacional viram os assassinos; conheciam-nos pelos nomes e apelidos.

Eram responsáveis e activistas locais do mesmo MPLA. Estes, apoderaram-se das motorizadas das suas vítimas, a população viu como os assassinos  circulavam conduzindo essas mesmíssimas  motorizadas dos falecidos, sem que as autoridades do que se chama ”Estado Angolano” tivessem  levantado um mínimo dedo para tentar averiguar, e fazer o mínimo de justiça. Vi viúvas, vi órfãos, vi familiares desconsolados que lançavam um olhar indagador...

E para cúmulo da nossa desgraça, nâo ouvimos, uma só palavra, nem mesmo a de condolências da parte daquele que gostaríamos que fosse chamado “Presidente de todos angolanos”. Nem durante, nem depois. Em que país vivemos? Onde está, (já nâo digo o Estado de Direito), mas... onde está, o Estado? Afinal, temos um Estado cuja presença e o mérito principal só se faz sentir na hora de matar os que pensam de outra forma? E queremos dizer que temos um Estado de Direito? E queremos falar de uma paz que se consolida todos os dias graças ao espírito de tolerância, compreensão, reconciliação e perdão? De que é que estamos a falar, se a realidade no terreno é bem diferente?

Segundo: A corroborar que o mesmo comportamento dos anos setenta nos persegue,  nas vésperas do 39º aniversário dessa data memorável e,  quase 13 anos de paz militar, temos os últimos incidentes do Cuemba, onde a mesma sanha assassina, mata um bebé e deixa feridos vários cidadãos, bens partidários da UNITA e da população  destruídos, mas um responsável do nível de governador de província  e estou a referir-me ao do Bié, em vez de condenar o acto bárbaro dirigido pela sua administradora, faz elogios do tipo dos que escutamos há dias. E segue tudo como uma coisa normal!...

Que Angola reconciliada queremos ter se ainda temos responsáveis do  próprio “Estado” que ordenam  matar  os seus próprios cidadãos, depois de tantos exemplos das consequências nefastas  que essas atitudes  provocaram ao longo das últimas décadas? E fingimos que está tudo normal ?!

Chamemos as coisas pelos seus nomes: indivíduos dessa índole, são conductores da reconciliação nacional ou pirómanos endiabrados? Terá esse compatriota compreendido o sentido da responsabilidade do cargo em que foi im “posto”? Sabe realmente qual devia ser a sua missão? E uma vez mais, onde está afinal, aquele que devia ser o nosso árbitro? Estará ele informado dessas baboseiras dos seus subordinados, ou lhe escondem tudo?

Terceiro: A fresquíssima tentativa de assassinato do jovem deputado Liberty  Chiyaka ocorrida no passado dia 12 de Outubro do corrente ano, vem a fechar o leque desta  pequena fracção  de casos dessa reflexão   que precisam fazer todos os angolanos conscientes, durante esta época do nosso 39º aniversário. Quanto a mim e de momento, maior repulsa de tudo isso e,  sem mais comentários, deixo  uma pergunta no ar,  seguida de apelo:

Quo vadis Reconciliação Angolana?

Sou dos que pensam que a salvação  desse nosso processo de Reconciliação Nacional depende, não só, evidentemente  da oposição, actualmente com a UNITA à frente, mas muito terá a ver também com o papel que devem desempenhar os verdadeiros patriotas que estão  no seio deste histórico partido, o  MPLA que os há,   e em particular a camada mais jovem, (não dessa, que ainda adula sem reflectir, afirmando que alternância no poder ou seja, “substituir o MPLA no governo é o mesmo que substituir  o povo!..”), mas aquela que seja capaz de  desprender-se das amarras desses caducos chefes de esquadrões da morte, que tentam convencer-nos  que essa juventude não  tem capacidade para  pensar com suas próprias e modernas cabeças, para unirem de novo essa Angola que queremos adaptada ao século XXI.

Sem ignorar ou pôr de fora dessa árdua tarefa toda a cidadania, só a acção  conjunta fará com que  os pirómanos endiabrados, esses cansados para quem nem a paz, nem a reconciliação  e muito menos a democracia real interessam,  possam ter descanso e, vivos e no perdão e concórdia, possam ainda ver como,  afinal,   todos juntos  e com vontade política, podemos conseguir  retomar a construção  dessa Angola que esteve nos sonhos daqueles que, tendo sido os melhores, partiram antes de terminar a obra.